Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Tom Zé se vira em disco melódico que busca o caminho da normalidade

Resenha de CD
Título: Vira lata na Via Láctea
Artista: Tom Zé
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * *

Artista que se (re)alimenta da experimentação e da habilidade para o desbravamento de caminhos musicais ainda inexplorados, Tom Zé cresce na anarquia e se apequena na via da normalidade. Essa inadequação do baiano para o canto de melodias mais tradicionais salta aos ouvidos em vários momentos de seu 15º álbum de inéditas, Vira lata na Via Láctea. Basta ouvir o bom samba Banca de jornal - composto e cantado por Tom Zé com o rapper paulistano Criolo - para perceber que o samba, cuja letra faz engenhoso jogo de palavras com nomes de jornais e revistas, é talhado para um cantor hábil a fazer o papel de crooner, função a que Tom Zé nunca se adequou e à qual, diga-se, tampouco procurou cortejar. É para um crooner como Milton Nascimento que nasceu uma boa canção como Pour Elis, parceria de Tom Zé com Fernando Faro, criada em 1983 sob a dor da saudade da cantora Elis Regina (1945 - 1982) e enfim gravada em Vira lata na Via Láctea com a adesão vocal de Milton. Produzido por Daniel Maia sob a direção artística de Marcus Preto, o disco soa (quase) normal, tangenciando o formato da MPB cristalizada na era dos festivais que projetaram o baiano tropicalista. Por seu espírito indomado, jovial, Tom Zé se afina com os músicos da nova geração recrutados por Preto para o disco. Músicos do trio O Terno, da Filarmônica de Pasárgada - banda cujo líder Marcelo Segreto assina com Tom Zé Guga na lavagem, ótimo momento-fuzuê do disco - e da Trupe Chá de Boldo formatam com propriedade e com naturalidade o cancioneiro de Tom Zé. Mas o fato é que o CD soa mais natural quando Tom Zé é mais Tom Zé, como nas faixas Mamon - música engrandecida pela programação pilotada por Silva com o artista - e Esquerda, grana e direita, músicas da lavra solitária (e normalmente autossuficiente) do compositor. Só que há instantes em que as músicas parecem melhores do que o cantor, caso de A quantas anda você? (Tiago Araripe). Parceria de Tom Zé com o artista plástico Elifas Andreato, Salva humanidade é a mesma música já gravada - com mais graça e com a participação do próprio Tom Zé - pela cantora Érika Martins com o título de A curi em seu pouco ouvido álbum Modinhas (Coqueiro Verde Records, 2014). Já Irará irá lá (Tom Zé) e Papa perdoa Tom Zé (Tim Bernardes) vem do EP digital Tribunal do Feicibuki (Independente, 2013), lançado pelo artista há um ano. Se a voz fraqueja dentro da normalidade, o discurso soa geralmente antenado, como Geração Y (GY) (Tom Zé e Henrique Marcusso) prova já na abertura do disco, encerrado com a primeira parceria de Tom Zé e Caetano Veloso, A pequena suburbana, canção gravada coma adesão de Caetano e valorizada pela simbiose entre letra e música. Aos 78 anos, Tom Zé se vira em Vira lata na Via Láctea, disco que parece trilhar o caminho da normalidade, na contramão da alma do artista, vocacionada para buscar o inesperado.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Artista que se (re)alimenta da experimentação e da habilidade para o desbravamento de caminhos musicais ainda inexplorados, Tom Zé cresce na anarquia e se apequena na via da normalidade. Essa inadequação do baiano para o canto de melodias mais tradicionais salta aos ouvidos em vários momentos de seu 15º álbum de inéditas, Vira lata na Via Láctea. Basta ouvir o bom samba Banca de jornal - composto e cantado por Tom Zé com o rapper paulistano Criolo - para perceber que o samba, cuja letra faz engenhoso jogo de palavras com nomes de jornais e revistas, é talhado para um cantor hábil a fazer o papel de crooner, função a que Tom Zé nunca se adequou e à qual, diga-se, tampouco procurou cortejar. É para um crooner como Milton Nascimento que nasceu uma boa canção como Pour Elis, parceria de Tom Zé com Fernando Faro, criada em 1983 sob a dor da saudade da cantora Elis Regina (1945 - 1982) e enfim gravada em Vira lata na Via Láctea com a adesão vocal de Milton. Produzido por Daniel Maia sob a direção artística de Marcus Preto, o disco soa (quase) normal, tangenciando o formato da MPB cristalizada na era dos festivais que projetaram o baiano tropicalista. Por seu espírito indomado, jovial, Tom Zé se afina com os músicos da nova geração recrutados por Preto para o disco. Músicos do trio O Terno, da Filarmônica de Pasárgada - banda cujo líder Marcelo Segreto assina com Tom Zé Guga na lavagem, ótimo momento-fuzuê do disco - e da Trupe Chá de Boldo formatam com propriedade e com naturalidade o cancioneiro de Tom Zé. Mas o fato é que o CD soa mais natural quando Tom Zé é mais Tom Zé, como nas faixas Mamon - música engrandecida pela programação pilotada por Silva com o artista - e Esquerda, grana e direita, músicas da lavra solitária (e normalmente autossuficiente) do compositor. Só que há instantes em que as músicas parecem melhores do que o cantor, caso de A quantas anda você? (Tiago Araripe). Parceria de Tom Zé com o artista plástico Elifas Andreato, Salva humanidade é a mesma música já gravada - com mais graça e com a participação do próprio Tom Zé - pela cantora Érika Martins com o título de A curi em seu pouco ouvido álbum Modinhas (Coqueiro Verde Records, 2014). Já Irará irá lá (Tom Zé) e Papa perdoa Tom Zé (Tim Bernardes) vem do EP digital Tribunal do Feicibuki (Independente, 2013), lançado pelo artista há um ano. Se a voz fraqueja dentro da normalidade, o discurso soa geralmente antenado, como Geração Y (GY) (Tom Zé e Henrique Marcusso) prova já na abertura do disco, encerrado com a primeira parceria de Tom Zé e Caetano Veloso, A pequena suburbana, canção gravada coma adesão de Caetano e valorizada pela simbiose entre letra e música. Aos 78 anos, Tom Zé se vira em Vira lata na Via Láctea, disco que parece trilhar o caminho da normalidade, na contramão da alma do artista, vocacionada para buscar o inesperado.

Felipe dos Santos disse...

Do que ouvi, concordo com Mauro: não há ali nada que impressione. O mais famoso nativo de Irará já foi mais inventivo, em discos como "Com defeito de fabricação", "Danç-êh-sá", "Tropicalismo lixo lógico" e até no "Tribunal de Feicebúqui".

Aliás, devo dizer que me decepcionei ao ouvir "Pour Elis". Imaginava algo realmente inédito, mas nada mais é do que música de Tom Zé para o texto que Faro escreveu para Elis recitar em "Trem Azul", último show dela, em 1981.

Felipe dos Santos Souza