Título: Gilberto Gil & Gal Costa - Live in London '71
Artistas: Gal Costa & Gilberto Gil
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * * 1/2
O valor documental da edição do álbum duplo Gilberto Gil & Gal Costa - Live in London '71 paira acima de qualquer juízo sobre a qualidade técnica e musical da gravação ao vivo do show realizado pelos cantores baianos em 26 de novembro de 1971 no Student Centre da City University London, na Inglaterra. Afinal, como bem diz o pesquisador musical Marcelo Fróes no texto escrito para a contracapa do disco editado por seu selo Discobertas, o registro do show é capítulo inédito de história que já se pensava estar devidamente esmiuçada. Mas o fato é que, em 1998, Fróes encontrou a fita com a gravação - captada em estéreo, diretamente da mesa de som - do show feito por Gal e Gil em Londres durante o exílio de Gil na cidade que o acolheu juntamente com o amigo de fé Caetano Veloso. Voz dos exilados e da contracultura do Brasil naqueles anos de chumbo, Gal visitava ocasionalmente os amigos tirados à força de seu país natal. Foi nessas circunstâncias que fez com Gil esse show em que os dois artistas - Gil, sobretudo - exercitam sua liberdade musical de forma plena, longe dos olhos e dos ouvidos da censura do Brasil que, cega aos direitos humanos, calava vozes que se levantavam contra o regime militar instaurado à força no país em 1964. Relevante discoberta, o álbum duplo apresenta os 18 números do show com qualidade técnica satisfatória se levadas em conta a época e as circunstâncias da gravação. O CD 1 perpetua as nove músicas do set feito por Gal, com Gil ao violão e nos vocais. O CD 2 eterniza os outros nove números feitos por Gil com os músicos Bruce Henry (baixo), Chiquinho Azevedo (percussão) e Tutty Moreno (bateria), arregimentados para montar a banda que acompanhou o cantor no show estreado em Londres e posteriormente apresentado no Brasil, em 1972, na volta de Gil do exílio. O set de Gal com Gil é a parte mais interessante e sedutora do show. A rigor, dos nove números, sete faziam parte do show Fa-Tal - Gal a todo vapor, apresentado com retumbante sucesso pela cantora no Brasil naquele ano de 1971. Só que a presença de Gil altera a dinâmica da apresentação do repertório ao público londrino, beneficiada pelo "clima de informalidade" que ambientou e regeu o show - como ressalta Gil antes de Gal cantar Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971). Basta comparar os dois registros de Como dois e dois (Caetano Veloso, 1971) para perceber que tudo - a entonação, a divisão, a atmosfera - mudou na rota Rio de Janeiro -Londres. Nesse exercício de liberdade musical, Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) exala suingue insuspeito, Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967) ganha o sutil contracanto de Gil ao fim da canção de aura bossa-novista e Acauã (Zé Dantas, 1952) - música que Gal gravou no álbum Legal (Philips, 1970), mas que não incluiu no roteiro do show Fa-tal - voa alto com a fricção das vozes agudas de Gal e Gil em rota que culmina com uma jam. Estimulada pelo "clima de informalidade", Gal se confirma verdadeira grande cantora ao brincar com o ritmo do samba Falsa baiana (Geraldo Pereira, 1944) e ao cair frenética no frevo Chuva, suor e cerveja (Caetano Veloso, 1969). O violão percussivo de Gil e os vocais mastigados dos cantores em Sai do sereno (Onildo Almeida, 1965) - tema de clima forrozeiro que Gal nunca registrou em sua discografia oficial, mas que gravaria em dueto com Gil no álbum Expresso 2222 (Philips, 1972) - reiteram a fina sintonia entre os artistas, cúmplices na música e na ideologia. Já o set de Gil com sua banda londrina exercita ainda mais a liberdade de não se prender aos registros originais das músicas. Até porque, na ocasião desse show, algumas músicas - como Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972) e Oriente (Gilberto Gil, 1972) - ainda eram inéditas em disco e somente seriam gravadas na volta de Gil ao Brasil, no ano seguinte. Seja com músicas novas ou antigas, Gil entorta tudo, redesenhando com a banda a divisão e os contornos harmônicos de seu samba Aquele abraço (1979) e da seminal Procissão, (já oficializada) parceria com Edy Star, lançada em 1965. Com direito a improvisos, Gil e banda fazem jazz à moda brasileira. "That's it...", resume o cantor para a plateia, após os dez minutos de Brand new dream, a música autoral mais rara do set do cantor com o trio. Se os músicos exercitam a liberdade, o ouvinte precisa exercitar a paciência para compreender o jorro espontâneo de musicalidade que norteia registros longos como o de One o'clock last morning, 20th april, 1970, música gravada por Gil em seu disco londrino de 1971, o mesmo em que aborda Up from the skies (Jimi Hendrix, 1967), música também incluída no show. Enfim, por seu valor documental e musical, o CD duplo Gilberto Gil & Gal Costa - Live in London '71 é puro deleite para quem se interessa pela história da MPB, expondo ponto de convergência nas trajetórias de duas vozes que sempre pregaram a liberdade através do canto.
