Resenha de CD
Título: Desejo
Artista: Mariana de Moraes
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * 1/2
♪ Terceiro álbum solo de Mariana de Moraes, lançado neste mês de outubro de 2014 pela gravadora Biscoito Fino, Desejo é o título mais expressivo da discografia dessa cantora carioca de voz pequena, mas muito bem colocada no CD produzido por Alê Siqueira e Marcelo Costa sob a direção artística de José Miguel Wisnik. Aos 45 anos de vida e 30 de carreira, iniciada como atriz nos anos 1980, a artista emerge como cantora, elevada pelo trio que formatou esse álbum que versa sobre águas, amores e areias, tendo sido gravado em fevereiro de 2012 no litoral da Bahia. Na época da gravação, três músicas - A liberdade é bonita (Jorge Mautner e José Miguel Wisnik, 2014), Motivos reais banais (Adriana Calcanhoto e Waly Salomão, 2014) e Morro, amor (Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, 2013) - eram inéditas. Com o hiato de dois anos e meio entre a gravação e a edição do disco, as três ganharam registros fonográficos - de Celso Sim, Adriana Calcanhotto e Arnaldo Antunes, respectivamente - em CDs já lançados previamente. Mas pouco importa o fato de nenhuma das 14 composições ouvidas nas 13 faixas de Desejo ser inédita. A costura inusitada do repertório - bem alinhavada pelos atabaques, programações, violões e pianos arranjados de forma coletiva pelos produtores com os músicos do disco e com a própria Mariana de Moraes - é que torna Desejo um disco bem amarrado. Se é pecado sambar, como questionou o título do CD lançado pela artista em 2001 nos Estados Unidos, a cantora jamais irá para o céu, pois Desejo cai bem no samba de distintas estirpes e vertentes. Engomadinho (Pedro Caetano e Claudionor Cruz, 1942) é o samba faceiro à moda carioca de Aracy de Almeida, sua intérprete original. É um samba que encobre o manto escuro da desilusão com a luz de um novo amor. Música embalada pelas cordas orquestradas por Lincoln Olivetti, Vai e vem (Amor de Carnaval) também se ilumina ao fluir na cadência bonita do samba em gravação que dá vida a uma música de Guilherme Arantes com Nelson Motta que passara despercebida num dos álbuns mais fracos de Arantes, Lótus (Som Livre, 2007). A leveza da leitura de Mariana está em sintonia com versos que celebram a fugacidade das paixões folionas. Outro acerto é pôr Mãe d'água e a menina (Dorival Caymmi, 1985) na roda do samba do Recôncavo Baiano. Emerge nessa faixa uma baianidade nagô que também sustenta - no caso, com a levada do samba-reggae - Flor do Cerrado (Caetano Veloso, 1974), música que já desabrochou em toda sua beleza na gravação referencial feita por Gal Costa para o álbum Cantar (Philips, 1974). Música também gravada por Gal, mas composta por José Miguel Wisnik para a trilha sonora que criou com Tom Zé para balé estreado há 20 anos pelo Grupo Corpo, Assum branco (1994) voa na pegada do baião, com o toque da sanfona de Dominguinhos (1941 - 2013), estreitando musicalmente os laços com Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), já reforçados de forma poética nos versos da letra. Com aura bossa-novista, alimentada pelo violão de Marcelo Miranda e pelos assovios do tecladista Mikael Mutti, Morro, amor - a parceria com Caetano Veloso que Arnaldo Antunes registrou em seu álbum Disco (Rosa Celeste / Radar Records, 2013) - põe a paixão em palco de teatro em letra que prepara o clima para Cacilda (José Miguel Wisnik, 1997), a faixa seguinte, ponto raso no mar de significados que abarca Desejo. Cantada por Mariana de forma meramente correta, com o piano de Wisnik, Cacilda é canção talhada para intérpretes que alcançam com a voz toda uma dimensão dramática que inexiste no canto de Mariana de Moraes. Essa ausência de teatralidade - não um defeito em si, mas uma característica da cantora - dilui a lamentosa carga poética entranhada nos versos de Amor em lágrimas (Claudio Santoro e Vinicius de Moraes, 1957 / 1960), música entoada por Mariana somente com o piano de Wisnik. Desejo se banha em outras praias de forma mais feliz. Pela sagacidade dos produtores do disco, os tambores que ressoam na abertura do CD com a lembrança da Mãe África na cubana Tabu (Margarita Lecuona, 1934) - lembrança sagazmente sublinhada com a adição na faixa do afro-samba Canto de Iemanjá (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) - se harmonizam com o batidão do funk carioca que, no fecho do disco, celebra a alegria da vida em A liberdade é bonita (Jorge Mautner e José Miguel Wisnik, 2014). Mesmo que Veleiro azul (Luiz Melodia e Rúbia Mattos, 2006) navegue desbotado, Desejo é álbum interessante que deixa as cores de outra cor - para parafrasear verso de Cá já (Caetano Veloso, 1976) - nessas águas em que Mariana de Moraes se banha com frescor, emergindo, enfim, como cantora digna de atenção.
