segunda-feira, 17 de novembro de 2014

'Teletema' faz inventário definitivo e delicioso ao seguir trilhas de novela

Resenha de livro
Título: Teletema Vol. 1 1964 a 1989
Autores: Guilherme Bryan e Vincent Villari
Editora: Dash
Cotação: * * * * *

Vinicius de Moraes (1913 - 1980) morreu com a crença de que havia composto com Toquinho a música-título de O bem-amado (TV Globo, 1973), novela que teve sua trilha sonora nacional assinada pela dupla Toquinho & Vinicius. Na verdade, a música O bem-amado - um dos destaques do LP da novela em gravação feita pelo MPB-4 (grupo creditado como Coral Som Livre por questões jurídicas) - foi composta somente por Toquinho, pois a TV Globo pressionava os dois compositores para entregar o tema de abertura da trama de Dias Gomes (1922 - 1999). Como Vinicius fazia corpo mole, Toquinho decidiu compor a música sozinho, a creditou à dupla e, quando questionado pelo parceiro, convenceu o poeta de que ele havia participação da criação de O bem-amado. Essa é uma das muitas saborosas histórias de bastidores que surgem em Teletema, livro indispensável para quem se interessa por novelas e pela relação entre música, novela e mercado fonográfico. Trata-se de inventário definitivo e delicioso sobre o (tele)tema, construído ao longo de 14 anos pelos autores Guilherme Bryan (que já tinha dado boa contribuição à bibliografia musical com o livro Quem tem um sonho não dança - Cultura jovem brasileira nos anos 80, lançado em 2005) e Vincent Villari (colecionador de trilhas sonoras de novelas que se tornou bem-sucedido autor de tramas como Sangue bom,  exibida pela TV Globo em 2013). O que torna Teletema indispensável é a natureza enciclopédica do livro, dividido em dois volumes. No primeiro, que abrange o período que vai de 1964 a 1989 e que está sendo lançado neste mês de novembro de 2014, os autores historiam e comentam, em ordem cronológica, todos os discos de todas as novelas e séries produzidas por todas as emissoras brasileiras de TV ao longo dos 25 anos enfocados nesse volume inicial. Além de contextualizar as trilhas nos folhetins, expondo a sintonia (ou falta de) entre músicas e tramas, os autores expõem as mudanças do gênero - as das novelas e as da música - em textos analíticos que explicam a evolução dos teletemas e a relação (de início, arisca) entre gravadoras e emissoras de TV. Entrevistas feitas com produtores, artistas e novelistas envolvidos na produção das trilhas dão substância ao inventário de Bryan e Villari, escrito de forma envolvente, sem a frieza das enciclopédias, mas com a completude de um tratado que esgota o assunto. Somente a pesquisa e o relato dos teletemas gravados no período que vai de 1964 a 1968 - na fase pré-histórica do gênero - já valeriam a aquisição de Teletema. É nessa fase, à qual é dedicado o primeiro dos quatro robustos capítulos do livro, que entra em cena o radialista e sonoplasta paraibano Salatiel Coelho, responsável pela maior parte das produções das trilhas sonoras das novelas da época, dominada pela TV Tupi. Era uma fase em que o mercado fonográfico e os artistas olhavam a telenovela com desconfiança - justificada pelo fato de o gênero, então calcado em dramalhões importados, somente ter começado a se solidificar a partir de 1969, no rastro da revolução provocada pelo tom coloquial da trama urbana de Beto Rockfeller, novela estreada pela TV Tupi em novembro de 1968. Foi a fase em que as trilhas de novelas eram pautadas por canções sentimentais e lançadas em discos que abarcavam teletemas de várias tramas. A primeira trilha sonora de novela a merecer um álbum exclusivo foi Antonio Maria (TV Tupi, 1968 / 1969), como historiam os autores do livro. O segundo capítulo, dedicado às trilhas sonoras do período 1969 - 1974, foca a ascensão da TV Globo na produção de teledramaturgia. Foi nessa fase que a emissora passou a confiar a duplas de compositores - Antonio Carlos & Jocáfi, Marcos Valle & Paulo Sérgio Valle, Roberto Carlos & Erasmo Carlos e Toquinho & Vinicius, entre elas - a tarefa de criar e assinar toda a trilha sonora nacional de uma novela. Política que resultou em discos irregulares, como enfatizam Bryan e Villari com razão e conhecimento de causa. E como deixa claro Nelson Motta, parceiro de Guto Graça Mello na composição da trilha sonora da novela Cavalo de aço (TV Globo, 1973), desancada por Motta em entrevista aos autores do livro ("Essa trilha é uma das coisas mais detestáveis que já fiz na minha vida"). Apesar de a trilha sonora de Cavalo de aço ser realmente ruim, Graça Mello seria nome fundamental na produção dos discos da (primeira) fase de ouro do gênero. Assunto do terceiro capítulo, as trilhas do período 1975 - 1984 marcaram mudança de mentalidade do mercado fonográfico e da própria TV Globo - à essa altura já reinando solitária diante da progressiva decadência da TV Tupi, desativada em 1980 - em relação aos teletemas, como historiam Bryan e Villari. Alertadas pelas boas vendagens dos LPs com as trilhas sonoras internacionais (historicamente sempre mais bem-sucedidas do que as nacionais do ponto de vista comercial, ainda que a recordista de vendas em todos os tempos seja a primeira trilha nacional da novela O rei do gado, de 1996), as gravadoras começaram a perceber que poderia ser (ótimo) negócio liberar fonogramas para os discos de novelas. Simultaneamente, a TV Globo começou a perceber que era melhor montar as trilhas com músicas de vários compositores e intérpretes. É quando Graça Mello cresceu e apareceu em cena - ou melhor, nos bastidores - com a produção de antológicas trilhas sonoras nacionais como as das novelas Gabriela (1975) e Pecado capital (1975 / 1976), sendo que a de Gabriela - um marco no gênero que fez com que a crítica musical pela primeira vez reconhecesse o valor de uma trilha sonora de novela  - foi quase inteiramente composta para a novela. Após essa fase, que rendeu trilhas de vendagens astronômicas na segunda metade dos anos 1970, como os discos internacionais de Dancin' days (1978) e Pai herói (1979), o gênero perde um pouco de sua força na primeira metade da década de 1980, embora nesse momento já estivesse consolidado o modelo que vigora até hoje com pequenas variações de acordo com a natureza da trama: um disco com sucessos nacionais e outro com os hits estrangeiros do momento. No último capítulo do primeiro volume de Teletema, o foco recai sobre as trilhas sonoras do período 1985 - 1989. É quando começa o reinado - ainda em vigor - de Mariozinho Rocha, entronizado como diretor musical da TV Globo em 1989. O marco dessa fase é a primeira das duas trilhas sonoras nacionais da novela Roque Santeiro (1985), produzida por Rocha e eleita pelos autores a melhor trilha sonora de todos os tempos (título que, a rigor, merece ser dividido com a igualmente emblemática trilha de Gabriela). Gostos à parte, ao longo de suas saborosas 512 páginas, Teletema relata como as trilhas sonoras de novelas impulsionaram artistas, gêneros musicais - como o pop rock brasileiro que emergiu em 1982 com a Blitz - e tendências  do mercado fonográfico (como a de fazer cantores brasileiros gravarem em inglês com pseudônimos estrangeiros - política que rendeu hits para as novelas da Globo nos anos 1970). Relato que resulta sedutor por conta dos numerosos causos de bastidores que emergem entre as histórias das trilhas. Enfim, o livro é, como já dito, inventário completo e definitivo de dois temas - música e novela - que mobilizam milhões de brasileiros como Bryan e Villari. Livro do ano!

