Mauro Ferreira no G1

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sábado, 4 de outubro de 2014

Abravanel pega um atalho populista ao se lançar como cantor em baile-show

Resenha de show
Título: Eclético
Artista: Tiago Abravanel (em foto de Ricardo Nunes)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 3 de outubro de 2014
Cotação: * *

"O que vocês querem ouvir?. É o momento jukebox...", perguntou Tiago Abravanel, para o público que lotou a casa Vivo Rio, ao voltar para o bis da estreia nacional de Eclético, show em que o ator paulistano de musicais de teatro e novelas de televisão se lança como cantor. "Tim Maia!", logo gritou um espectador, num indício de que Abravanel não conseguiu sequer esboçar uma personalidade como intérprete neste show que soou como um baile-populista ao chegar à cena, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 3 de outubro de 2014. Abravanel - que já iniciara o show com bloco de sucessos do cantor carioca Tim Maia (1942 - 1998) - preferiu ignorar esse pedido inicial, atendendo primeiramente os chamados de quem logo depois lhe pediu para cantar músicas de Jorge Ben Jor (País tropical, 1969) e Anitta (Show das poderosas, 2013). Espontâneo e informal, o bis de Eclético se afinou com o tom do que foi visto e ouvido no tempo regulamentar do show. Projetado em escala nacional em 2011, ao interpretar Tim Maia de forma fenomenal em musical de teatro, Abravanel pegou o caminho mais fácil nesta estreia como cantor sem conseguir se livrar da sombra do Síndico, como denotou o pedido do espectador no bis. Em vez de alinhavar um repertório conceitual que lhe permitisse criar progressivamente uma identidade como cantor e formar plateias, o artista pegou o atalho dos hits populistas ao construir roteiro que parece ter tido como único norte a empatia do repertório com o chamado grande público. Pelo que se viu e ouviu no Vivo Rio, o show tem boas possibilidades comerciais, contentando plateia pouco exigente que quer tão somente se divertir ao som de sucessos cantaroláveis de axé, pagode, sertanejo, rock, MPB e soul brazuca. Tem de tudo e mais um pouco no roteiro de um show em que o alardeado ecletismo do cantor é mero pretexto para justificar a falta de link do repertório e a armação do circo pop. Então vale tudo: desde cantar hit infantil da apresentadora de TV Xuxa Meneghel, Lua de cristal (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1990), como se estivesse numa micareta até reviver, com peruca e constrangedora teatralização, O amor e o poder (1987), a versão em português da canção The Power of love (Gunther Mende, Mary Susan Applegate, Candy DeRouge e Jennifer Rush, 1985) que alavancou a carreira fonográfica da cantora carioca Rosanah Fienngo. Xuxa e Rosanah, aliás, estavam na plateia do Vivo Rio, devidamente convidadas pela produção de Abravanel, em indício de que o marketing tem mais peso do que a música em si na promoção de Eclético. Embora fácil, o caminho trilhado por Abravanel põe em segundo plano os (reais) dotes vocais de um artista carismático e talentoso. Potente, a voz ecoou com força já na abertura do show, na qual Abravanel cantou a capella (breve) trecho de Eu e você, você e eu (Juntinhos) (Tim Maia, 1980) sem ênfase no suingue desse funk. É a senha que abriu o dançante bloco inicial do show, dedicado ao cancioneiro soul de Tim Maia. Com os metais de sua big-band evocando (de longe) o balanço da Vitória Régia, banda que acompanhava o Síndico,  Abravanel amalgama sucessos como O descobridor dos sete mares (Gilson Mendonça e Michel, 1983), Vale tudo (Tim Maia, 1983), Bom senso (Tim Maia, 1975) e Chocolate (Tim Maia, 1970), que ganha sabor latino sem perda da energia original. Quando canta Sossego (Tim Maia, 1978), com levada mais black do que a gravação original ambientada por Tim no universo da disco music, Abravanel chega a colocar uma peruca black power para evocar o visual de Tim nos anos 1970, num sinal de que ele mesmo, Abravanel, parece sem coragem para se dissociar de Tim. Sossego é entrelaçada no roteiro com Guiné-Bissau, Moçambique e Angola Racional (Tim Maia, 1975), tema menos popular da fase Racional do Síndico. Na sequência, Leva (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1984) vira baladão de voz-e-piano, número em que Abravanel alterna registros vocais, evidenciando os dotes abafados pelas canhestras teatralizações do show. Com desenvoltura, mesmo cantando boa parte do show em cadeira de rodas por conta de fratura do pé esquerdo, Abravanel faz charme o tempo todo em cena. Seja ensaiando um jogo de sedução com as duas vocalistas da banda - protagonistas no posterior solo soul de Negro gato (Getúlio Cortes, 1964) - enquanto canta Mamãe passou açúcar em mim (Carlos Imperial, 1966). Seja ensinando ao público o refrão da inédita De brim (Edu Tedeschi), bissexta novidade do roteiro ao lado da boa música-título do show, Eclético (Edu Tedeschi), número apresentado com a exibição do clipe em que Abravanel, camaleônico, se caracteriza de Elvis Presley (1935 - 1977) e Amy Winehouse (1983 - 2011), entre outros cantores. Os textos pueris e os teatrinhos em torno de alguns números musicais - como o feito em Meu sangue ferve por você (J. Arel, Carrère e K. Pancol em versão em português de Serafim Costa Almeida, 1976), sucesso do cigano Sidney Magal -  dão cárater trash-kitsch a Eclético"Só eu mesmo para ter coragem de pagar esse king-kong na frente de vocês", (se) gozou Abravanel após cantar O amor e o poder. Em vários outros momentos do show, o próprio cantor - demonstrando aguda consciência do que fazia em cena - recorreu à palavra palhaçada para caracterizar o que