Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Chico já tangencia o infinito ao chegar aos 70 anos com a obra glorificada

 Parafraseando versos de Tempo e artista, música lançada por Chico Buarque no álbum Paratodos (BMG-Ariola, 1993), o tempo é a grande estrela na festa dos 70 anos que o cantor, compositor e escritor carioca completa hoje, 19 de junho de 2014. Rei, o tempo obrou a arte de Chico - em foto de Daryan Dornelles - e modelou o artista ao seu feitio. Desse molde, resultou um dos cancioneiros mais belos e fortes da história da música brasileira. Obra que, nascida oficialmente em 1964, permanece incólume em seus 50 anos de vida. Dos sambas e canções dos anos 1960, impregnados de certo lirismo e de uma verve carioca que evocava Noel Rosa (1910 - 1937), Chico logo migrou para as canções mais combativas, já com o status de ter se tornado, a partir de 1968, parceiro do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994). Na década de 1970, sua música foi a flor que encarou os canhões reais e metafóricos da ditadura instaurada no Brasil desde 1964, tornando Chico um dos alvos preferenciais da censura que abafou, mas jamais calou, a MPB. Analisada com o benefício da perspectiva, a obra de Chico parece ter tido na resistência o motor de sua criação mais intensa. Como se fosse um ato político, essa obra também desafiou as leis e conceitos que delimitam territórios na criação musical pela natureza do sexo de cada compositor. Naquele tempo de guerra, Chico também foi a voz feminina que retratou grandezas e pormenores da alma da mulher em canções de natureza quase sempre dramática, vocacionadas para cantoras teatrais. Vestindo a pele do artista, o tempo também fez Chico experimentar um tempo de delicadeza e serenidade quando cessou a censura oficial. A partir de 1987, ano do álbum Francisco, sua discografia ficou mais espaçada. Músicas e discos de menor empatia popular embutiram requinte crescente na construção da obra. Em fina sintonia com seu renovado tempo, o artista buscou trilhar caminhos harmônicos menos previsíveis, burilando cada vez mais a arquitetura da palavra. Palavra nem sempre acompanhada de melodia. Entre um disco e outro, o romancista tomou a cena, escrevendo livros analisados com  reverência e boa vontade entre os críticos da área por ser o autor quem é. Com seu lápis impreciso, o tempo também pôs rugas ao redor da boca e de todo rosto do artista, mas não lhe arrebatou a garganta - e aí é preciso contrariar os versos da música de 1993. Quando o velho cantor sobe ao palco, o tempo canta. Mas a voz, mesmo com viço irregular, sinaliza que o artista depurou a arte de interpretar a própria obra. Obra que, como o tempo, alcança a glória na era dos 70 anos do autor. Mesmo sob ataques disparados pelo céu de estrelas efêmeras das redes sociais, Chico Buarque de Hollanda já tangencia o infinito alcançado - com a benção do tempo - somente pelos raros gênios da Arte.


Tempo e artista
(Chico Buarque, 1993)


Imagino o artista num anfiteatro
Onde o tempo é a grande estrela
Vejo o tempo obrar a sua arte
Tendo o mesmo artista como tela

Modelando o artista ao seu feitio 
O tempo, com seu lápis impreciso 
Põe-lhe rugas ao redor da boca 
Como contrapesos de um sorriso 

Já vestindo a pele do artista 
O tempo arrebata-lhe a garganta 
O velho cantor subindo ao palco 
Apenas abre a voz, e o tempo canta 

Dança o tempo sem cessar, montando 
O dorso do exausto bailarino 
Trêmulo, o ator recita um drama 
Que ainda está por ser escrito 

No anfiteatro, sob o céu de estrelas 
Um concerto eu imagino 
Onde, num relance, o tempo alcance a glória 
E o artista, o infinito

13 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Parafraseando versos de Tempo e artista, música lançada por Chico Buarque no álbum Paratodos (BMG-Ariola, 1993), o tempo é a grande estrela na festa dos 70 anos que o cantor, compositor e escritor carioca completa hoje, 19 de junho de 2014. Rei, o tempo obrou a arte de Chico - em foto de Daryan Dornelles - e modelou o artista ao seu feitio. Desse molde, resultou um dos cancioneiros mais belos e fortes da história da música brasileira. Obra que, nascida oficialmente em 1964, permanece incólume em seus 50 anos de vida. Dos sambas e canções dos anos 1960, impregnados de certo lirismo e de uma verve carioca que evocava Noel Rosa (1910 - 1937), Chico logo migrou para as canções mais combativas, já com o status de ter se tornado, a partir de 1968, parceiro do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994). Na década de 1970, sua música foi a flor que encarou os canhões reais e metafóricos da ditadura instaurada no Brasil desde 1964, tornando Chico um dos alvos preferenciais da censura que abafou, mas jamais calou, a MPB. Analisada com o benefício da perspectiva, a obra de Chico parece ter tido na resistência o motor de sua criação mais intensa. Como se fosse um ato político, essa obra também desafiou as leis e conceitos que delimitam territórios na criação musical pela natureza do sexo de cada compositor. Naquele tempo de guerra, Chico também foi a voz feminina que retratou grandezas e pormenores da alma da mulher em canções de natureza quase sempre dramática, vocacionadas para cantoras teatrais. Vestindo a pele do artista, o tempo também fez Chico experimentar um tempo de delicadeza e serenidade quando cessou a censura oficial. A partir de 1987, ano do álbum Francisco, sua discografia ficou mais espaçada. Músicas e discos de menor empatia popular embutiram requinte crescente na construção da obra. Em fina sintonia com seu renovado tempo, o artista buscou trilhar caminhos harmônicos menos previsíveis, burilando cada vez mais a arquitetura da palavra. Palavra nem sempre acompanhada de melodia. Entre um disco e outro, o romancista tomou a cena, escrevendo livros analisados com reverência e boa vontade entre os críticos da área por ser o autor quem é. Com seu lápis impreciso, o tempo também pôs rugas ao redor da boca e de todo rosto do artista, mas não lhe arrebatou a garganta - e aí é preciso contrariar os versos da música de 1993. Quando o velho cantor sobe ao palco, o tempo canta. Mas a voz, mesmo com viço irregular, sinaliza que o artista depurou a arte de interpretar a própria obra. Obra que, como o tempo, alcança a glória na era dos 70 anos do autor. Mesmo sob ataques disparados pelo céu de estrelas efêmeras das redes sociais, Chico Buarque de Hollanda já tangencia o infinito alcançado - com a benção do tempo - somente pelos raros gênios da Arte.