3 comentários:

  1. ♪ Vinicius de Moraes (1913 - 1980) morreu com a crença de que havia composto com Toquinho a música-título de O bem-amado (TV Globo, 1973), novela que teve sua trilha sonora nacional assinada pela dupla Toquinho & Vinicius. Na verdade, a música O bem-amado - um dos destaques do LP da novela em gravação feita pelo MPB-4 (grupo creditado como Coral Som Livre por questões jurídicas) - foi composta somente por Toquinho, pois a TV Globo pressionava os dois compositores para entregar o tema de abertura da trama de Dias Gomes (1922 - 1999). Como Vinicius fazia corpo mole, Toquinho decidiu compor a música sozinho, a creditou à dupla e, quando questionado pelo parceiro, convenceu o poeta de que ele havia participação da criação de O bem-amado. Essa é uma das muitas saborosas histórias de bastidores que surgem em Teletema, livro indispensável para quem se interessa por novelas e pela relação entre música, novela e mercado fonográfico. Trata-se de inventário definitivo e delicioso sobre o (tele)tema, construído ao longo de 14 anos pelos autores Guilherme Bryan (que já tinha dado boa contribuição à bibliografia musical com o livro Quem tem um sonho não dança - Cultura jovem brasileira nos anos 80, lançado em 2005) e Vincent Villari (colecionador de trilhas sonoras de novelas que se tornou bem-sucedido autor de tramas como Sangue bom, exibida pela TV Globo em 2013). O que torna Teletema indispensável é a natureza enciclopédica do livro, dividido em dois volumes. No primeiro, que abrange o período que vai de 1964 a 1989 e que está sendo lançado neste mês de novembro de 2014, os autores historiam e comentam, em ordem cronológica, todos os discos de todas as novelas e séries produzidas por todas as emissoras brasileiras de TV ao longo dos 25 anos enfocados nesse volume inicial. Além de contextualizar as trilhas nos folhetins, expondo a sintonia (ou falta de) entre músicas e tramas, os autores expõem as mudanças do gênero - as das novelas e as da música - em textos analíticos que explicam a evolução dos teletemas e a relação (de início, arisca) entre gravadoras e emissoras de TV. Entrevistas feitas com produtores, artistas e novelistas envolvidos na produção das trilhas dão substância ao inventário de Bryan e Villari, escrito de forma envolvente, sem a frieza das enciclopédias, mas com a completude de um tratado que esgota o assunto. Somente a pesquisa e o relato dos teletemas gravados no período que vai de 1964 a 1968 - na fase pré-histórica do gênero - já valeriam a aquisição de Teletema. É nessa fase, à qual é dedicado o primeiro dos quatro robustos capítulos do livro, que entra em cena o radialista e sonoplasta paraibano Salatiel Coelho, responsável pela maior parte das produções das trilhas sonoras das novelas da época, dominada pela TV Tupi. Era uma fase em que o mercado fonográfico e os artistas olhavam a telenovela com desconfiança - justificada pelo fato de o gênero, então calcado em dramalhões importados, somente ter começado a se solidificar a partir de 1969, no rastro da revolução provocada pelo tom coloquial da trama urbana de Beto Rockfeller, novela estreada pela TV Tupi em novembro de 1968. Foi a fase em que as trilhas de novelas eram pautadas por canções sentimentais e lançadas em discos que abarcavam teletemas de várias tramas. A primeira trilha sonora de novela a merecer um álbum exclusivo foi Antonio Maria (TV Tupi, 1968 / 1969), como historiam os autores do livro. O segundo capítulo, dedicado às trilhas sonoras do período 1969 - 1974, foca a ascensão da TV Globo na produção de teledramaturgia. Foi nessa fase que a emissora passou a confiar a duplas de compositores - Antonio Carlos & Jocáfi, Marcos Valle & Paulo Sérgio Valle, Roberto Carlos & Erasmo Carlos e Toquinho & Vinicius, entre elas - a tarefa de criar e assinar toda a trilha sonora nacional de uma novela.

