sábado, 1 de novembro de 2014

'Outros sons', o álbum tropicalista da Vanguarda Paulista, cai bem em CD

Resenha de CD - Reedição de álbum
Título: Outros sons
Artista: Eliete Negreiros
Gravadora da edição original de 1982: EMI-Odeon
Gravadora da reedição em CD de 2014: Kuarup
Cotação: * * * *


Foi através da voz da cantora paulistana Eliete Negreiros, sob a direção artística de Arrigo Barnabé, que os sons da Vanguarda Paulista cruzaram as ruas da Tropicália em disco que ainda soa interessante. Primeiro álbum de Eliete, Outros sons ganha sua primeira reedição em CD, posta no mercado fonográfico pela Kuarup neste último trimestre de 2014, 32 anos após o lançamento original do LP distribuído via EMI-Odeon em 1982. Reouvido após três décadas, Outros sons passa incólume pelo filtro do tempo. É um disco de estética futurista, retratada já na capa em que a cantora, caracterizada como astronauta, assiste à cena final do filme Casablanca (Estados Unidos, 1942), cuja música-tema - a canção As time goes by (Herman Hupfeld, 1931), popularizada em escala mundial uma década após seu lançamento graças ao filme  - ganha abordagem sutil da cantora em Outros sons. Lançado em plena efervescência do movimento rotulado como Vanguarda Paulista, Outros sons se beneficiou das conquistas estéticas do primeiro álbum de seu produtor Arrigo Barnabé, Clara Crocodilo (Independente, 1980), trabalho calcado na música atonal e no dodecafonismo. Esses elementos reverberam em canções como Tudo mudou (Arrigo Barnabé), Brinco (Arrigo Barnabé) e a música-título Outros sons (Arrigo Barnabé e Carlos Rennó), esta inspirada pela Sagração da primavera (1913), obra com a qual o compositor russo Stravinsky (1882 - 1971) apontou caminhos modernistas para a música do século XX. Fiel à busca por caminhos seriais que norteava sua música naquela primeira metade dos anos 1980, Arrigo desconstruiu Pipoca moderna (Sebastião Biano e Caetano Veloso, 1975)  já na abertura de Outros sons, sinalizando a trilha seguida por Eliete Negreiros neste disco vanguardista que também se beneficiou das rupturas propagadas pela Tropicália entre 1967 e 1968. "Quem não ousaria dedicar este disco a Caetano Veloso", lê-se na contracapa externa do CD. Sim, há muito de Arrigo em Outros sons, mas há muito também de Caetano Veloso. Inclusive nas lembranças de músicas da discografia do cantor carioca Orlando Silva (1915 - 1978), de cujo repertório Eliete revive o samba-canção A felicidade perdeu meu endereço (Claudionor Cruz e Pedro Caetano, 1940), o samba Febre de amor (Lauro Maia, 1943) - cantado em tons mais convencionais - e Begin the beguine (Cole Porter, 1938, em versão em português de Haroldo Barbosa, 1945). A maestria dos arranjos dá frescor às músicas antigas e endossa a linguagem das que então eram recentes, caso de Fico louco (Itamar Assumpção, 1980), conferindo sólida uniformidade a um disco que transita também por sons rurais, como na canção caipira Sonora garoa, de autoria do compositor e violeiro Passoca. O time de músicos arregimentados para o álbum - o trombonista Bocato, o guitarrista Mário Manga, o baterista Paulo Barnabé (compositor de Peiote, música incluída por Eliete entre as 15 do disco) e o baixista Rodolfo Stroeter, entre outros nomes então emergentes na cena paulistana - formava uma espécie de banda dos sonhos da Vanguarda Paulista. Mesmo com todo esse requinte, ou talvez justamente por causa dele, Outros sons é disco até hoje ignorado pelo grande público, mas cultuado por quem identificou ali os caminhos da revolução estética que se fazia na música do Brasil através da cidade de São Paulo.

