Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


domingo, 28 de setembro de 2014

Livro mostra a evolução das criaturas da noite carioca entre sons e tribos

Resenha do livro
Título: Rio cultura da noite - Uma história da noite carioca
Autores: Leo Feijó e Marcus Wagner
Editora: Casa da Palavra
Cotação: * * * *

Vocacionada para o posto de capital cultural do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro (RJ) sempre gerou trilhas sonoras fundamentais para a formação da personalidade musical do país. O mérito do ótimo livro Rio cultura da noite é traçar - com certo senso crítico - um painel histórico dos sons e tribos da noite do Rio ao longo dos últimos dois séculos. Tempo em que o Rio se urbanizou e se dividiu em tribos geralmente separadas por classes sociais. Os autores do livro, Leo Feijó e Marcus Wagner, são dois empresários com vocação para a boemia e para investir na cultura da noite - o que faz com que o livro apresente visão sem preconceito dessas tribos formadas por criaturas boêmias que prezam a noite (e que fazem e/ou ouvem a música propagada nessa noite). Noite que tem sua origem no Rio dos tempos imperiais. Aliás, o primeiro dos 11 capítulos de Rio cultura da noite tem importância documental porque, com base em pesquisa em jornais da época, Feijó e Wagner mostram como começou a se organizar uma cena noturna a partir da abertura de teatros, cafés-concerto e casas de chopps. De início, a noite do Rio seguiu o modelo europeu, mas logo ganhou ginga e som próprios. Sobretudo quando o samba ganhou vida e identidade a partir das rodas de batucada e capoeira armadas nos anos 1910 no centro da cidade, cuja noite começou a ficar efervescente - para os padrões da época - a partir dos anos 1920 com a abertura de cabarés (geralmente na Lapa, bairro boemio que volta a aparecer com força no fim do livro e do século XX), dancings e gafieiras. Através de suas 400 páginas, Rio cultura da noite lembra o apogeu dos cassinos - cujos palcos consagraram cantores até que o jogo foi proibido no Brasil em 1946 - e mostra como, a partir de 1946, a rota da boemia carioca se desviou progressivamente do centro do Rio para Copacabana, cenário de boates e cafés-soçaite que propagaram o samba-canção, a música dançante de instrumentistas como o pianista carioca Djalma Ferreira (1913 - 2004) e a bossa nova formatada por João Gilberto em 1958. Dessa cena e desse som, surgiria o sambalanço, trilha das boates dos anos 1960. Sempre seguindo a ordem cronológica dos fatos, os autores de Rio cultura da noite historiam o apogeu do ora revitalizado Beco das Garrafas (na segunda metade da década de 1960) e o surgimento dos bailes da pesada que deram fama, no Rio dos anos 1970, ao DJ paulista Newton Alvarenga Duarte (1943 - 1977) - o popular Big Boy - e que criaram a cena propícia para o Black Rio, movimento que ecoou na cidade o soul e o funk propagados nos Estados Unidos por cantores como James Brown (1933 - 2006). Vigorosa cena black que foi diluída (mas não extinta) pelo furacão da sedutora disco music, que arrastou tudo e todos na segunda metade dos anos 1970. Ao rememorar os dancin' days, os autores fazem justiça a Nelson Motta, compositor e jornalista que, na função de empresário, aboliu momentaneamente o preconceito de classe na noite carioca ao extinguir o couvert artístico e a consumação mínima para liberar a pista da pioneira Frenetic Dancin' Days - casa aberta por Motta em 1976 que serviu de plataforma para o lançamento do conjunto feminino As Frenéticas - para todos que se dispusessem a pagar o ingresso para soltar as feras na pista. Finda a era disco, surgiu nos anos 1980 a cena que o livro Rio cultura da noite rotula como new wave carioca. Foi a década das danceterias que tocavam o ensolarado rock ouvidos nas praias do Rio, mas também a década das boates de tom dark que serviram de laboratório para DJs que resistiriam às cenas e modismos da noite, como Felipe Venâncio e Zé Pedro. Vieram, então, os anos 1990, década em que boa parte das criaturas da noite aderiu às drogas e às músicas sintéticas nas raves. Nasceu a cultura clubber, que entrou pelos anos 2000 com festas temáticas atraentes sobretudo para o público GLS. E eis que, ao longo destes anos 2000, a Lapa retomou sua vocação boemia, revitalizada com a reabertura do Circo Voador (em 2004) e com as rodas de samba e choro armadas em bares e antiquários do bairro. É a cultura da noite do Rio, já pronta para ganhar novos capítulos neste livro convidativo a boemia.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Vocacionada para o posto de capital cultural do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro (RJ) sempre gerou trilhas sonoras fundamentais para a formação da personalidade musical do país. O mérito do ótimo livro Rio cultura da noite é traçar - com certo senso crítico - um painel histórico dos sons e tribos da noite do Rio ao longo dos últimos dois séculos. Tempo em que o Rio se urbanizou e se dividiu em tribos geralmente separadas por classes sociais. Os autores do livro, Leo Feijó e Marcus Wagner, são dois empresários com vocação para a boemia e para investir na cultura da noite - o que faz com que o livro apresente visão sem preconceito dessas tribos formadas por criaturas boêmias que prezam a noite (e que fazem e/ou ouvem a música propagada nessa noite). Noite que tem sua origem no Rio dos tempos imperiais. Aliás, o primeiro dos 11 capítulos de Rio cultura da noite tem importância documental porque, com base em pesquisa em jornais da época, Feijó e Wagner mostram como começou a se organizar uma cena noturna a partir da abertura de teatros, cafés-concerto e casas de chopps. De início, a noite do Rio seguiu o modelo europeu, mas logo ganhou ginga e som próprios. Sobretudo quando o samba ganhou vida e identidade a partir das rodas de batucada e capoeira armadas nos anos 1910 no centro da cidade, cuja noite começou a ficar efervescente - para os padrões da época - a partir dos anos 1920 com a abertura de cabarés (geralmente na Lapa, bairro boemio que volta a aparecer com força no fim do livro e do século XX), dancings e gafieiras. Através de suas 400 páginas, Rio cultura da noite lembra o apogeu dos cassinos - cujos palcos consagraram cantores até que o jogo foi proibido no Brasil em 1946 - e mostra como, a partir de 1946, a rota da boemia carioca se desviou progressivamente do centro do Rio para Copacabana, cenário de boates e cafés-soçaite que propagaram o samba-canção, a música dançante de instrumentistas como o pianista carioca Djalma Ferreira (1913 - 2004) e a bossa nova formatada por João Gilberto em 1958. Dessa cena e desse som, surgiria o sambalanço, trilha das boates dos anos 1960. Sempre seguindo a ordem cronológica dos fatos, os autores de Rio cultura da noite historiam o apogeu do ora revitalizado Beco das Garrafas (na segunda metade da década de 1960) e o surgimento dos bailes da pesada que deram fama, no Rio dos anos 1970, ao DJ paulista Newton Alvarenga Duarte (1943 - 1977) - o popular Big Boy - e que criaram a cena propícia para o Black Rio, movimento que ecoou na cidade o soul e o funk propagados nos Estados Unidos por cantores como James Brown (1933 - 2006). Vigorosa cena black que foi diluída (mas não extinta) pelo furacão da sedutora disco music, que arrastou tudo e todos na segunda metade dos anos 1970.

