Título: Comportamento geral - Canções da resistência
Artista: Marya Bravo
Gravadora: Joia Moderna
Cotação: * * * * 1/2
♪ As 13 músicas gravadas por Marya Bravo no politizado álbum Comportamento geral - Canções da resistência foram lançadas entre 1968 e 1978. Década que, no Brasil, compreendeu período de trevas, gritos engasgados, cortes e cicatrizes que ainda permanecem abertas nos corpos e mentes do que se engajaram na luta contra a ditadura instaurada no país com o golpe militar de 1º de abril de 1964. No disco, a ser lançado no fim deste mês pela gravadora Joia Moderna, a cantora carioca põe a voz potente - diplomada na escola dos musicais de teatro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) - a serviço dessas músicas criadas por compositores que não lavaram as mãos e, por isso mesmo, saíram limpos daqueles rebeldes anos de chumbo. Com a fúria do rock, Bravo desengasga gritos que pararam em gargantas privilegiadas como as de Elis Regina (1945 - 1982), Maria Bethânia e Milton Nascimento. A MPB dessa época ganha tom roqueiro, noise, neste disco gravado sob a direção musical e a produção do guitarrista Bruno Pederneiras. Pela própria natureza roqueira do projeto, Pederneiras é integrante proeminente do trio que acompanha a cantora neste disco denso, pesado, que traz o registro (feito em estúdio) de 13 das 17 músicas do show Apesar de você, apresentado pela cantora no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), em julho deste ano de 2014 dentro do ciclo multimídia Arte e autoritarismo em cena. O disco perpetua o supra-sumo do show e seduz porque, além do vigor das interpretações de Bravo, a irretocável seleção de repertório evidencia a grandeza melódica e poética desse cancioneiro politizado, fruto de época em que os compositores precisavam dar o recado por meio de metáforas para tentar escapar da tesoura cega e irracional da censura do regime. Todas as 13 músicas de Comportamento geral - Canções da resistência já ganharam registros que podem ser considerados definitivos. Mas todas são reavivadas à flor da pele, em carne viva, por cantora hábil na exposição das vísceras entranhadas nessas músicas. Em composições como Roda viva (Chico Buarque, 1968), Bravo consegue dar ao álbum apropriado tom asfixiante, condizente com o clima da época. Essa tensão sufocante paira já na abertura do disco - entre a guitarra distorcida e o canto determinado de Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, 1972) - e se intensifica logo na sequência do álbum com a interpretação de Gás neon (Gonzaguinha, 1974). Em Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), o toque bem marcado da bateria de Pedro Garcia reforça o tom imperativo deste disco que lembra - 50 anos após o golpe - o autoritarismo dos algozes que tentavam calar vozes como a de Chico Buarque, compositor que disparou petardos certeiros como Apesar de você (1970), samba de cadência diluída na pegada do rock que impera nas 13 faixas desse disco que rouba a calma quando Marya Bravo revolve a energia pesada de Demoníaca (Sueli Costa e Vítor Martins, 1974), quando acaba com o Carnaval no tom irônico de Comportamento geral (Gonzaguinha, 1972) - outro samba que vira rock no toque do trio que inclui também o baixista Daniel Veiga Martins - e quando a intérprete transmite no canto a automação humana vislumbrada por Paulinho da Viola no cotidiano urbano da antenada Sinal fechado (1969), faixa de voz e baixo distorcido. Pra não dizer que a cantora falou somente das palavras ousadas de músicas logo eternizadas como clássicos da MPB, Bravo também dá voz a músicas que quase sumiram na poeira das ruas - Canção do medo (Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri, 1973), Meio termo (Lourenço Baeta e Cacaso, 1978) e Corpos (Ivan Lins e Vítor Martins, 1975) - mas que ressurgem em Comportamento geral com toda a força e tensão. Parafraseando versos de Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1968), memória não morrerá, pois Marya Bravo grita com força, sem engasgar, e revê nessa hora - 50 anos após o triste 1964 - parte expressiva de tudo que ocorreu na música brasileira para denunciar a tirania dos algozes do Brasil. Em Comportamento geral, as emblemáticas canções da resistência estão expostas em carne viva.