9 comentários:

  1. ♪ Foi através da voz da cantora paulistana Eliete Negreiros, sob a direção artística de Arrigo Barnabé, que os sons da Vanguarda Paulista cruzaram as ruas da Tropicália em disco que ainda soa interessante. Primeiro álbum de Eliete, Outros sons ganha sua primeira reedição em CD, posta no mercado fonográfico pela Kuarup neste último trimestre de 2014, 32 anos após o lançamento original do LP distribuído via EMI-Odeon em 1982. Reouvido após três décadas, Outros sons passa incólume pelo filtro do tempo. É um disco de estética futurista, retratada já na capa em que a cantora, caracterizada como astronauta, assiste à cena final do filme Casablanca (Estados Unidos, 1942), cuja música-tema - a canção As time goes by (Herman Hupfeld, 1931), popularizada em escala mundial uma década após seu lançamento graças ao filme - ganha abordagem sutil da cantora em Outros sons. Lançado em plena efervescência do movimento rotulado como Vanguarda Paulista, Outros sons se beneficiou das conquistas estéticas do primeiro álbum de seu produtor Arrigo Barnabé, Clara Crocodilo (Independente, 1980), trabalho calcado na música atonal e no dodecafonismo. Esses elementos reverberam em canções como Tudo mudou (Arrigo Barnabé), Brinco (Arrigo Barnabé) e a música-título Outros sons (Arrigo Barnabé e Carlos Rennó), esta inspirada pela Sagração da primavera (1913), obra com a qual o compositor russo Stravinsky (1882 - 1971) apontou caminhos modernistas para a música do século XX. Fiel à busca por caminhos seriais que norteava sua música naquela primeira metade dos anos 1980, Arrigo desconstruiu Pipoca moderna (Sebastião Biano e Caetano Veloso, 1976) já na abertura de Outros sons, sinalizando a trilha seguida por Eliete Negreiros neste disco vanguardista que também se beneficiou das rupturas propagadas pela Tropicália entre 1967 e 1968. "Quem não ousaria dedicar este disco a Caetano Veloso", lê-se na contracapa externa do CD. Sim, há muito de Arrigo em Outros sons, mas há muito também de Caetano Veloso. Inclusive nas lembranças de músicas da discografia do cantor carioca Orlando Silva (1915 - 1978), de cujo repertório Eliete revive o samba-canção A felicidade perdeu meu endereço (Claudionor Cruz e Pedro Caetano, 1940), o samba Febre de amor (Lauro Maia, 1943) - cantado em tons mais convencionais - e Beguin the beguine (Cole Porter, 1938, em versão em português de Haroldo Barbosa, 1945). A maestria dos arranjos dá frescor às músicas antigas e endossa a linguagem das eram novas, caso da então inédita Fico louco (Itamar Assumpção, 1982), conferindo sólida uniformidade a um disco que transita também por sons rurais, como na canção caipira Sonora garça, de autoria do compositor e violeiro Passoca. O time de músicos arregimentados para o álbum - o trombonista Bocato, o guitarrista Mário Manga, o baterista Paulo Barnabé (compositor de Peiote, música incluída por Eliete entre as 15 do disco) e o baixista Rodolfo Stroeter, entre outros nomes então emergentes na cena paulistana - formava uma espécie de banda dos sonhos da Vanguarda Paulista. Mesmo com todo esse requinte, ou talvez justamente por causa dele, Outros sons é disco até hoje ignorado pelo grande público, mas cultuado por quem identificou ali os caminhos da revolução estética que se fazia na música do Brasil através da cidade de São Paulo.

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  2. Augusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)

    A música Pipoca moderna, não é de 1976. Gilberto Gil gravou no disco Expresso 2222 de 1972 com a Banda de pífanos de Caruaru, sendo assim creio que a música seja composta bem antes deste ano. Composta por Sebastião Biano, em 1975 Caetano pôs a letra e gravou no disco Joia. Portanto, de qualquer forma 1976 está descartada a produção da música.

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  3. Tem razão, Augusto. A letra de Caetano é de 1975, não de 1976. Grato por mais esse toque. Abs, MauroF

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  4. Mauro, salve! Uma sugestão: verifique a grafia de "Begin the beguine" e "Sonora garoa". O texto está ótimo. Parabéns pelo blogue! Abs, V.

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  5. Comprei esse disco em LP nos anos 80

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  6. Amo Eliete, e amo esse disco, que tenho em vinil. Uma joia na minha estante!

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  7. "Fico Louco" não era inédita em 1982. A gravação do próprio Nego Dito é do primeiro disco, 1980.

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  8. Tem razão, Cláudio. Grato pelo toque. É que o Itamar também canta 'Fico louco' em seu segundo disco, 'Às próprias custas', de 1983. O que me levou à conclusão errada do ineditismo. Grato pelo toque. MauroF

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