Mauro Ferreira disse...

Ao rememorar os dancin' days, os autores fazem justiça a Nelson Motta, compositor e jornalista que, na função de empresário, aboliu momentaneamente o preconceito de classe na noite carioca ao extinguir o couvert artístico e a consumação mínima para liberar a pista da pioneira Frenetic Dancin' Days - casa aberta por Motta em 1976 que serviu de plataforma para o lançamento do conjunto feminino As Frenéticas - para todos que se dispusessem a pagar o ingresso para soltar as feras na pista. Finda a era disco, surgiu nos anos 1980 a cena que o livro Rio cultura da noite rotula como new wave carioca. Foi a década das danceterias que tocavam o ensolarado rock ouvidos nas praias do Rio, mas também a década das boates de tom dark que serviram de laboratório para DJs que resistiriam às cenas e modismos da noite, como Felipe Venâncio e Zé Pedro. Vieram, então, os anos 1990, década em que boa parte das criaturas da noite aderiu às drogas e às músicas sintéticas nas raves. Nasceu a cultura clubber, que entrou pelos anos 2000 com festas temáticas atraentes sobretudo para o público GLS. E eis que, ao longo destes anos 2000, a Lapa retomou sua vocação boemia, revitalizada com a reabertura do Circo Voador (em 2004) e com as rodas de samba e choro armadas em bares e antiquários do bairro. É a cultura da noite do Rio, já pronta para ganhar novos capítulos neste livro convidativo a boemia.