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As 13 músicas gravadas por Marya Bravo no seu álbum Comportamento geral - Canções da resistência foram lançadas entre 1968 e 1978. Década que, no Brasil, compreendeu período de trevas, gritos engasgados, cortes e cicatrizes que ainda permanecem abertas nos corpos e mentes do que se engajaram na luta contra a ditadura instaurada no país com o golpe militar de 1º de abril de 1964. No disco, a ser lançado no fim do mês pela gravadora Joia Moderna, a cantora carioca põe sua voz potente - diplomada na escola dos musicais de teatro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) - a serviço dessas músicas criadas por compositores que não lavaram as mãos e, por isso mesmo, saíram limpos daqueles rebeldes anos de chumbo. Com a fúria do rock, Bravo desengasga gritos que pararam em gargantas privilegiadas como as de Elis Regina (1945 - 1982), Maria Bethânia e Milton Nascimento. A MPB dessa época ganha tom roqueiro, noise, neste disco gravado sob a direção musical e a produção do guitarrista Bruno Pederneiras. Pela própria natureza roqueira do projeto, Pederneiras é integrante proeminente do trio que acompanha a cantora neste disco denso, pesado, que traz o registro (feito em estúdio) de 13 das 17 músicas do show Apesar de você, apresentado pela cantora no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), em julho de 2014 dentro do ciclo multimídia Arte e autoritarismo em cena. O disco perpetua o supra-sumo do show e seduz porque, além do vigor das interpretações de Bravo, a irretocável seleção de repertório evidencia a grandeza melódica e poética desse cancioneiro politizado, fruto de época em que os compositores precisavam dar seu recado por meio de metáforas para escapar da tesoura cega e irracional da censura do regime. Todas as 13 músicas de Comportamento geral - Canções da resistência já ganharam registros que podem ser considerados definitivos. Mas todas são reavivadas à flor da pele, em carne viva, por cantora hábil na exposição das vísceras entranhadas nessas músicas. Em composições como Roda viva (Chico Buarque, 1968), Bravo consegue dar ao álbum apropriado tom asfixiante, condizente com o clima da época. Essa tensão sufocante paira já na abertura do disco - entre a guitarra distorcida e o canto determinado de Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, 1972) - e se intensifica na sequência na interpretação de Gás neon (Gonzaguinha, 1974). Em Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), o toque bem marcado da bateria de Pedro Garcia reforça o tom imperativo deste disco que lembra - 50 anos após o golpe - o autoritarismo dos algozes que tentavam calar vozes como a de Chico Buarque, compositor que disparou petardos certeiros como Apesar de você (1970), samba de cadência diluída na pegada do rock que impera nas 13 faixas desse CD que rouba sua calma quando Marya Bravo revolve a energia pesada de Demoníaca (Sueli Costa e Vítor Martins, 1974), quando acaba com o Carnaval no tom irônico de Comportamento geral (Gonzaguinha, 1970) - outro samba que vira rock no toque do trio que inclui também o baixista Daniel Veiga Martins - e quando a intérprete transmite no canto a automação humana vislumbrada por Paulinho da Viola no cotidiano urbano da antenada Sinal fechado (1969), faixa de voz e guitarra. Pra não dizer que a cantora falou somente das palavras firmes e ousadas de músicas logo eternizadas como clássicos da MPB, Bravo também dá voz a músicas que quase sumiram na poeira das ruas - Canção do medo (Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri, 1973), Meio termo (Lourenço Baeta e Cacaso, 1978) e Corpos (Ivan Lins e Vítor Martins, 1975) - mas que ressurgem em Comportamento geral com toda sua força e tensão. Parafraseando versos de Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969), memória não morrerá, pois Marya Bravo grita sua força, sem engasgar, e revê nessa hora - 50 anos após 1964 - parte expressiva de tudo que ocorreu na música brasileira para denunciar a tirania dos algozes do Brasil. Em Comportamento geral, as emblemáticas canções da resistência estão expostas em carne viva.
Pelo visto, o Transversal do tempo, da Elis, serviu como inspiração (: Escutarei!
Bravo, Marya!
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