6 comentários:
O valor documental da edição do álbum duplo Gilberto Gil & Gal Costa - Live in London '71 paira acima de qualquer juízo sobre a qualidade técnica e musical da gravação ao vivo do show realizado pelos cantores baianos em 26 de novembro de 1971 no Student Centre da City University London, na Inglaterra. Afinal, como bem diz o pesquisador musical Marcelo Fróes no texto escrito para a contracapa do disco editado por seu selo Discobertas, o registro do show é capítulo inédito de história que já se pensava estar devidamente esmiuçada. Mas o fato é que, em 1998, Fróes encontrou a fita com a gravação - captada em estéreo, diretamente da mesa de som - do show feito por Gal e Gil em Londres durante o exílio de Gil na cidade que o acolheu juntamente com o amigo de fé Caetano Veloso. Voz dos exilados e da contracultura do Brasil naqueles anos de chumbo, Gal visitava ocasionalmente os amigos tirados à força de seu país natal. Foi nessas circunstâncias que fez com Gil esse show em que os dois artistas - Gil, sobretudo - exercitam sua liberdade musical de forma plena, longe dos olhos e dos ouvidos da censura do Brasil que, cega aos direitos humanos, calava vozes que se levantavam contra o regime militar instaurado à força no país em 1964. Relevante discoberta, o álbum duplo apresenta os 18 números do show com qualidade técnica satisfatória se levadas em conta a época e as circunstâncias da gravação. O CD 1 perpetua as nove músicas do set feito por Gal, com Gil ao violão e nos vocais. O CD 2 eterniza os outros nove números feitos por Gil com os músicos Bruce Henry (baixo), Chiquinho Azevedo (percussão) e Tutty Moreno (bateria), arregimentados para montar a banda que acompanhou o cantor no show estreado em Londres e posteriormente apresentado no Brasil, em 1972, na volta de Gil do exílio. O set de Gal com Gil é a parte mais interessante e sedutora do show. A rigor, dos nove números, sete faziam parte do show Fa-Tal - Gal a todo vapor, apresentado com retumbante sucesso pela cantora no Brasil naquele ano de 1971. Só que a presença de Gil altera a dinâmica da apresentação do repertório ao público londrino, beneficiada pelo "clima de informalidade" que ambientou e regeu o show - como ressalta Gil antes de Gal cantar Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971). Basta comparar os dois registros de Como dois e dois (Caetano Veloso, 1971) para perceber que tudo - a entonação, a divisão, a atmosfera - mudou na rota Rio de Janeiro -Londres. Nesse exercício de liberdade musical, Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) exala suingue insuspeito, Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967) ganha o sutil contracanto de Gil ao fim da canção de aura bossa-novista e Acauã (Zé Dantas, 1952) - música que Gal gravou no álbum Legal (Philips, 1970), mas que não incluiu no roteiro do show Fa-tal - voa alto com a fricção das vozes agudas de Gal e Gil em rota que culmina com uma jam.
Estimulada pelo "clima de informalidade", Gal se confirma verdadeira grande cantora ao brincar com o ritmo do samba Falsa baiana (Geraldo Pereira, 1944) e ao cair frenética no frevo Chuva, suor e cerveja (Caetano Veloso, 1969). O violão percussivo de Gil e os vocais mastigados dos cantores em Sai do sereno (Onildo Almeida, 1965) - tema de clima forrozeiro que Gal nunca registrou em sua discografia oficial - reiteram a fina sintonia entre os artistas, cúmplices na música e na ideologia. Já o set de Gil com sua banda londrina exercita ainda mais a liberdade de não se prender aos registros originais das músicas. Até porque, na ocasião do show, algumas músicas - como Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972) e Oriente (Gilberto Gil, 1972) - ainda eram inéditas em disco e somente seriam gravadas na volta de Gil ao Brasil, no ano seguinte. Seja com músicas novas ou antigas, Gil entorta tudo, redesenhando com a banda a divisão e os contornos harmônicos de seu samba Aquele abraço (1979) e da seminal Procissão, (já oficializada) parceria com Edy Star, lançada em 1967. Com direito a improvisos, Gil e banda fazem jazz à moda brasileira. "That's it...", resume o cantor para a plateia, após os dez minutos de Brand new dream, a música autoral mais rara do set do cantor com o trio. Se os músicos exercitam a liberdade, o ouvinte precisa exercitar a paciência para compreender o jorro espontâneo de musicalidade que norteia registros longos como o de One o'clock last morning, 20th april, 1970, música gravada por Gil em seu disco londrino de 1971, o mesmo em que aborda Up from the skies (Jimi Hendrix, 1967), música também incluída no show. Enfim, por seu valor documental e musical, o CD duplo Gilberto Gil & Gal Costa - Live in London '71 é puro deleite para quem se interessa pela história da MPB, expondo ponto de convergência nas trajetórias de duas vozes que sempre pregaram a liberdade através do canto.
"Sai Do Sereno" não está na discografia de Gal, mas foi gravada por ela com Gil no Expresso 2222.
E a Universal com sua frescura de não liberar o lançamento dos três shows da Gal que o Rodrigo Faour descobriu...
Douglas, as gravações ao vivo descobertas por Rodrigo Faour estão autorizadas por Gal. Dependem, para serem editadas, de questões jurídicas, pois envolvem vários músicos. Abs, MauroF
Comprei esse CD duplo principalmente por causa da Gal, mas infelizmente o Gil estraga o set dela com suas intervenções, o seu improviso e gritos. Uma pena não poder ouvir apenas a voz da Gal. Fiquei um tanto irritado que sequer cheguei a colocar o segundo CD para tocar. Hoje eu entendo porque o Gil não tem mais voz.
Ai, Fabio. Pois o que eu mais gosto no Gil é justamente o improviso. Adoro os miados! Aquele disco dele com o Jorge Ben, o 'Gil & Jorge: Ogum, Xangô', é uma belezura!
Abraços.
Ítalo Medeiros.
P.S.: você está corretíssimo no comentário sobre o desgaste da voz dele :~~
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