Título: De normal bastam os outros
Artista: Maria Alcina (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 10 de junho de 2014
Cotação: * * * *
O fogo da morena Maria Alcina no palco do Theatro Net Rio foi tanto que, aos poucos, a cantora mineira esquentou o público que assistiu à estreia carioca de seu arretado show De normal bastam os outros em 10 de junho de 2014. Os grooves contemporâneos reproduzidos pela banda - com base na direção musical dada pelo (ausente) guitarrista Rovilson Pascoal ao disco homônimo do show - criaram um som dançante que pedia uma pista para o público tirar mais proveito da apresentação. Só que ela - a cantora - é Alcina. Uma sapeca, uma moleca, uma menina de 65 anos que driblou as adversidades - como o cancelamento da anunciada participação de Ney Matogrosso horas antes da apresentação (por conta de resistente rouquidão que abafou a voz do cantor) - e ganhou a plateia, fazendo jus aos versos de Zeca Baleiro em Eu sou Alcina (2014), música que abriu o show assim como abre o disco De normal bastam os outros (Nova Estação, 2014), produzido por Thiago Marques Luiz. Alcina sempre foi Alcina. Tanto que lançou álbuns arrojados como Agora (Outros Discos, 2003 - com o grupo Bojo) e Maria Alcina, confete e serpentina (Outros Discos, 2009). Contudo, nenhum deles teve a força do atual De normal bastam os outros, álbum que revigorou a carreira da artista e a recolocou na pista - e na mídia - com mix azeitado de regravações sagazes e inéditas de nomes da cena pop contemporânea (como Arnaldo Antunes, Karina Buhr e o já mencionado Zeca Baleiro) - tudo envolvido em sonoridade moderna que, na medida certa, combina arrojo sem deixar de ser popular. O show é fiel à estética do disco, soando contemporâneo, mas não hermético. Alcina, afinal, joga para a galera desde que surgiu em 1972 com a bela defesa de Fio maravilha (Jorge Ben Jor, 1972) - lance genial do craque Zé Pretinho - no campo de batalha do VII e último Festival Internacional da Canção (FIC). Fio maravilha, claro, está no roteiro do show, com suingue, cacos, divisões novas e a certeza de que Alcina não está apegada ao passado no show De normal bastam os outros. Em sua maioria, as músicas do disco são inéditas em sua voz - caso de O chefão (João Bosco e Aldir Blanc, 1974), que impõe em cena toda sua força metafórica, mesmo com a ausência sentida do trompete de Guizado, convidado da gravação. Aliás, músicas como De normal bastam os outros (2014) - a inédita de Arnaldo Antunes que batiza disco e show - e Sem vergonha (Jorge Ben Jor, 1992) ganham vida e suingue no show. Assim como Nhém nhém nhém (Totonho, 2001), com seus ecos de Lenine e Zé Ramalho. Degustada no Rio com a adesão de sua compositora Karina Buhr, convidada extraoficial da apresentação carioca, Cocadinha de sal (2014) é enredada na segunda parte pela trama dos tambores da percussionista Michele Abu, evocando sons do Recife e arredores. A partir do carimbó Fogo da morena (Felipe Cordeiro, 2014), linkado espertamente com Bacurinha (tradicional tema sacana gravado por Alcina em compacto de 1980), o show tem elevadas a temperatura e a empatia popular. É quando a sapeca cantora repõe em cena, com histrionismo e boa dose de eletrônica, músicas de clima forrozeiro e de duplo sentido - gênero abraçado pela artista nos anos 1980, década do sucesso Prenda o Tadeu (Antônio Sima e Clemilda, 1985), alocado no roteiro ao lado de Concurso de bichos (2014), a inédita fornecida por Anastácia (com a parceira Liane) para o CD De normal bastam os outros. Ao fim de Concurso de bichos, a banda esboça batidão típico do funk carioca para Alcina saudar as cachorras dos bailes da pesada. Na sequência, Bigorrilho (Paquito, Sebastião Gomes e Romeu Gentil, 1964) - samba-coco que fez sucesso na voz do cantor carioca Jorge Veiga (1910 - 1979) - mantém o tom arretado, com Alcina usando e abusando do corpo em coreografias que tangenciam o exagero. No fim, as marchas Dionísio, Deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013) e Alô, alô (André Filho, 1934) carnavalizam a apresentação, preparando o clima para o bis em que Alcina cai no samba e na farra com Karina Buhr ao reviver seu sucesso Kid Cavaquinho (João Bosco e Aldir Blanc, 1974). Altiva, montada com figurino em sintonia com sua figura espevitada, Alcina mostra no show De normal bastam os outros - assim como no CD homônimo - que a alegria é sua sina. Aos 65 anos, Maria Alcina é uma menina em cena.