estava acontecendo no palco da casa Vivo Rio. Quando o próprio cantor se levou a sério, como na abordagem soul jazzy de Ilegal, imoral ou engorda (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), o show mostrou possibilidades inexploradas em números como o set pagodeiro que junta em sequência Marrom bombom (Ronaldo Barcellos e Délcio Luiz, 1995), Inaraí (Juninho e Salgadinho, 1998) e Depois do prazer (Sérgio Caetano e Chico Roque, 1997), sucessos dos grupos Os Morenos, Katinguelê e Só pra Contrariar, respectivamente. A seu favor, o show Eclético conta com a energia posta por Abravanel em músicas como Evidências (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1990), sucesso da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó, cantado com arranjo baseado na força da percussão. Se Pro dia nascer feliz (Cazuza e Frejat, 1983) teve preservada sua pegada roqueira, Lilás (Djavan, 1984) ganhou tons eletrônicos e Certas coisas (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984) foi número em que Abravanel esboçou um certo intimismo sem dar a devida ênfase nas pausas e silêncios da letra. Após Certas coisas, veio o momento mais revelador da tendência a ser seguida por Abravanel em cena: uma recriação do quadro Qual é a música? - do programa do apresentador de TV Silvio Santos, avô do cantor - em que Silvio é encarnado pelo percussionista da banda, Guga Machado. Sem propósito no roteiro, o quadro indica que, embora tenha voz e carisma, Tiago Abravanel está mais para entertainer e apresentador do que cantor. Ecletismo, no caso, é falta de personalidade.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "O que vocês querem ouvir?. É o momento jukebox...", perguntou Tiago Abravanel, para o público que lotou a casa Vivo Rio, ao voltar para o bis da estreia nacional de Eclético, show em que o ator paulistano de musicais de teatro e novelas de televisão se lança como cantor. "Tim Maia!", logo gritou um espectador, num indício de que Abravanel não conseguiu sequer esboçar uma personalidade como intérprete neste show que soou como um baile-populista ao chegar à cena, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 3 de outubro de 2014. Abravanel - que já iniciara o show com bloco de sucessos do cantor carioca Tim Maia (1942 - 1998) - preferiu ignorar esse pedido inicial, atendendo primeiramente os chamados de quem depois lhe pediu para cantar músicas de Jorge Ben Jor (País tropical, 1969) e Anitta (Show das poderosas, 2013). Espontâneo e informal, o bis de Eclético se afinou com o tom do que foi visto e ouvido no tempo regulamentar do show. Projetado em escala nacional em 2011, ao interpretar Tim Maia de forma fenomenal em musical de teatro, Abravanel pegou o caminho mais fácil nesta estreia como cantor sem conseguir se livrar da sombra do Síndico, como denotou o pedido do espectador no bis. Em vez de alinhavar um repertório conceitual que lhe permitisse criar progressivamente uma identidade como cantor e formar plateias, o artista pegou o atalho dos hits populistas ao construir roteiro que parece ter tido como único norte a empatia do repertório com o chamado grande público. Pelo que se viu e ouviu no Vivo Rio, o show tem boas possibilidades comerciais, contentando plateia pouco exigente que quer tão somente se divertir ao som de sucessos cantaroláveis de axé, pagode, sertanejo, rock, MPB e soul brazuca. Tem de tudo e mais um pouco no roteiro de um show em que o alardeado ecletismo do cantor é mero pretexto para justificar a falta de link do repertório e a armação do circo pop. Então vale tudo: desde cantar hit infantil da apresentadora de TV Xuxa Meneghel, Lua de cristal (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1990), como se estivesse numa micareta até reviver, com peruca e constrangedora teatralização, O amor e o poder (1987), a versão em português da canção The Power of love ( Gunther Mende, Mary Susan Applegate, Candy DeRouge e Jennifer Rush, 1985) que alavancou a carreira fonográfica da cantora Rosanah Fienngo. Xuxa e Rosanah, aliás, estavam na plateia do Vivo Rio, devidamente convidadas pela produção de Abravanel, em indício de que o marketing tem mais peso do que a música em si na promoção de Eclético. Embora fácil, o caminho trilhado por Abravanel põe em segundo plano os (reais) dotes vocais de um artista carismático e talentoso. Potente, a voz ecoou com força já na abertura do show, na qual Abravanel cantou a capella trecho de Eu e você, você e eu (Juntinhos) (Tim Maia, 1980) sem ênfase no suingue do funk. É a senha que abriu o dançante bloco inicial do show, dedicado ao cancioneiro soul de Tim Maia. Com os metais de sua big-band evocando o balanço da Vitória Régia, banda que acompanhava o Síndico, Abravanel amalgama sucessos como O descobridor dos sete mares (Gilson Mendonça e Michel, 1983), Vale tudo (Tim Maia, 1983), Bom senso (Tim Maia, 1975) e Chocolate (Tim Maia, 1970), que ganha sabor latino sem perda da energia original. Quando canta Sossego (Tim Maia, 1978), com levada mais black do que a gravação original ambientada por Tim no universo da disco music, Abravanel chega a colocar uma peruca black power para evocar o visual de Tim nos anos 1970, num sinal de que ele mesmo, Abravanel, parece sem coragem para se dissociar de Tim. Sossego é entrelaçada no roteiro com Guiné-Bissau, Moçambique e Angola Racional (Tim Maia, 1975), tema menos popular da fase Racional do Síndico. Na sequência, Leva (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1984) vira baladão de voz-e-piano, número em que Abravanel alterna registros vocais, evidenciando os dotes abafados pelas canhestras teatralizações do show.