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  2. Política que resultou em discos irregulares, como enfatizam Bryan e Villari com razão e conhecimento de causa. E como deixa claro Nelson Motta, parceiro de Guto Graça Mello na composição da trilha sonora da novela Cavalo de aço (TV Globo, 1973), desancada por Motta em entrevista aos autores do livro ("Essa trilha é uma das coisas mais detestáveis que já fiz na minha vida"). Apesar de a trilha sonora de Cavalo de aço ser realmente ruim, Graça Mello seria nome fundamental na produção dos discos da (primeira) fase de ouro do gênero. Assunto do terceiro capítulo, as trilhas do período 1975 - 1984 marcaram mudança de mentalidade do mercado fonográfico e da própria TV Globo - à essa altura já reinando solitária diante da progressiva decadência da TV Tupi, desativada em 1980 - em relação aos teletemas, como historiam Bryan e Villari. Alertadas pelas boas vendagens dos LPs com as trilhas sonoras internacionais (historicamente sempre mais bem-sucedidas do que as nacionais do ponto de vista comercial, ainda que a recordista de vendas em todos os tempos seja a primeira trilha nacional da novela O rei do gado, de 1996), as gravadoras começaram a perceber que poderia ser (ótimo) negócio liberar fonogramas para os discos de novelas. Simultaneamente, a TV Globo começou a perceber que era melhor montar as trilhas com músicas de vários compositores e intérpretes. É quando Graça Mello cresceu e apareceu em cena - ou melhor, nos bastidores - com a produção de antológicas trilhas sonoras nacionais como as das novelas Gabriela (1975) e Pecado capital (1975 / 1976), sendo que a de Gabriela - um marco no gênero que fez com que a crítica musical pela primeira vez reconhecesse o valor de uma trilha sonora de novela - foi quase inteiramente composta para a novela. Após essa fase, que rendeu trilhas de vendagens astronômicas na segunda metade dos anos 1970, como os discos internacionais de Dancin' days (1978) e Pai herói (1979), o gênero perde um pouco de sua força na primeira metade da década de 1980, embora nesse momento já estivesse consolidado o modelo que vigora até hoje com pequenas variações de acordo com a natureza da trama: um disco com sucessos nacionais e outro com os hits estrangeiros do momento. No último capítulo do primeiro volume de Teletema, o foco recai sobre as trilhas sonoras do período 1985 - 1989. É quando começa o reinado - ainda em vigor - de Mariozinho Rocha, entronizado como diretor musical da TV Globo em 1989. O marco dessa fase é a primeira das duas trilhas sonoras nacionais da novela Roque Santeiro (1985), produzida por Rocha e eleita pelos autores a melhor trilha sonora de todos os tempos (título que, a rigor, merece ser dividido com a igualmente emblemática trilha de Gabriela). Gostos à parte, ao longo de suas saborosas 512 páginas, Teletema relata como as trilhas sonoras de novelas impulsionaram artistas, gêneros musicais - como o pop rock brasileiro que emergiu em 1982 com a Blitz - e tendências do mercado fonográfico (como a de fazer cantores brasileiros gravarem em inglês com pseudônimos estrangeiros - política que rendeu hits para as novelas da Globo nos anos 1970). Relato que resulta sedutor por conta dos numerosos causos de bastidores que emergem entre as histórias das trilhas. Enfim, o livro é, como já dito, inventário completo e definitivo de dois temas - música e novela - que mobilizam milhões de brasileiros como Bryan e Villari. Livro do ano!

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  3. A primeira trilha de Roque Santeiro era bem comercial,tinha Wando e Roupa Nova.

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