6 comentários:
O fogo da morena Maria Alcina no palco do Theatro Net Rio foi tanto que, aos poucos, a cantora mineira esquentou o público que assistiu à estreia carioca de seu arretado show De normal bastam os outros em 10 de junho de 2014. Os grooves contemporâneos reproduzidos pela banda - com base na direção musical dada pelo (ausente) guitarrista Rovilson Pascoal ao disco homônimo do show - criaram um som dançante que pedia uma pista para o público tirar mais proveito da apresentação. Só que ela - a cantora - é Alcina. Uma sapeca, uma moleca, uma menina de 65 anos que driblou as adversidades - como o cancelamento da anunciada participação de Ney Matogrosso horas antes da apresentação (por conta de resistente rouquidão que abafou a voz do cantor) - e ganhou a plateia, fazendo jus aos versos de Zeca Baleiro em Eu sou Alcina (2014), música que abriu o show assim como abre o disco De normal bastam os outros (Nova Estação, 2014), produzido por Thiago Marques Luiz. Alcina sempre foi Alcina. Tanto que lançou álbuns arrojados como Agora (Outros Discos, 2003 - com o grupo Bojo) e Maria Alcina, confete e serpentina (Outros Discos, 2009). Contudo, nenhum deles teve a força do atual De normal bastam os outros, álbum que revigorou a carreira da artista e a recolocou na pista - e na mídia - com mix azeitado de regravações sagazes e inéditas de nomes da cena pop contemporânea (como Arnaldo Antunes, Karina Buhr e o já mencionado Zeca Baleiro) - tudo envolvido em sonoridade moderna que, na medida certa, combina arrojo sem deixar de ser popular. O show é fiel à estética do disco, soando contemporâneo, mas não hermético. Alcina, afinal, joga para a galera desde que surgiu em 1972 com a bela defesa de Fio maravilha (Jorge Ben Jor, 1972) - lance genial do craque Zé Pretinho - no campo de batalha do VII e último Festival Internacional da Canção (FIC). Fio maravilha, claro, está no roteiro do show, com suingue, cacos, divisões novas e a certeza de que Alcina não está apegada ao passado no show De normal bastam os outros. Em sua maioria, as músicas do disco são inéditas em sua voz - caso de O chefão (João Bosco e Aldir Blanc, 1974), que impõe em cena toda sua força metafórica, mesmo com a ausência sentida do trompete de Guizado, convidado da gravação.