♪ Terceiro álbum solo de Mariana de Moraes, lançado neste mês de outubro de 2014 pela gravadora Biscoito Fino, Desejo é o título mais expressivo da discografia dessa cantora carioca de voz pequena, mas muito bem colocada no CD produzido por Alê Siqueira e Marcelo Costa sob a direção artística de José Miguel Wisnik. Aos 45 anos de vida e 30 de carreira, iniciada como atriz nos anos 1980, a artista emerge como cantora, elevada pelo trio que formatou esse álbum que versa sobre águas, amores e areias, tendo sido gravado em fevereiro de 2012 no litoral da Bahia. Na época da gravação, três músicas - A liberdade é bonita (Jorge Mautner e José Miguel Wisnik, 2014), Motivos reais banais (Adriana Calcanhoto e Waly Salomão, 2014) e Morro, amor (Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, 2013) - eram inéditas. Com o hiato de dois anos e meio entre a gravação e a edição do disco, as três ganharam registros fonográficos - de Celso Sim, Adriana Calcanhotto e Arnaldo Antunes, respectivamente - em CDs já lançados previamente. Mas pouco importa o fato de nenhuma das 14 composições ouvidas nas 13 faixas de Desejo ser inédita. A costura inusitada do repertório - bem alinhavada pelos atabaques, programações, violões e pianos arranjados de forma coletiva pelos produtores com os músicos do disco e com a própria Mariana de Moraes - é que torna Desejo um disco bem amarrado. Se é pecado sambar, como questionou o título do CD lançado pela artista em 2001 nos Estados Unidos, a cantora jamais irá para o céu, pois Desejo cai bem no samba de distintas estirpes e vertentes. Engomadinho (Pedro Caetano e Claudionor Cruz, 1942) é o samba faceiro à moda carioca de Aracy de Almeida, sua intérprete original. É um samba que encobre o manto escuro da desilusão com a luz de um novo amor. Música embalada pelas cordas orquestradas por Lincoln Olivetti, Vai e vem (Amor de Carnaval) também se ilumina ao fluir na cadência bonita do samba em gravação que dá vida a uma música de Guilherme Arantes com Nelson Motta que passara despercebida num dos álbuns mais fracos de Arantes, Lótus (Som Livre, 2007). A leveza da leitura de Mariana está em sintonia com versos que celebram a fugacidade das paixões folionas. Outro acerto é pôr Mãe d'água e a menina (Dorival Caymmi, 1985) na roda do samba do Recôncavo Baiano. Emerge nessa faixa uma baianidade nagô que também sustenta - no caso, com a levada do samba-reggae - Flor do Cerrado (Caetano Veloso, 1974), música que já desabrochou em toda sua beleza na gravação referencial feita por Gal Costa para o álbum Cantar (Philips, 1974).
ResponderExcluirMúsica também gravada por Gal, mas composta por José Miguel Wisnik para a trilha sonora que criou com Tom Zé para balé estreado há 20 anos pelo Grupo Corpo, Assum branco (1994) voa na pegada do baião, com o toque da sanfona de Dominguinhos (1941 - 2013), estreitando musicalmente os laços com Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), já reforçados de forma poética nos versos da letra. Com aura bossa-novista, alimentada pelo violão de Marcelo Miranda e pelos assovios do tecladista Mikael Mutti, Morro, amor - a parceria com Caetano Veloso que Arnaldo Antunes registrou em seu álbum Disco (Rosa Celeste / Radar Records, 2013) - põe a paixão em palco de teatro em letra que prepara o clima para Cacilda (José Miguel Wisnik, 1997), a faixa seguinte, ponto raso no mar de significados que abarca Desejo. Cantada por Mariana de forma meramente correta, com o piano de Wisnik, Cacilda é canção talhada para intérpretes que alcançam com a voz toda uma dimensão dramática que inexiste no canto de Mariana de Moraes. Essa ausência de teatralidade - não um defeito em si, mas uma característica da cantora - dilui a lamentosa carga poética entranhada nos versos de Amor em lágrimas (Claudio Santoro e Vinicius de Moraes, 1957 / 1960), música entoada por Mariana somente com o piano de Wisnik. Desejo se banha em outras praias de forma mais feliz. Pela sagacidade dos produtores do disco, os tambores que ressoam na abertura do CD com a lembrança da Mãe África na cubana Tabu (Margarita Lecuona, 1934) - lembrança sagazmente sublinhada com a adição na faixa do afro-samba Canto de Iemanjá (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) - se harmonizam com o batidão do funk carioca que, no fecho do disco, celebra a alegria da vida em A liberdade é bonita (Jorge Mautner e José Miguel Wisnik, 2014). Mesmo que Veleiro azul (Luiz Melodia e Rúbia Mattos, 2006) navegue desbotado, Desejo é álbum interessante que deixa as cores de outra cor - para parafrasear verso de Cá já (Caetano Veloso, 1976) - nessas águas em que Mariana de Moraes se banha com frescor, emergindo, enfim, como cantora digna de atenção.
ResponderExcluirCacilda não é aquela canção que a Bethânia interpreta magistralmente no A Força Que Nunca Seca??
ResponderExcluirSim, Luis Claudio. É a mesma 'Cacilda'. Abs, Mauro Ferreira
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