Título: Tiro de misericórdia
Artista: João Bosco
Gravadora da edição original de 1977: RCA Victor
Gravadora da reedição em CD de 2014: Kuarup
Cotação: * * * *
♪ João Bosco vinha de dois álbuns consagradores - Caça à raposa (RCA Victor, 1975) e Galos de briga (RCA Victor, 1976), ambos repletos de músicas que se tornaram sucessos nas paradas brasileiras dos anos 1970, consolidando a carreira fonográfica do cantor e compositor mineiro - quando disparou Tiro de misericórdia em 1977 pela mesma gravadora RCA Victor que editara seu primeiro álbum em 1973. Gravado sob a direção artística de Durval Ferreira, com coordenação do então emergente produtor Rildo Hora, este álbum obteve menor adesão popular - ainda que o bolero Bijuterias tenha sido propagado em escala nacional na abertura da novela O astro (TV Globo, 1977 / 1978) - mas confirmou a fina sintonia entre as músicas de Bosco e as letras de seu parceiro Aldir Blanc. Parceria que já nascera pronta, no auge, em 1972 e que teve reiterada sua perfeita sincronia entre versos e melodias neste certeiro Tiro de misericórdia, álbum enfim reeditado em CD, via gravadora Kuarup, neste mês de outubro de 2014. Bosco e Blanc assinam todas as onze músicas deste disco que atingiu seu alvo ao captar as tensões urbanas dos tempo da fera. É um disco que parece ter nascido de birra, de teimoso, para parir uma radiografia do cotidiano duro das quebradas. Musicalmente, o disco alterna sambas - alguns com berros que evocam o grito sufocado da Mãe África - e canções aboleradas. Conceitualmente, o álbum começa com o nascimento retratado no samba Gênesis (Parto) e se encerra com a morte sem misericórdia do menino de 13 anos que protagoniza a narrativa épica do grande samba que batiza Tiro de misericórdia com visão premonitória dos jogos de poder que seriam armados nas comunidades e também da prosódia meio falada que daria o tom rapeado do discurso nas quebradas da vida. Entre um e outro samba, Bosco põe o bloco na rua em Plataforma com recado cifrado de Blanc para seus opressores - "Não dá ordem ao pessoal / Não traz lema nem divisa / Que a gente não precisa / Que organizem nosso Carnaval" - e divide com Cristina Buarque o enredo do samba Vaso ruim não quebra. Um clima de gafieira desanuvia - um pouco - o ar que pesa em Sinal de Caim e em todo o disco. "... E mesmo diante da hora fatal / O amor / Me dará forças / pro grito de Carnaval / Pro canto do cisne / Pra gargalhada final", relativizava Bosco em verso de Falso brilhante, música que batizara o show apresentado por Elis Regina (1945 - 1982) - cantora que avalizou de imediato a parceria de Bosco com Blanc - de dezembro de 1975 a fevereiro daquele ano de 1977 em que Bosco disparou Tiro de misericórdia com boleros (Tabelas) e sambas (Me dá a penúltima, típico samba de morro que evoca a estirpe da produção da Velha Guarda) que podem não ter repetido o sucesso de músicas de discos anteriores, mas que se encaixaram com perfeição na narrativa deste álbum tenso que pôs em campo, em sambas como Jogador, os dribles de vida e morte naqueles Tempos do onça e da fera (Quarador), explicitados já no título de outro samba do disco que chega ao CD com capa e contracapa originais e com as letras reproduzidas no encarte. Mais denso do que os dois belos álbuns anteriores de Bosco, Tiro de misericórdia reabriu feridas e expôs as fraturas de uma cidade que já se partia na cisão de morro e asfalto.