Aliás, músicas como De normal bastam os outros (2014) - a inédita de Arnaldo Antunes que batiza disco e show - e Sem vergonha (Jorge Ben Jor, 1992) ganham vida e suingue no show. Assim como Nhém nhém nhém (Totonho, 2001), com seus ecos de Lenine e Zé Ramalho. Degustada no Rio com a adesão de sua compositora Karina Buhr, convidada extraoficial da apresentação carioca, Cocadinha de sal (2014) é enredada na segunda parte pela trama dos tambores da percussionista Michele Abu, evocando sons do Recife e arredores. A partir do carimbó Fogo da morena (Felipe Cordeiro, 2014), linkado espertamente com Bacurinha (tradicional tema sacana gravado por Alcina em compacto de 1980), o show tem elevadas a temperatura e a empatia popular. É quando a sapeca cantora repõe em cena, com histrionismo e boa dose de eletrônica, músicas de clima forrozeiro e de duplo sentido - gênero abraçado pela artista nos anos 1980, década do sucesso Prenda o Tadeu (Antônio Sima e Clemilda, 1985), alocado no roteiro ao lado de Concurso de bichos (2014), a inédita fornecida por Anastácia (com a parceira Liane) para o CD De normal bastam os outros. Ao fim de Concurso de bichos, a banda esboça batidão típico do funk carioca para Alcina saudar as cachorras dos bailes da pesada. Na sequência, Bigorrilho (Paquito, Sebastião Gomes e Romeu Gentil, 1964) - samba-coco que fez sucesso na voz do cantor carioca Jorge Veiga (1910 - 1979) - mantém o tom arretado, com Alcina usando e abusando do corpo em coreografias que tangenciam o exagero. No fim, as marchas Dionísio, Deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013) e Alô, alô (André Filho, 1934) carnavalizam a apresentação, preparando o clima para o bis em que Alcina cai no samba e na farra com Karina Buhr ao reviver seu sucesso Kid Cavaquinho (João Bosco e Aldir Blanc, 1974). Altiva, montada com figurino em sintonia com sua figura espevitada, Alcina mostra no show De normal bastam os outros - assim como no CD homônimo - que a alegria é sua sina. Aos 65 anos, Maria Alcina é uma menina em cena.
Seu comentário é uma maravilha, assim com é Alcina. Tive o privilégio de estar presente nesta noite memorável e tudo foi dionisíaco, como é próprio do astral desta talentósíssima artista. Realmente ela provou que é sem vergonha(de ser fabulosa e carnavalizante) ao provocar a platéia a chamá-la, repetidas vezes, de SEM VERGONHA. Uma delícia.Há momentos em que ela. literalmente, alucina, no melhor sentido artístico ou lúdico. A voz continua trovejante, poderosa e afinadíssima. Diria até que está melhor. O que também chamou atenção do grupo que estava comigo é que ela é a única cantora que conhecemos que dança, canta, rebola, pula, roda o tempo todo(não teve truque de cantar música lenta ou romântica ou de ficar sentada, etc.)e nem bebe água.E, com esta gloriosa idade, a voz não fica cansada.Como pode? Só pode ser um fenômeno. No facebook dela sempre faço comentários, com o codinome Marino Monti, e repito: Carmem Miranda, Josephine Bakeer e Maria Alcina, são as mais singulares e emblemáticas cantoras de que tenho notícia. O cd é maravilhoso e o show mais ainda;IMPERDÍVEIS.
Seu comentário é uma maravilha, assim com é Alcina. Tive o privilégio de estar presente nesta noite memorável e tudo foi dionisíaco, como é próprio do astral desta talentósíssima artista. Realmente ela provou que é sem vergonha(de ser fabulosa e carnavalizante) ao provocar a platéia a chamá-la, repetidas vezes, de SEM VERGONHA. Uma delícia.Há momentos em que ela. literalmente, alucina, no melhor sentido artístico ou lúdico. A voz continua trovejante, poderosa e afinadíssima. Diria até que está melhor. O que também chamou atenção do grupo que estava comigo é que ela é a única cantora que conhecemos que dança, canta, rebola, pula, roda o tempo todo(não teve truque de cantar música lenta ou romântica ou de ficar sentada, etc.)e nem bebe água.E, com esta gloriosa idade, a voz não fica cansada.Como pode? Só pode ser um fenômeno. No facebook dela sempre faço comentários, com o codinome Marino Monti, e repito: Carmem Miranda, Josephine Bakeer e Maria Alcina, são as mais singulares e emblemáticas cantoras de que tenho notícia.O CD e o show são imperdíveis.
Adoro o título.
Postar um comentário