Resenha de show
Título: Linha de frente
Artista: Milton Nascimento e Criolo (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 12 de setembro de 2014
Cotação: * * *
Quando Criolo sola Morro velho (1967), uma das seminais obras-primas do cancioneiro inovador de Milton Nascimento, o show Linha de frente expõe a imensa distância que existe entre o rapper paulistano Kléber Cavalcante Gomes e o mais mineiro dos cantores e compositores cariocas, ícone da MPB surgida e cristalizada na era dos festivais dos anos 1960. Aos recém-completados 39 anos, Criolo vive ainda das glórias ocasionais conquistadas com um grande segundo álbum, Nó na orelha (Independente, 2011), que tirou o artista dos guetos do hip hop de São Paulo (SP) com azeitada mistura de rap, samba, bolero e soul. A caminho dos 72 anos, a serem completados em 26 de outubro de 2014, Milton vive das glórias eternas de obra já consolidada que abriu escaninhos na música brasileira e lhe deu projeção mundial com seu mix de sons das Geraes, Beatles, jazz e signos latino-americanos. Essa distância entre um e outro se amplia em cena quando Criolo - sem tarimba vocal para evidenciar no canto toda a beleza de uma música de forte significado social como Morro velho - exprime em Linha de frente toda sua gratidão por estar dividindo o palco, de igual para igual, com um gênio da MPB. O choro de Criolo no palco da casa Vivo Rio quando ouve Milton cantar parte de seu clássico Não existe amor em SP (Criolo, 2011) - em dueto que também jamais expõe toda a beleza do registro original da canção no álbum Nó na orelha - é indício de que o próprio rapper tem consciência de que ainda precisa caminhar léguas tiranas para chegar na linha de frente ocupada por seu parceiro de cena. E tome afagos e beijos em Milton para expressar a gratidão por estar ali, dividindo o palco com seu ídolo diante de um público que se contenta com a real - mas pequena - interação entre os artistas. Milton e Criolo ficam juntos quase todo o tempo do show, eventualmente dividindo o palco com a (boa) cantora fluminense Júlia Vargas, convidada habitual da turnê nacional que estreou em Belo Horizonte (MG) em 15 de junho de 2014 e chegou ao Rio de Janeiro (RJ) em 12 de setembro após ter tido apresentações em São Paulo (SP) interrompidas e canceladas por problemas de saúde de Milton. Só que o mergulho de Milton no cancioneiro de Criolo é raso. Sempre na superfície, Milton canta o refrão de Mariô (Criolo e Kiko Dinucci, 2011), dá voz a alguns versos do bolero kitsch Freguês da meia-noite - já abordado sem pudor por Ney Matogrosso no show Atento aos sinais (2013) - e, com Júlia Vargas, engrossa o coro do refrão de Bogotá (Criolo), solo do rapper. Já Criolo arrisca mais a imersão no universo da MPB de Milton, embora sua atuação vocal em músicas como O cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1976) seja bem discreta. A entrada em cena de Júlia Vargas, a partir de Cravo e canela (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971), ressalta a existência de vozes mais talhadas para encarar a interpretação de clássicos da MPB. Com sua voz grave, quente, a cantora fluminense deixa boa impressão em números como Me deixa em paz (Monsueto Menezes e Aírton Amorim, 1952), a ponto de ser o maior destaque do último número do bis, Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1977). Bem mais à vontade na abordagem de sua obra autoral, Criolo cai sozinho no samba Casa de mãe (Criolo, 2012) e tem seu melhor momento quando dá voz à letra que construiu sobre a melodia de Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), música cantada na sequência por Milton com os versos originais que a censura tentou calar. Já Milton se basta quando, munido da sanfoninha que ganhou da mãe aos seis anos de idade, toca e canta Ponta de areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974). Mesmo sem a potência dos áureos tempos vocais, Milton Nascimento continua - e lá vai permanecer sempre - na linha de frente da música brasileira, inclusive pela generosidade de dividir a cena em show afetuoso com um colega talentoso que ainda pavimenta a própria trilha.
