Resenha de show
Título: Filipe Catto canta Cássia Eller
Artista: Filipe Catto (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Teatro do Sesc Vila Mariana (São Paulo, SP)
Data: 6 de junho de 2014
Cotação: * * * 1/2
♪ Na foto exposta na contracapa de seu primeiro álbum, lançado em 1990, Cássia Eller (1962 - 2001) chuta literalmente o balde. Ao longo de seus breves 11 anos de carreira fonográfica, a cantora carioca chutaria metaforicamente esse balde, mesmo quando enquadrada em moldura mais pop pelo mercado da música, a partir de seu terceiro álbum, o Cássia Eller de 1994. Tais chutes eram observados no peso dos arranjos de seus shows - sobretudo no que resultou no CD Veneno vivo (1998) - e na postura irreverente da artista em cena. Mesmo que nunca mais tenha transitado inteiramente pela margem, como em seus dois primeiros discos, Cássia soube se desviar dos vícios e caminhos mais fáceis do mercado pela atitude e pelo sentido que deu a um repertório que ensinou Filipe Catto a ser intérprete - como o cantor gaúcho confidenciou ao público que foi assistir ao seu show Filipe Catto canta Cássia Eller, apresentado com lotação esgotada de 4 a 6 a junho de 2014 no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo (SP). "O coração do intérprete não tem tamanho", filosofou o cantor após revelar a influência que o repertório de Cássia teve em sua formação musical. Cantor de voz farta e forte, Filipe Catto nunca chutou o balde. Flerta eventualmente com o universo indie, mas mira sobretudo o mainstream, com gana de sucesso e popularidade. Ao cantar Cássia, Catto faz seu coração bater do tamanho do mainstream neste show que comprova sua força cênica, sua empatia com o público já conquistado e a habilidade vocal para interpretar de forma convincente um repertório que irmana músicas de compositores tão díspares quanto Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Cazuza (1958 - 1990), Itamar Assumpção (1949 - 2003), Luís Capucho, Luiz Melodia, Nando Reis, Renato Russo, Riachão e Rita Lee. Ao contrário do que afirma na música de Péricles Cavalcanti gravada pela cantora em 1998, Filipe Catto não queria ser Cássia Eller. Filipe Catto quer ser - e já conseguiu ser - Filipe Catto, cantor vocacionado para o jogo de cena. Com um pé no kitsch e outro no indie, mas com os dois olhos focados no sucesso de massa, Catto arma o jogo e a cena - sob a direção de Ricky Scaff - já no primeiro número, Eu queria ser Cássia Eller (Péricles Cavalcanti, 1998), música que canta sentado, de costas para a plateia, com touca que ajuda a montar o figurino da personagem rocker. O arranjo também cria o clima de um rock, mantido em E.C.T. (Nando Reis, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 1994). Os vídeos - que alcançam melhor resultado quando feitos com imagens abstratas - povoam e por vezes poluem a cena para Catto fazer cena. E ele faz, cantando Gatas extraordinárias (Caetano Veloso, 1999) com mais suingue do que ansiedade, esmaecendo Mapa do meu nada (Carlinhos Brown, 1999) e usando o corpo quando dá voz a Rubens (Mario Manga, 1986), personagem-título da música em que o compositor paulista Mario Manga retrata com ironia mordaz a paixão de dois rapazes às voltas com o tesão e com a consciência de que um amor gay (ainda) pode suscitar comentários e preconceitos. Levado na pressão pelo toque firme da bateria de Peo Fiorin, Rubens é o primeiro grande momento do show, que preserva sua aura de sedução ao cair lento - no toque etéreo da guitarra de Fabá Jimenez - Na cadência do samba (Ataulfo Alves e Paulo Gesta, 1962). Gravado por Cássia no álbum de 1994 em que abriu janela para o pop, esse samba do mineiro Ataulfo Alves (1909 - 1969) prepara o clima para o número que emenda as canções Que o Deus venha (Roberto Frejat e Cazuza sobre Clarice Lispector, 1986) e Todo amor que houver nessa vida (Roberto Frejat e Cazuza, 1982) entre acordes distorcidos da guitarra de Fabá Jimenez, músico diante do qual Catto se ajoelha para cantar a balada Por enquanto (Renato Russo, 1985). Com a voz que Deus lhe deu, Catto não chega a enlouquecer em Maluca (1995) - música de Luís Capucho, compositor capixaba criado em Niterói (RJ) que transita pelas margens - e a seduzir quando embarca em Sonhei que viajava com você (Itamar Assumpção, 1992), número ilustrado por (dispensável) vídeo com imagem do compositor paulista Itamar Assumpção (1949 - 2003). Entre um e outro número, a percussionista Lan Lan - convidada do show - entra em cena e, quando bate seu tambor em Eu sou neguinha? (Caetano Veloso, 1987), faz Catto baixar o santo ao fim desse número que reitera a sensação de que Catto comete excessos sem que tais excessos sejam pecado - no seu caso. Já Lan Lan peca pela falta - de viço na voz - quando faz dueto com Catto em Vá morar com o diabo, samba do compositor baiano Riachão que Cássia ajudou a popularizar. O brilho de Lan Lan reside no toque de seu tambor, mote de Nós (Tião Carvalho, 1988). Já Esse filme eu já vi (Luiz Melodia e Renato Piau, 1999) roda em cena com alguma psicodelia. É take marginal de roteiro que, no fim, volta a acenar explicitamente para o mainstream no set de baladas e hits que encerra o show. Antes, Smells like teen spirit (Dave Grohl, Krist Novoselic e Kurt Cobain, 1991) mostra que nem sempre a personagem do roqueiro cai bem no teatro musicado de Catto - impressão reiterada por abordagem artificial de Luz del fuego (Rita Lee, 1975), rock que Cássia Eller gravou em 1998 