Título: Souvenir
Artista: Silvia Machete (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 27 de maio de 2014
Cotação: * * *
♪ Souvenir - o show que Silvia Machete estreou ontem no Rio de Janeiro (RJ) com base no seu homônimo quinto CD, lançado esta semana via Coqueiro Verde Records - é uma viagem. É uma viagem pelo fato de o roteiro traçar rota que começa por Cuba - com o Mambo nº 5 (Pérez Prado, 1949) usado como trilha instrumental para a performática entrada em cena da cantora carioca - e que passa por Brasil, Estados Unidos, França e Portugal. Mas é uma viagem também porque o roteiro inclui diálogos e ações teatrais que esboçam narrativa nem sempre (totalmente) inteligível para o público - casos do piquenique armado na chegada em Paris e, sobretudo, do diálogo sobre música boa travado em Nova York (EUA) entre cidadão norte-americano (representado pela capa de álbum clássico do cantor Billy Paul, 360 degrees of Billy Paul, de 1972) e turista brasileira (representada por capa de um dos álbuns mais fracos da cantora Simone, Sedução, de 1988). Emoldurada por cenário formado por múltiplas imagens de envelopes, Machete usa sucessivos figurinos - todos adequados à estética burlesca do espetáculo - e elementos cênicos para armar o circo com humor mordaz. Musicalmente, Souvenir é show azeitado que expõe a beleza da voz cristalina da cantora, uma das melhores de sua geração, (ainda) não valorizada na medida do seu talento vocal talvez justamente por se recusar a fazer shows caretas. Nesse sentido, Totalmente tcha tcha tcha - inédita de Eduardo Dussek, cuja presença na plateia do Theatro Net Rio foi saudada por Machete - se ajusta perfeitamente ao tom abusado da cantora. Parceria também inédita de Jorge Mautner com Rubinho Jacobina, Ba be bi bo bu brinca com ditados e frases feitas com leveza e com graça que ecoa o universo carnavalesco das marchinhas de Lamartine Babo (1904 - 1963). Já o Tango da bronquite evolui sedutor em cena, mesmo sem a presença de sua compositora Ângela Ro Ro (convidada da regravação de sua música no recém-lançado disco Souvenir). O arranjo tenta reproduzir o clima de fanfarra da gravação de estúdio, mas, em vez dos metais, quem mais sobressai no arranjo do show é a guitarra de Fabiano Krieger, tocada dentro do espírito fanfarrão do número. Marco inicial da chegada em Nova York (EUA), a límpida interpretação da canção em inglês 2 hot 2 b romantic - composta por Machete e lançada pela autora no seu primeiro CD, Bomb of love (Independente 2006) - é a prova de que, se quisesse, Machete poderia assumir a personagem da cantora virtuosa e previsível como a performática abordagem de O baixo (Silvia Machete, 2010), herança do anterior show Extravaganza (2010), dispensável, posto que déjà vu. A surpresa reside na entrada em cena de um piano de cauda, usado por Murilo de Andrade na interpretação minimalista da canção História de um início (Arthur Dutra, 2014), veículo para a exposição do cristal fino que Machete embute na garganta privilegiada. Pérola pós-tropicalista do próximo álbum de Rubinho Jacobina (com lançamento já programado para o segundo semestre de 2014 pela gravadora Joia Moderna), Ringard é iguaria saborosa do piquenique feito em Paris e que culmina com a interpretação sem dramaticidade, mas progressivamente intensa, de Non, je ne regrette rien (Charles Dumont e Michel Vaucaire, 1956), o hit-epitáfio da cantora francesa Edith Piaf (1915 - 1963). Marcando a passagem para Lisboa, cidade citada na letra, Sábado e domingo (Domenico Lancellotti e Alberto Continentino, 2010) reitera seu caráter sedutor momentos antes de o baterista João di Sabbato cantar trecho de fado. É a senha para a abordagem de Espetáculo (1979), tema do compositor português Sérgio Godinho que surte efeito bem reduzido no show. Trapézio (2001) - música de outro veterano compositor lusitano, Jorge de Palma - está mais (literalmente) dentro do espírito circense da obra de Silvia Machete, que se auto-perfila no bis ao dar voz à marcha-frevo Nada, composta pelo eterno novo baiano Moraes Moreira para esta artista carioca cheia de verve. O show Souvenir lembra o tempo todo que, por trás do circo armado em cada escala da viagem, há uma cantora com voz. Musicalmente, a viagem é boa.