Victor Moraes, disse...

Realmente o tempo não arrebatou sua garganta, nem seu charme. Tampouco talento.

Um imortal. Sem sobra de dúvidas.
Se Roberto é Rei, Chico é DEUS.

Maria disse...

Difícil é escolher uma música preferida do gênio.
Se fosse falar de uma dos últimos anos fechava com Futuros Amantes sem pensar.
"Amores serão sempre amáveis" minha frase predileta da canção.
Viva Chico Buarque!

Ju Oliveira disse...

Belo texto, Mauro! Parabéns ao grande Chico Buarque! Ninguém chega perto...

Ju Oliveira disse...

Belo texto, Mauro! Parabéns ao grande Chico Buarque! Ninguém chega perto...

Unknown disse...

êee Chico! Parabéns! Gosto muito dos seus discos, principalmente o de 1978 e Meus Caros Amigos de 1976 :)

Felipe dos Santos disse...

Curioso: a obra perene do dito cujo não me toca. Indiretamente, com cantoras(es), até a admiro. Mas na interpretação própria, não sinto a alma revirar.

E é preciso que se diga: se são "efêmeras", as mídias sociais que atacam Chico trazem, sim, algumas pérolas de ponderações sérias no meio do mar de ataques virulentos. Como o fato de suas posturas - e o modo como as defende - serem cada vez mais antipáticos, na minha opinião.

Mas é justo dizer: um dos grandes méritos de Chico se deu nos duros anos 1970. Ele teve a sabedoria de não se deixar virar apenas um sujeito que "só fazia música de protesto". E soube se preservar naquele momento, para não virar um militante besta que sai repetindo palavras de ordem sem nem saber o que significam.

Tanto é que, depois de "Sinal fechado" (já, em si, um disco que mostrava como a barra estava pesada), o dito cujo sacou que não podia virar apenas um símbolo da resistência. Recolheu-se, fez "Fazenda Modelo" e acrescentou a Ana Maria Bahiana: "Dizer que não faço mais música por causa da censura não é verdade, isso seria um álibi muito perigoso".

Tanto não era verdade que depois ele saiu com a belezura de disco que é "Meus caros amigos". Tanto não é verdade, que ele raras vezes teve postura pública de militante depois - só em 1978, na candidatura de Fernando Henrique ao Senado por São Paulo, nas Diretas e nas candidaturas de Lula em 1989 e 2002. E tanto não é verdade, que ele segue por aí, tendo obra menos datada que a de Gonzaguinha, por exemplo.

Merece os parabéns, o filho de seu Sérgio e dona Maria Amélia - ê, família abençoada!

Termino com o meu "Top 10":

- "Cordão"
- "Construção"
- "Meu caro amigo"
- "Olhos nos olhos"
- "Corrente"
- "Homenagem ao malandro"
- "Bye bye Brasil"
- "A voz do dono e o dono da voz"
- "Paratodos"
- "Carioca"

Felipe dos Santos Souza

Unknown disse...

Meu disco preferido do Chico é "Vida", de 1980.

anônimo disse...

Meu compositor preferido, meu muso inspirador, uma música para vários momentos de minha vida!!! Enfim... Chico obrigada!!!! por me inserir na MPB e me apresentar sempre música com boa qualidade....

paulo sergio disse...

Nos últimos quarenta anos, ouço dois ou três discos do Chico, todos os dias.
É a trilha sonora da própria musicalidade.

ZHenrique Miranda disse...

A fase que mais gosto do Chico são os primeiros discos, os Volumes 1,2,3 e 4.
Mas, claro, várias pérolas foram criadas depois.
Já o último disco que gosto dele é o Paratodos.
Enfim, para além de gostos pessoais:
Fume, beba e cheire Chico Buarque, sua alma agradecerá.
E até seu corpo.

Unknown disse...

Victor Moraes, todos aqui estamos celebrando com uma boa energia o Chico e você vem com essas comparações ofensivas e desnecessárias ? Pra que isso cara ? O chico adora o Roberto e o Roberto adora o Chico, são músicos e cantores diferentes, porém contribuindo para o mesmo ofício: a música. Cada um com a sua beleza! Como diria o grande e homenagiado Chico Buarque de Hollanda: ...Vamos homenagear, todo aquele que nos empresta sua festa ..construindo coisas para se cantar...Viva aquele que se presta a esta ocupação...Salve o compositor popular.(Trecho de "Festa Imodesta"), música que eu adoro do disco "Sinal Fechado" de 1974.

ADEMAR AMANCIO disse...

Felipe dos Santos precisa se definir melhor,gostas ou não gostas?O Chico Buarque cantor,consegue ser agradável,mesmo com sua voz chinfrim.Quando compõe na primeira pessoa do feminino,eu como homossexual fico instigado.