no Acústico MTV de Rita Lee em dueto com a cantora e compositora paulista. Canção de Nando Reis, Luz dos olhos (2001) se acende com solidez na voz resplandecente de Catto, brilhante ao encarnar o romântico sofredor na balada Toda vez que eu digo adeus, versão de Carlos Rennó - gravada por Cássia em 2000 - para uma das canções mais lindas do compositor norte-americano Cole Porter (1891 - 1964), Ev'ry time we say goodbye (1944). É quando o intérprete se casa e se afina totalmente com a canção, gerando momento memorável, com aura de encantamento novamente alcançada, no bis, com interpretação irretocável de Non, je ne regrette rien (Charles Dumont e Michel Vaucaire, 1956), sucesso de Edith Piaf (1915 - 1963), cantora francesa que, como Catto, se excedia sem pecar por esse excesso. Com marcante intervenção da guitarra de Fabá Jimenez, destaque de banda que incluiu também o baixista Fábio Sá e o pianista Lucas Vargas (eventualmente no acordeom), Relicário (Nando Reis, 2001) é outro momento interessante do show em que Catto canta Cássia sem a atitude da cantora, mas com sua própria personalidade artística, teatral, por vezes over, mas de intensidade verdadeira. Nas muitas vezes em que motiva a plateia a marcar o ritmo das músicas com palmas (gesto excessivo e, no caso, dispensável), Filipe Catto deixa a certeza do tamanho de seu coração e de sua ambição no mercado da música. Do início ao fim, com O segundo sol (Nando Reis, 1999) girando na mesma pose do primeiro número, com o cantor sentado de costas para a plateia, o balde jamais é chutado enquanto Filipe Catto reaviva o repertório de Cássia Eller com o coração na batida do mainstream.
Na foto exposta na contracapa de seu primeiro álbum, lançado em 1990, Cássia Eller (1962 - 2001) chuta literalmente o balde. Ao longo de seus breves 11 anos de carreira fonográfica, a cantora carioca chutaria metaforicamente esse balde, mesmo quando enquadrada em moldura mais pop pelo mercado da música, a partir de seu terceiro álbum, o Cássia Eller de 1994. Tais chutes eram observados no peso dos arranjos de seus shows - sobretudo no que resultou no CD Veneno vivo (1998) - e na postura irreverente da artista em cena. Mesmo que nunca mais tenha transitado inteiramente pela margem, como em seus dois primeiros discos, Cássia soube se desviar dos vícios e caminhos mais fáceis do mercado pela atitude e pelo sentido que deu a um repertório que ensinou Filipe Catto a ser intérprete - como o cantor gaúcho confidenciou ao público que foi assistir ao seu show Filipe Catto canta Cássia Eller, apresentado com lotação esgotada de 4 a 6 a junho de 2014 no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo (SP). "O coração do intérprete não tem tamanho", filosofou o cantor após revelar a influência que o repertório de Cássia teve em sua formação musical. Cantor de voz farta e forte, Filipe Catto nunca chutou o balde. Flerta eventualmente com o universo indie, mas mira sobretudo o mainstream, com gana de sucesso e popularidade. Ao cantar Cássia, Catto faz seu coração bater do tamanho do mainstream neste show que comprova sua força cênica, sua empatia com o público já conquistado e a habilidade vocal para interpretar de forma convincente um repertório que irmana músicas de compositores tão díspares quanto Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Cazuza (1958 - 1990), Itamar Assumpção (1949 - 2003), Luís Capucho, Luiz Melodia, Nando Reis, Renato Russo, Riachão e Rita Lee. Ao contrário do que afirma na música de Péricles Cavalcanti gravada pela cantora em 1998, Filipe Catto não queria ser Cássia Eller. Filipe Catto quer ser - e já conseguiu ser - Filipe Catto, cantor vocacionado para o jogo de cena. Com um pé no kitsch e outro no indie, mas com os dois olhos focados no sucesso de massa, Catto arma o jogo e a cena - sob a direção de Ricky Scaff - já no primeiro número, Eu queria ser Cássia Eller (Péricles Cavalcanti, 1998), música que canta sentado, de costas para a plateia, com touca que ajuda a montar o figurino da personagem rocker. O arranjo também cria o clima de um rock, mantido em E.C.T. (Nando Reis, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 1994). Os vídeos - que alcançam melhor resultado quando feitos com imagens abstratas - povoam e por vezes poluem a cena para Catto fazer cena. E ele faz, cantando Gatas extraordinárias (Caetano Veloso, 1999) com mais suingue do que ansiedade, esmaecendo Mapa do meu nada (Carlinhos Brown, 1999) e usando o corpo quando dá voz a Rubens (Mario Manga, 1986), personagem-título da música em que o compositor paulista Mario Manga retrata com ironia mordaz a paixão de dois rapazes às voltas com o tesão e a consciência de que um amor gay (ainda) pode suscitar comentários e preconceitos. Levado na pressão pelo toque firme da bateria de Peo Fiorin, Rubens é o primeiro grande momento do show, que preserva sua aura de sedução ao cair lento - no toque etéreo da guitarra de Fabá Jimenez - Na cadência do samba (Ataulfo Alves e Paulo Gesta, 1962). Gravado por Cássia no álbum de 1994 em que abriu janela para o pop, esse samba do mineiro Ataulfo Alves (1909 - 1969) prepara o clima para o número que emenda as canções Que o Deus venha (Roberto Frejat e Cazuza sobre Clarice Lispector, 1986) e Todo amor que houver nessa vida (Roberto Frejat e Cazuza, 1982) entre acordes distorcidos da guitarra de Fabá Jimenez, músico diante do qual Catto se ajoelha para cantar a balada Por enquanto (Renato Russo, 1985).
