Título: 25º Prêmio da Música Brasileira
Artista: Vários
Local: Theatro Municipal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)
Data: 14 de maio de 2014
Foto: Roberto Filho
Cotação: * * * 1/2
Ao festejar suas Bodas de Prata, o Prêmio da Música Brasileira caiu sem riscos no samba, respeitando a organização e a linhagem nobre dos quintais dos bambas. Quando escapou do óbvio na formação dos números, como ao juntar a cantora africana Angélique Kidjo com o cantor Péricles em número que bebeu na fonte ao evocar toda a carga ancestral da Mãe África, a cerimônia da 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira voou alto, derrubando fronteiras. O dueto de Kidjo (cantora nascida em Benin, pequeno país da África) com Péricles (cantor paulista de voz potente, projetado como vocalista do grupo de pagode Exaltasamba) foi o ponto mais alto e mais inusitado da apresentação roteirizada pela cantora e compositora fluminense Zélia Duncan sob a direção do empresário José Maurício Machline, idealizador do prêmio. Inclusive porque o número surpreendeu ao ecoar a obscura Sinfonia da paz - bela música de Altay Veloso lançada por Alcione no álbum Promessa (1991) e ouvida na cerimônia com o reforço de coro de tons afros - em medley com Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976), música que representou o legado luminoso da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1998) na história do samba. Cantando na sua língua-mãe, Kidjo arrepiou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro na noite de 14 de maio de 2014 ao mesmo tempo em que Péricles mostrou que, quando dá voz a bom repertório, se agiganta como intérprete. Kidjo e Péricles foram instantes de ousadia. Mas a força da tradição também se impôs no roteiro que celebrava um homenageado sem nome, sobrenome ou naturalidade certa - como lembrou Zélia Duncan no seu bonito texto lido por Gilberto Gil na abertura da cerimônia apresentada pelos atores Camila Pitanga e Mateus Solano (descolados o suficiente para corrigir seus eventuais erros com charme). Além de perfilar o samba sob a ótica de Zélia, Gil fez o primeiro dos dez números musicais da cerimônia, compensando a falta de viço na voz com o toque sagaz de um violão que criou nova harmonia para o samba É luxo só (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1957) enquanto uma esbelta Mariene de Castro dançava como a perfeita personificação da mulata retratada no samba, mesclado pela dupla com Escurinho (Geraldo Pereira, 1954). Evidente também nos arranjos do maestro Rildo Hora, a força da tradição sobressaiu no Municipal quando Beth Carvalho saudou os bambas Candeia (1935-1978), Cartola (1908-1980) e Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) - amalgamando os sambas Preciso me encontrar (Candeia, 1976), O sol nascerá (Cartola e Elton Medeiros, 1964) e Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973) - e quando Paulinho da Viola reiterou sua elegância ao encerrar o evento com set em que reviveu seus sambas Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1996), Onde a dor não tem razão (Paulinho da Viola e Elton Medeiros, 1981) e Foi um Rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola, 1970) com adesões do bandolinista Hamilton de Holanda e da bateria da escola de samba Portela. Dentro dos limites dessa tradição, o trio formado por Arlindo Cruz, Almir Guineto e Zeca Pagodinho hasteou alto a bandeira do samba quando deu voz aos partidos Dor de amor (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Zeca Pagodinho, 1966), Pedi ao céu (Almir Guineto e Luverci Ernesto, 1979) e Vai vadiar (Monarco e Ratinho, 1998). Dentro de seu quintal, Maria Bethânia entrou mais uma vez na roda e cantou - com sua presença magnética, em momento iluminado - sambas que evocam o Recôncavo Baiano, em especial sua natal Santo Amaro da Purificação. E por falar na Bahia, o compositor Assis Valente (1911 - 1958) - que também veio ao mundo em Santo Amaro - teve seu samba ...E o mundo não se acabou (1938) eletrizado por Baby do