Título: Ópera do malandro
Autor: Chico Buarque (com inspiração em textos de John Gay, Bertolt Bretch e Kurt Weill)
Direção e adaptação: João Falcão
Direção musical e arranjos: Beto Lemos
Elenco: Moyseis Marques, Fábio Enriquez, Ricca Barros, Adrén Alves, Alfredo Del Penho,
Léo Bahia, Larissa Luz, Eduardo Landim, Renato Luciano, Eduardo Rios, Bruce de
Araújo, Davi Guilherme, Thomás Aquino e Rafael Cavalcanti
Foto: Leo Aversa
Cotação: * * * 1/2
Espetáculo visto na pré-estreia de 17 de julho no Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Estreia prevista para 8 de agosto de 2014 no Theatro Net Rio, no Rio de Janeiro (RJ)
É sintomático que - na pré-estreia de 17 de julho de 2014 - os primeiros aplausos realmente entusiásticos para um número musical da atual remontagem da Ópera do malandro tenham sido ouvidos quase ao fim do segundo ato, quando Eduardo Landim faz hipnótica interpretação de Geni e o Zepelim, arrebatando a plateia. Mais do que na espetacular trilha sonora, já merecedora de registros consagradores por cantoras como Elba Ramalho e Maria Bethânia, a força da atual encenação do musical de Chico Buarque reside no próprio texto escrito pelo cantor, compositor e dramaturgo carioca com base na Ópera dos mendigos (John Gay, 1728) e na Ópera de três vinténs (Bertolt Brecht e Kurt Weill, 1928). Decorridos 36 anos da estreia da Ópera do malandro, apresentada pela primeira vez em palcos nacionais em julho de 1978, o texto de Chico - ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1940 em decadente cenário povoado por malandros, cafetões, prostitutas e policiais corruptos - ainda continua íntegro, fluente, envolvente e tristemente atual em país que parece ter vocação para ser transformado em puteiro. A encenação do dramaturgo e diretor pernambucano João Falcão utiliza o elenco da vitoriosa montagem do feliz musical Gonzagão - A lenda (2012), reunindo a trupe agora oficialmente agregada na companhia intitulada Barca dos Corações Partidos. Ao escalar homens para os papéis femininos e uma mulher (Larissa Luz, luminosa em cena) no papel de João Alegre, espécie de mestre-sala narrador do enredo que se carnavaliza ao fim, Falcão correu risco de dar involuntário traço caricatural às personagens. Felizmente, o musical se desvia do tom grotesco - mérito tanto do diretor quanto do elenco entrosado e harmonioso - nessa encenação que valoriza o texto. A escalação do cantor e compositor mineiro (de vivência carioca) Moyseis Marques para personificar o malandro protagonista Max Overseas é que se revelou arriscada. Estreante no papel de ator, Marques não chega a comprometer o resultado do musical e apresenta boa composição visual do malandro contrabandista, mas, com o decorrer da temporada (prevista para estrear em 8 de agosto no Theatro Net Rio), vai precisar adquirir mais segurança com o texto e, sobretudo, explorar mais os matizes das falas de sua personagem, ditas por vezes em tom uniforme e mecânico. Do elenco da Barca, Ricca Barros e Adrén Alves se destacam no papel do casal Duran e Vitória. Sem inventar moda para descarcterizar as músicas de Chico Buarque, dentre as quais figuram vários standards do cancioneiro do compositor, o diretor musical Beto Lemos cumpre bem seu papel ao orquestrar a banda ouvida já quando a prostituta Fichinha (Renato Luciano) entoa o bolero Folhetim. Mas Lemos tampouco trata o repertório com excessiva reverência. Solo da homônima personagem encarnada por Fábio Enriquez, a canção Terezinha brilha ao ser ambientada em arranjo climático calcado no toque de uma guitarra. O roteiro musical incorpora à trilha sonora músicas compostas por Chico para a versão cinematográfica da Ópera do malandro, filmada sob a direção de Ruy Guerra - parceiro de Chico na criação da trilha sonora da censurada peça Calabar (1973) - e estreada em 1985. Entram em cena Sentimental, O último blues - perfeita para realçar o clima de sedução entre Max e Terezinha - e Palavra de mulher, ouvida em tons dramáticos na voz de Léo Bahia, intérprete de Lúcia, em relevante número musical. Mesmo que os cantores sejam falsos, não importa: as canções são bonitas e as atuações soam integradas, alinhadas com o corpo do espetáculo ambientado em imponente e funcional estrutura metálica (significativa contribuição da cenógrafa Aurora dos Campos) que permite criar ou sugerir diversos cenários. Orquestrado por Falcão, esse afinado elenco - que expõe em cena a homogeneidade esperada de uma companhia de teatro - dá sentido a um texto que resulta contundente no primeiro ato e que se agiganta no segundo, mais compacto e sedutor. Inerentes ao mundo capitalista, as questões sociais e políticas suscitadas pelo texto ganham mais força nesse segundo ato pela sintonia com a história recente do Brasil, marcada por manifestações sociais como a que está entranhada na ação do segundo ato, mote do desfecho carnavalizante. Enfim, em produção erguida por Andréa Alves dentro das comemorações dos 70 anos de Chico Buarque, a Ópera do malandro está na praça outra vez, lembrando que, mesmo antes de se dedicar com mais regularidade ao ofício literário, o compositor de canções teatrais como O meu amor já era dramaturgo de dimensão compatível com a sua obra musical.