ResponderExcluirCom a voz que Deus lhe deu, Catto não chega a enlouquecer em Maluca (1995) - música de Luís Capucho, compositor capixaba criado em Niterói (RJ) que transita pelas margens - e a seduzir quando embarca em Sonhei que viajava com você (Itamar Assumpção, 1992), número ilustrado por (dispensável) vídeo com imagem do compositor paulista Itamar Assumpção (1949 - 2003). Entre um e outro número, a percussionista Lan Lan - convidada do show - entra em cena e, quando bate seu tambor em Eu sou neguinha? (Caetano Veloso, 1987), faz Catto baixar o santo ao fim desse número que reitera a sensação de que Catto comete excessos sem que tais excessos sejam pecado - no seu caso. Já Lan Lan peca pela falta - de viço na voz - quando faz dueto com Catto em Vá morar com o diabo, samba do compositor baiano Riachão que Cássia ajudou a popularizar. O brilho de Lan Lan reside no toque de seu tambor, mote de Nós (Tião Carvalho, 1988). Já Esse filme eu já vi (Luiz Melodia e Renato Piau, 1999) roda em cena com alguma psicodelia. É take marginal de roteiro que, no fim, volta a acenar explicitamente para o mainstream no set de baladas e hits que encerra o show. Antes, Smells like teen spirit (Dave Grohl, Krist Novoselic e Kurt Cobain, 1991) mostra que Catto nem sempre a personagem do roqueiro nem sempre cai bem no teatro de Catto - impressão reiterada por abordagem artificial de Luz del fuego (Rita Lee, 1975), rock que Cássia Eller gravou em 1998 no Acústico MTV de Rita Lee em dueto com a cantora e compositora paulista. Canção de Nando Reis, Luz dos meus olhos (2001) se acende com firmeza na voz de Catto, que brilha ao encarnar o romântico sofredor na balada Toda vez que eu digo adeus, versão de Carlos Rennó - gravada por Cássia em 2000 - para uma das canções mais lindas do compositor norte-americano Cole Porter (1891 - 1964), Ev'ry time we say goodbye (1944). É quando o intérprete se casa e se afina totalmente com a canção, gerando momento memorável, com aura de encantamento novamente alcançada, no bis, com interpretação irretocável de Non, je ne regrette rien (Charles Dumont e Michel Vaucaire, 1956), sucesso de Edith Piaf (1915 - 1963), cantora francesa que, como Catto, se excedia sem pecar por esse excesso. Com marcante intervenção da guitarra de Fabá Jimenez, destaque de banda que incluiu também o baixista Fábio Sá e o pianista Lucas Vargas (eventualmente no acordeom), Relicário (Nando Reis, 2001) é outro momento interessante do show em que Catto canta Cássia sem a atitude da cantora, mas com sua própria personalidade artística, teatral, por vezes over, mas de intensidade verdadeira. Nas muitas vezes em que motiva a plateia a marcar o ritmo das músicas com palmas (gesto excessivo e, no caso, dispensável), Filipe Catto deixa a certeza do tamanho de seu coração e de sua ambição no mercado da música. O balde jamais é chutado enquanto Filipe Catto canta o repertório de Cássia Eller.
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ResponderExcluirComo sempre, Mauro vai " direto ao assunto" (José Nêumane). Parabéns pela resenha do show. E viva Filipe Catto!
ResponderExcluirFilipe Catto em constante evolução.
ResponderExcluirOusado e talentoso, como poucos na música brasileira atual.
Falta ser descoberto pelo público da grande mídia, o que acredito acontecrá em breve.
Sou muito fã dele.
abração,
Denilson
Preciso ver Catto cantando "Rubens". Com o Premê eu acho muito gozação, com Cássia... bom, era genial, mas era uma mulher cantando. Será que com Catto a estorinha de amor ganha, finalmente, seu registro ideal?
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