Brasil, que pôs seu jazz no tema de Assis. Baby cantou emoldurada por corpo de bailarinas vestidas à moda tropicalista da cantora Carmen Miranda (1909 - 1955), intérprete original do samba de Assis. Ainda dentro da Bahia, o também elétrico Riachão mostrou energia jovial, aos 92 anos, ao dividir com o rapper paulista Criolo a interpretação de seu samba Vá morar com o diabo. Faltou interação entre os artistas, mas o vigor de Riachão fez do número um dos destaques do roteiro, que também transitou pela cidade de São Paulo (SP), lembrando a valiosa contribuição ao samba dada pelos compositores Adoniran Barbosa (1910 - 1982), Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini (1924 - 2013), ouvidos nas vozes da paulistana Fabiana Cozza e da resistente Leci Brandão (sambista carioca que tem tido mais público em Sampa do que na sua cidade natal). Mas como o samba também é natural do Rio de Janeiro - embora Zélia tenha lá sua razão ao apontar a incerteza dessa naturalidade - um trio de cantores projetados na revitalizada Lapa nos anos 2000 (João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda) lembrou outros bambas do samba. Em constante evolução como cantor, João deu bela voz a Quem te viu quem te vê (Chico Buarque, 1966). Moyseis reiterou a beleza melódica e poética de Além da razão (Sombrinha, Sombra e Luiz Carlos da Vila, 1988). Já Pedro puxou Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aluísio, 1975). Cabe lamentar a ausência no roteiro de sambas de Noel Rosa (1910-1937), Dorival Caymmi (1914-2008) e Martinho da Vila, compositores de estilos originais que apontaram caminhos para o samba ao entrarem em cena. Mesmo assim, enraizados nas tradições do gênero que celebrava, os dez números musicais da 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira honraram a história desse homenageado sem nome e sem sobrenome, mas que tem identidade e até pode ser chamado - como cunhou Altay Veloso em samba que deu título a álbum lançado por Alcione em 1994 - de Brasil de Oliveira da Silva do Samba, país mulato e viril de identidade transbordante.
2 comentários:
Ao festejar suas Bodas de Prata, o Prêmio da Música Brasileira caiu sem riscos no samba, respeitando a organização e a linhagem nobre dos quintais dos bambas. Quando escapou do óbvio na formação dos números, como ao juntar a cantora africana Angélique Kidjo com o cantor Péricles em número que bebeu na fonte ao evocar toda a carga ancestral da Mãe África, a cerimônia da 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira voou alto, derrubando fronteiras. O dueto de Kidjo (cantora nascida em Benin, pequeno país da África) com Péricles (cantor paulista de voz potente, projetado como vocalista do grupo de pagode Exaltasamba) foi o ponto mais alto e mais inusitado da apresentação roteirizada pela cantora e compositora fluminense Zélia Duncan sob a direção do empresário José Maurício Machline, idealizador do prêmio. Inclusive porque o número surpreendeu ao ecoar a obscura Sinfonia da paz - bela música de Altay Veloso lançada por Alcione no álbum Promessa (1991) e ouvida na cerimônia com o reforço de coro de tons afros - em medley com Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976), música que representou o legado luminoso da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1998) na história do samba. Cantando na sua língua-mãe, Kidjo arrepiou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro na noite de 14 de maio de 2014 ao mesmo tempo em que Péricles mostrou que, quando dá voz a bom repertório, se agiganta como intérprete. Kidjo e Péricles foram instantes de ousadia. Mas a força da tradição também se impôs no roteiro que celebrava um homenageado sem nome, sobrenome ou naturalidade certa - como lembrou Zélia Duncan no seu bonito texto lido por Gilberto Gil na abertura da cerimônia apresentada pelos atores Camila Pitanga e Mateus Solano (descolados o suficiente para corrigir seus eventuais erros com charme). Além de perfilar o samba sob a ótica de Zélia, Gil fez o primeiro dos dez