Mauro Ferreira disse...

Com desenvoltura, mesmo cantando boa parte do show em cadeira de rodas por conta de fratura do pé esquerdo, Abravanel faz charme o tempo todo em cena. Seja ensaiando um jogo de sedução com as duas vocalistas da banda - protagonistas no posterior solo soul de Negro gato (Getúlio Cortes, 1964) - enquanto canta Mamãe passou açúcar em mim (Carlos Imperial, 1966). Seja ensinando ao público o refrão da inédita De brim (Edu Tedeschi), bissexta novidade do roteiro ao lado da música-título do show, Eclético (Edu Tedeschi), número apresentado com a exibição do clipe em que Abravanel, camaleônico, se caracteriza de Elvis Presley (1935 - 1977) e Amy Winehouse (1983 - 2011), entre outros cantores. Os textos pueris e os teatrinhos em torno de alguns números musicais - como o feito em Meu sangue ferve por você (J. Arel, Carrère e K. Pancol em versão em português de Serafim Costa Almeida, 1976), sucesso do cigano Sidney Magal - dão cárater trash-kitsch a Eclético. "Só eu mesmo para ter coragem de pagar esse king-kong na frente de vocês", (se) gozou Abravanel após cantar O amor e o poder. Em vários outros momentos do show, o próprio cantor - demonstrando consciência do que fazia em cena - recorreu à palavra palhaçada para caracterizar o que estava acontecendo no palco da casa Vivo Rio. Quando o próprio cantor se levou a sério, como na abordagem soul jazzy de Ilegal, imoral ou engorda (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), o show mostrou possibilidades inexploradas em números como o set pagodeiro que junta em sequência Marrom bombom (Ronaldo Barcellos e Délcio Luiz, 1995), Inaraí (Juninho e Salgadinho, 1998) e Depois do prazer (Sérgio Caetano e Chico Roque, 1997), sucessos dos grupos Os Morenos, Katinguelê e Só pra Contrariar, respectivamente. A seu favor, o show Eclético conta com a energia posta por Abravanel em músicas como Evidências (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1992), sucesso da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó, cantado com arranjo baseado na força da percussão. Se Pro dia nascer feliz (Cazuza e Frejat, 1983) teve preservada sua pegada roqueira, Lilás (Djavan, 1984) ganhou tons eletrônicos e Certas coisas (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984) foi número em que Abravanel esboçou um certo intimismo sem dar a devida ênfase nas pausas e silêncios da letra. Após Certas coisas, veio o momento mais revelador da tendência a ser seguida por Abravanel em cena: uma recriação do quadro Qual é a música? - do programa do apresentador de TV Silvio Santos, avô do cantor - em que Silvio é encarnado pelo percussionista da banda, Guga Machado. Sem propósito no roteiro, o quadro indica que, embora tenha voz e carisma, Tiago Abravanel talvez esteja mais para entertainer ou apresentador do que cantor. Ecletismo, no caso, é falta de personalidade.

Cristiano Melo disse...

Finalmente uma crítica coerente a este cidadão que estava sendo excessivamente enaltecido tanto pela crítica como por amigos no Facebook. Só eu que não curtia este "intérprete"... já estava começando a achar que eu estava com problemas ou preconceitos.

Valeu MauroF, ótima crítica :)

Rhenan Soares disse...

Que vexame. Cruzes!