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É sintomático que - na pré-estreia de 17 de julho de 2014 - os primeiros aplausos realmente entusiásticos para um número musical da atual remontagem da Ópera do malandro tenham sido ouvidos quase ao fim do segundo ato, quando Eduardo Landim faz hipnótica interpretação de Geni e o Zepelim, arrebatando a plateia. Mais do que na espetacular trilha sonora, já merecedora de registros consagradores por cantoras como Elba Ramalho e Maria Bethânia, a força da atual encenação do musical de Chico Buarque reside no próprio texto escrito pelo cantor, compositor e dramaturgo carioca com base na Ópera dos mendigos (John Gay, 1728) e na Ópera de três vinténs (Bertolt Brecht e Kurt Weill, 1928). Decorridos 36 anos da estreia da Ópera do malandro, apresentada pela primeira vez em palcos nacionais em julho de 1978, o texto de Chico - ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1940 em decadente cenário povoado por malandros, cafetões, prostitutas e policiais corruptos - ainda continua íntegro, fluente, envolvente e tristemente atual em país que parece ter vocação para ser transformado em puteiro. A encenação do dramaturgo e diretor pernambucano João Falcão utiliza o elenco da vitoriosa montagem do feliz musical Gonzagão - A lenda (2012), reunindo a trupe agora oficialmente agregada na companhia intitulada Barca dos Corações Partidos. Ao escalar homens para os papéis femininos e uma mulher (Larissa Luz, luminosa em cena) no papel de João Alegre, espécie de mestre-sala narrador do enredo que se carnavaliza ao fim, Falcão correu risco de dar involuntário traço caricatural às personagens. Felizmente, o musical se desvia do tom grotesco - mérito tanto do diretor quanto do elenco entrosado e harmonioso - nessa encenação que valoriza o texto. A escalação do cantor e compositor mineiro (de vivência carioca) Moyseis Marques para personificar o malandro protagonista Max Overseas é que se revelou arriscada. Estreante no papel de ator, Marques não chega a comprometer o resultado do musical e apresenta boa composição visual do malandro contrabandista, mas, com o decorrer da temporada (prevista para estrear em 8 de agosto no Theatro Net Rio), vai precisar adquirir mais segurança com o texto e, sobretudo, explorar mais os matizes das falas de sua personagem, ditas por vezes em tom uniforme e mecânico. Do elenco da Barca, Ricca Barros e Adrén Alves se destacam no papel do casal Duran e Vitória.
Sem inventar moda para descarcterizar as músicas de Chico Buarque, dentre as quais figuram vários standards do cancioneiro do compositor, o diretor musical Beto Lemos cumpre bem seu papel ao orquestrar a banda ouvida já quando a prostituta Fichinha (Renato Luciano) entoa o bolero Folhetim. Mas Lemos tampouco trata o repertório com excessiva reverência. Solo da homônima personagem encarnada por Fábio Enriquez, a canção Terezinha brilha ao ser ambientada em arranjo climático calcado no toque de uma guitarra. O roteiro musical incorpora à trilha sonora músicas compostas por Chico para a versão cinematográfica da Ópera do malandro, filmada sob a direção de Ruy Guerra - parceiro de Chico na criação da trilha sonora da censurada peça Calabar (1973) - e estreada em 1985. Entram em cena Sentimental, O último blues - perfeita para realçar o clima de sedução entre Max e Terezinha - e Palavra de mulher, ouvida em tons dramáticos na voz de Léo Bahia, intérprete de Lúcia, em relevante número musical. Mesmo que os cantores sejam falsos, não importa: as canções são bonitas e as atuações soam integradas, alinhadas com o corpo do espetáculo ambientado em imponente e funcional estrutura metálica (significativa contribuição da cenógrafa Aurora dos Campos) que permite criar ou sugerir diversos cenários. Orquestrado por Falcão, esse afinado elenco - que expõe em cena a homogeneidade esperada de uma companhia de teatro - dá sentido a um texto que resulta contundente no primeiro ato e que se agiganta no segundo, mais compacto e sedutor. Inerentes ao mundo capitalista, as questões sociais e políticas suscitadas pelo texto ganham mais força nesse segundo ato pela sintonia com a história recente do Brasil, marcada por manifestações sociais como a que está entranhada na ação do segundo ato, mote do desfecho carnavalizante. Enfim, em produção erguida por Andréa Alves dentro das comemorações dos 70 anos de Chico Buarque, a Ópera do malandro está na praça outra vez, lembrando que, mesmo antes de se dedicar com mais regularidade ao ofício literário, o compositor de canções teatrais como O meu amor já era dramaturgo de dimensão compatível com a sua obra musical.
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