Quando Criolo sola Morro velho (1967), uma das seminais obras-primas do cancioneiro inovador de Milton Nascimento, o show Linha de frente expõe a imensa distância que existe entre o rapper paulistano Kléber Cavalcante Gomes e o mais mineiro dos cantores e compositores cariocas, ícone da MPB surgida e cristalizada na era dos festivais dos anos 1960. Aos recém-completados 39 anos, Criolo vive ainda das glórias ocasionais conquistadas com um grande segundo álbum, Nó na orelha (Independente, 2011), que tirou o artista dos guetos do hip hop de São Paulo (SP) com azeitada mistura de rap, samba, bolero e soul. A caminho dos 72 anos, a serem completados em 26 de outubro de 2014, Milton vive das glórias eternas de obra já consolidada que abriu escaninhos na música brasileira e lhe deu projeção mundial com seu mix de sons das Geraes, Beatles, jazz e signos latino-americanos. Essa distância entre um e outro se amplia em cena quando Criolo - sem tarimba vocal para evidenciar no canto toda a beleza de uma música de forte significado social como Morro velho - exprime em Linha de frente toda sua gratidão por estar dividindo o palco, de igual para igual, com um gênio da MPB. O choro de Criolo no palco da casa Vivo Rio quando ouve Milton cantar parte de seu clássico Não existe amor em SP (Criolo, 2011) - em dueto que também jamais expõe toda a beleza do registro original da canção no álbum Nó na orelha - é indício de que o próprio rapper tem consciência de que ainda precisa caminhar léguas tiranas para chegar na linha de frente ocupada por seu parceiro de cena. E tome afagos e beijos em Milton para expressar a gratidão por estar ali, dividindo o palco com seu ídolo diante de um público que se contenta com a real - mas pequena - interação entre os artistas. Milton e Criolo ficam juntos quase todo o tempo do show, eventualmente dividindo o palco com a (boa) cantora fluminense Júlia Vargas, convidada habitual da turnê nacional que estreou em Belo Horizonte (MG) em 15 de junho de 2014 e chegou ao Rio de Janeiro (RJ) em 12 de setembro após ter tido apresentações em São Paulo (SP) interrompidas e canceladas por problemas de saúde de Milton. Só que o mergulho de Milton no cancioneiro de Criolo é raso. Sempre na superfície, Milton canta o refrão de Mariô (Criolo e Kiko Dinucci, 2011), dá voz a alguns versos do bolero kitsch Freguês da meia-noite - já abordado sem pudor por Ney Matogrosso no show Atento aos sinais (2013) - e, com Júlia Vargas, engrossa o coro do refrão de Bogotá (Criolo), solo do rapper. Já Criolo arrisca mais a imersão no universo da MPB de Milton, embora sua atuação vocal em músicas como O cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1976) seja bem discreta. A entrada em cena de Júlia Vargas, a partir de Cravo e canela (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971), ressalta a existência de vozes mais talhadas para encarar a interpretação de clássicos da MPB. Com sua voz grave, quente, a cantora fluminense deixa boa impressão em números como Me deixa em paz (Monsueto Menezes e Aírton Amorim, 1952), a ponto de ser o maior destaque do último número do bis, Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1977). Bem mais à vontade na abordagem de sua obra autoral, Criolo cai sozinho no samba Casa de mãe (Criolo, 2012) e tem seu melhor momento quando dá voz à letra que construiu sobre a melodia de Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), música cantada na sequência por Milton com os versos originais que a censura tentou calar. Já Milton se basta quando, munido da sanfoninha que ganhou da mãe aos seis anos de idade, toca e canta Ponta de areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974). Mesmo sem a potência dos áureos tempos vocais, Milton Nascimento continua - e lá vai permanecer sempre - na linha de frente da música brasileira, inclusive pela generosidade de dividir a cena em show afetuoso com um colega talentoso que ainda pavimenta a própria trilha.
ResponderExcluirmauro! que lindo texto! adoro quando vc expõe seu pensamento, seu gosto... aquele lá do íntimo mesmo. grata...
ResponderExcluirAcho bonito quando um artista chora de emoção por estar no palco com um de seus ídolos.
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