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Souvenir - o show que Silvia Machete estreou ontem no Rio de Janeiro (RJ) com base no seu homônimo quinto CD, lançado esta semana via Coqueiro Verde Records - é uma viagem. É uma viagem pelo fato de o roteiro traçar rota que começa por Cuba - com o Mambo nº 5 (Pérez Prado, 1949) usado como trilha instrumental para a performática entrada em cena da cantora carioca - e que passa por Brasil, Estados Unidos, França e Portugal. Mas é uma viagem também porque o roteiro inclui diálogos e ações teatrais que esboçam narrativa nem sempre (totalmente) inteligível para o público - casos do piquenique armado na chegada em Paris e, sobretudo, do diálogo sobre música boa travado em Nova York (EUA) entre cidadão norte-americano (representado pela capa de álbum clássico do cantor Billy Paul, 360 degrees of Billy Paul, de 1972) e turista brasileira (representada por capa de um dos álbuns mais fracos da cantora Simone, Sedução, de 1988). Emoldurada por cenário formado por múltiplas imagens de envelopes, Machete usa sucessivos figurinos - todos adequados à estética burlesca do espetáculo - e elementos cênicos para armar o circo com humor mordaz. Musicalmente, Souvenir é show azeitado que expõe a beleza da voz cristalina da cantora, uma das melhores de sua geração, (ainda) não valorizada na medida do seu talento vocal talvez justamente por se recusar a fazer shows caretas. Nesse sentido, Totalmente tcha tcha tcha - inédita de Eduardo Dussek, cuja presença na plateia do Theatro Net Rio foi saudada por Machete - se ajusta perfeitamente ao tom abusado da cantora. Parceria também inédita de Jorge Mautner com Rubinho Jacobina, Ba be bi bo bu brinca com ditados e frases feitas com leveza e com graça que ecoa o universo carnavalesco das marchinhas de Lamartine Babo (1904 - 1963).
Já o Tango da bronquite evolui sedutor em cena, mesmo sem a presença de sua compositora Ângela Ro Ro (convidada da regravação de sua música no recém-lançado disco Souvenir). O arranjo tenta reproduzir o clima de fanfarra da gravação de estúdio, mas, em vez dos metais, quem mais sobressai no arranjo do show é a guitarra de Fabiano Krieger, tocada dentro do espírito fanfarrão do número. Marco inicial da chegada em Nova York (EUA), a límpida interpretação da canção em inglês 2 hot 2 b romantic - composta por Machete e lançada pela autora no seu primeiro CD, Bomb of love (Independente 2006) - é a prova de que, se quisesse, Machete poderia assumir a personagem da cantora virtuosa e previsível como a performática abordagem de O baixo (Silvia Machete, 2010), herança do anterior show Extravaganza (2010), dispensável, posto que déjà vu. A surpresa reside na entrada em cena de um piano de cauda, usado por Murilo de Andrade na interpretação minimalista da canção História de um início (Arthur Dutra, 2014), veículo para a exposição do cristal fino que Machete embute na garganta privilegiada. Pérola pós-tropicalista do próximo álbum de Rubinho Jacobina (com lançamento já programado para o segundo semestre de 2014 pela gravadora Joia Moderna), Ringard é iguaria saborosa do piquenique feito em Paris e que culmina com a interpretação sem dramaticidade, mas progressivamente intensa, de Non, je ne regrette rien (Charles Dumont e Michel Voucaire, 1956), o hit-epitáfio da cantora francesa Edith Piaf (1915 - 1963). Marcando a passagem para Lisboa, cidade citada na letra, Sábado e domingo (Domenico Lancellotti e Alberto Continentino, 2010) reitera seu caráter sedutor momentos antes de o baterista João de Sábato cantar trecho de fado. É a senha para a abordagem de Espetáculo (1979), tema do compositor português Sérgio Godinho que surte efeito bem reduzido no show. Trapézio (2001) - música de outro veterano compositor lusitano, Jorge de Palma - está mais (literalmente) dentro do espírito circense da obra de Silvia Machete, que se auto-perfila no bis ao dar voz à marcha-frevo Nada, composta pelo eterno novo baiano Moraes Moreira para esta artista carioca cheia de verve. O show Souvenir lembra o tempo todo que, por trás do circo armado em cada escala da viagem, há uma cantora com voz. Musicalmente, a viagem é ótima.
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