números musicais da cerimônia, compensando a falta de viço na voz com o toque sagaz de um violão que criou nova harmonia para o samba É luxo só (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1957) enquanto uma esbelta Mariene de Castro dançava como a perfeita personificação da mulata retratada no samba, mesclado pela dupla com Escurinho (Geraldo Pereira, 1954). Evidente também nos arranjos do maestro Rildo Hora, a força da tradição sobressaiu no Municipal quando Beth Carvalho saudou Candeia (1935 - 1978), Cartola (1908 - 1980) e Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) - amalgamando os sambas Preciso me encontrar (Candeia, 1976), O sol nascerá (Cartola e Elton Medeiros, 1964) e Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973) - e quando Paulinho da Viola reiterou sua elegância ao encerrar o evento com set em que reviveu seus sambas Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1996), Onde a dor não tem razão (Paulinho da Viola e Elton Medeiros, 1981) e Foi um Rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola, 1970) com adesões do bandolinista Hamilton de Holanda e da bateria da escola de samba Portela. Dentro dos limites dessa tradição, o trio formado por Arlindo Cruz, Almir Guineto e Zeca Pagodinho hasteou alto a bandeira do samba quando deu voz aos partidos Dor de amor (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Zeca Pagodinho, 1966), Pedi ao céu (Almir Guineto e Luverci Ernesto, 1979) e Vai vadiar (Monarco e Ratinho, 1998). Dentro de seu quintal, Maria Bethânia entrou mais uma vez na roda e cantou - com presença magnética, em momento iluminado - sambas que evocam o Recôncavo Baiano, em especial sua natal Santo Amaro da Purificação.
E por falar na Bahia, o compositor Assis Valente (1911 - 1958) - que também veio ao mundo em Santo Amaro - teve seu samba ...E o mundo não se acabou (1938) eletrizado por Baby do Brasil, que pôs seu jazz no tema de Assis. Baby cantou emoldurada por corpo de bailarinas vestidas à moda tropicalista da cantora Carmen Miranda (1909 - 1955), intérprete original do samba de Assis. Ainda dentro da Bahia, o também elétrico Riachão mostrou energia jovial, aos 92 anos, ao dividir com o rapper paulista Criolo a interpretação de seu samba Vá morar com o diabo. Faltou interação entre os artistas, mas o vigor de Riachão fez do número um dos destaques do roteiro, que também transitou pela cidade de São Paulo (SP), lembrando a valiosa contribuição ao samba dada pelos compositores Adoniran Barbosa (1910 - 1982), Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini (1924 - 2013), ouvidos nas vozes da paulistana Fabiana Cozza e da resistente Leci Brandão (sambista carioca que tem tido mais público em Sampa do que na sua cidade natal). Mas como o samba também é natural do Rio de Janeiro - embora Zélia tenha lá sua razão ao apontar a incerteza dessa naturalidade - um trio de cantores projetados na revitalizada Lapa nos anos 2000 (João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda) lembrou outros bambas do samba. Em constante evolução como cantor, João deu bela voz a Quem te viu quem te vê (Chico Buarque, 1966). Moyseis reiterou a beleza melódica e poética de Além da razão (Sombrinha, Sombra e Luiz Carlos da Vila, 1986). Já Pedro puxou Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aluísio, 1975). Cabe ressaltar - e lamentar - a ausência no roteiro de sambas de Dorival Caymmi (1914 - 2008) e Martinho da Vila, compositores de estilo original que apontaram caminhos para o samba ao entrarem em cena. Mesmo assim, enraizados nas tradições do gênero que celebrava, os dez números musicais da 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira honraram a história desse homenageado sem nome e sem sobrenome, mas que tem identidade e que também pode ser chamado - como cunhou Altay Veloso em samba que deu título a álbum lançado por Alcione em 1994 - de Brasil de Oliveira da Silva do Samba, país mulato e viril de identidade transbordante.
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