5 comentários:
João Bosco vinha de dois álbuns consagradores - Caça à raposa (RCA Victor, 1975) e Galos de briga (RCA Victor, 1976), ambos repletos de músicas que se tornaram sucessos nas paradas brasileiras dos anos 1970, consolidando a carreira fonográfica do cantor e compositor mineiro - quando disparou Tiro de misericórdia em 1977 pela mesma gravadora RCA Victor que editara seu primeiro álbum em 1973. Gravado sob a direção artística de Durval Ferreira, com coordenação do então emergente produtor Rildo Hora, este álbum obteve menor adesão popular - ainda que o bolero Bijuterias tenha sido propagado em escala nacional na abertura da novela O astro (TV Globo, 1977 / 1978) - mas confirmou a fina sintonia entre as músicas de Bosco e as letras de seu parceiro Aldir Blanc. Parceria que já nascera pronta, no auge, em 1972 e que teve reiterada sua perfeita sincronia entre versos e melodias neste certeiro Tiro de misericórdia, álbum enfim reeditado em CD, via gravadora Kuarup, neste mês de outubro de 2014. Bosco e Blanc assinam todas as onze músicas deste disco que atingiu seu alvo ao captar as tensões urbanas dos tempo da fera. É um disco que parece ter nascido de birra, de teimoso, para parir uma radiografia do cotidiano duro das quebradas. Musicalmente, o disco alterna sambas - alguns com berros que evocam o grito sufocado da Mãe África - e canções aboleradas. Conceitualmente, o álbum começa com o nascimento retratado no samba Gênesis (Parto) e se encerra com a morte sem misericórdia do menino de 13 anos que protagoniza a narrativa épica do grande samba que batiza Tiro de misericórdia com visão premonitória dos jogos de poder que seriam armados nas comunidades e também da prosódia meio falada que daria o tom rapeado do discurso nas quebradas da vida. Entre um e outro samba, Bosco põe o bloco na rua em Plataforma com recado cifrado de Blanc para seus opressores - "Não dá ordem ao pessoal / Não traz lema nem divisa / Que a gente não precisa / Que organizem nosso Carnaval" - e divide com Cristina Buarque o enredo do samba Vaso ruim não quebra. Um clima de gafieira desanuvia - um pouco - o ar que pesa em Sinal de Caim e em todo o disco. "... E mesmo diante da hora fatal / O amor / Me dará forças / pro grito de Carnaval / Pro canto do cisne / Pra gargalhada final", relativizava Bosco em verso de Falso brilhante, música que batizara o show apresentado por Elis Regina (1945 - 1982) - cantora que avalizou de imediato a parceria de Bosco com Blanc - de dezembro de 1975 a fevereiro daquele ano de 1977 em que Bosco disparou Tiro de misericórdia com boleros (Tabelas) e sambas (Me dá a penúltima, típico samba de morro que evoca a estirpe da produção da Velha Guarda) que podem não ter repetido o sucesso de músicas de discos anteriores, mas que se encaixaram com perfeição na narrativa deste álbum tenso que pôs em campo, em sambas como Jogador, os dribles de vida e morte naqueles Tempos do onça e da fera (Quarador), explicitados já no título de outro samba do disco que chega ao CD com capa e contracapa originais e com as letras reproduzidas no encarte. Mais denso do que os dois belos álbuns anteriores de Bosco, Tiro de misericórdia reabriu feridas e expôs as fraturas de uma cidade que já se partia na cisão de morro e asfalto.
Que boa notícia! Viva o CD remasterizado!Vou correndo comprar :)
esse disco não é tão bom como os outros do Bosco nos anos 70 mas tinha que sair em cd
Acho esse um discaço!
Ouço João Bosco & Aldir Blanc desde minha infância e considero esses dois a melhor dupla musical brasileira de todos os tempos! Pra mim, o melhor da música brasileira está na dupla João & Aldir, em Chico Buarque e em Gonzaguinha, sem dúvida alguma! Esses expoentes musicais não têm igual em local algum do mundo!
Tenho em CD os álbuns "Caça à Raposa", "Galos de Briga", "Linha de Passe" e da série 2 em 1 tenho "Bandalhismo" e "Essa É A Sua Vida", todos esses álbuns lançados pela antiga RCA. E sempre havia procurado em CD o álbum "Tiro de Misericórdia", e nunca havia achado, sem entender por que isso. A censura bateu forte nesse disco pra evitar que ele saísse em CD por tanto tempo? Talvez seja isso. Ou talvez seja porque ele é um dos discos do Bosco que fez menos sucesso, e não se interessaram antes pelo seu relançamento.
Mas eu tenho "Tiro de Misericórdia" em LP, e afirmo que, de todos os discos do Bosco, ele é o que mais gosto! Aliás, ele e "Galos de Briga", que realmente são as duas obras-primas de João & Aldir, ao meu ver!
O fato de "Tiro de Misericórdia" ter sido relançado em CD me dá esperanças de encontrar esse disco em CD, pois fazia muito tempo que eu já notava que ele estava indisponível em formato de CD, e ele faz uma imensa falta numa coleção de CDs que se preze!
Um parabéns a você, Mauro Ferreira, pelo excelente blog, e um parabéns à Kuarup pelo relançamento em CD de "Tiro de Misericórdia", esse disco que considero o mais acre de toda a obra de João Bosco & Aldir Blanc, sem falso ufanismo e levando a sério os problemas internos das grandes cidades brasileiras, por extensão! A própria faixa-título, que é a última do disco, é a música mais agressiva que já ouvi, e desde criança já me espantava com esses versos e essa melodia escancarada, denunciando a realidade das favelas e morros do Rio de Janeiro!
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