♪ Ao comandar a produção da caixa que embala reedições de 18 álbuns, alguns remasterizados pela primeira vez para serem embalados no box recém-lançado pela gravadora Sony Music, Djavan reouviu toda sua obra. No texto que escreveu para apresentar a caixa Djavan, o cantor, compositor e músico alagoano passa em revista os álbuns reunidos no box. Eis o texto de Djavan:
"Comecei a ouvir toda a obra em função da remasterização geral e
remixagem de algumas faixas, já contando
com o desconforto que sentiria em alguns momentos: um arranjo equivocado, uma
mixagem ruim, uma interpretação exacerbada, uma música mais ou menos, um teclado
datado (nunca foi fácil achar um som definitivo num universo tão prolixo).
Na primeira música, eu procurei ouvir cronologicamente, pensei no
meu primeiro produtor, Aloysio de Oliveira, homem capaz e cheio de entusiasmo
comigo. Disponibilizei, para sua apreciação e escolha, as 60 músicas que eu
tinha. Somente 12 seriam escolhidas. Pensei: o que vai ser? Era o meu primeiro e mais
que esperado disco - eu tinha que acertar. Enfim, ele me chamou e disse: tenho
as 12, mas você pode mudar, se quiser. E me deu uma relação com oito sambas. Eu
olhei para aquilo e pensei: meu Deus,
não é isso! Tive vontade de discutir, mas temia que ele estivesse certo. E
estava! A diversidade que eu queria mostrar já no primeiro disco, ele viu nos
sambas que escolheu.
A audição da obra seguiu deparando-se com passagens inesquecíveis.
Fui gravar o meu segundo disco longe das asas do meu tutor, João Araújo. A EMI,
de Mariozinho Rocha, foi o período onde tudo que é hoje começou. Discos em que
pude contar com a participação de ídolos como Chico, Caetano e Gil. Compus com
eles e para todas as estrelas que
admiro!
A Sony (Djavan se refere à gravadora então denominada CBS) veio em seguida, querendo me abrir outros
horizontes. O seu presidente, Thomás Muñoz, me propôs gravar e viver nos Estados Unidos. Eu disse
que gravaria lá, mas que não moraria fora do Brasil. Em março de 82, levando a banda
Sururu de Capote, desembarquei em Los Angeles para gravação do Luz, com a
participação de músicos americanos, ou radicados lá, e o Stevie Wonder. Era
muita coisa num só momento. Quando se abriu a possibilidade de participação do
Stevie, eu já tinha a música certa para recebê-lo: Samurai. Ele chegou para
gravar a bordo de um rolls royce
marrom. Estávamos todos à porta do estúdio pra vê-lo chegar. Foi uma alegria.
Stevie sentou ao piano e começou a tocar a esmo: Cole Porter, Irving Berlin,
Gershwin... Em dado momento, disse: acabei de compor uma nova canção. E começou
a cantar Overjoyed. Em seguida, quis ouvir o que tinha do disco. Tinha tudo,
praticamente. Depois, ouviu Samurai, umas quatro ou cinco vezes, pegou a
harmônica, saiu tocando junto, barbarizou!
O disco seguinte me fez conhecer a ira de muita gente. Lilás trouxe uma sonoridade que estava começando a ser explorada no mundo. Mesmo com a
participação da banda Sururu de Capote, por causa dos teclados, o disco soava
eletrônico. Para quem tinha acabado de fazer um disco semi-acústico tão elogiado,
aquilo era um pecado mortal. Alguns perguntavam o que é que eu estava fazendo
com a minha carreira. Mas, de um ou outro, ouvi dizer que aquele disco trazia
um certo pioneirismo estético, o que me bastou para afastar uma quase rejeição
que pairava sobre a minha cabeça por um trabalho que continha clássicos como Lilás e Esquinas e uma música que me rendeu o mais belo momento de toda
gravação: Obi. Uma boa música, letra bem construída, a Sururu no auge e as
cordas do inglês Jeremy Lubbock. Eram 36
músicos dentro do Sunset Sound (baixos, cellos, violas e violinos). Na hora em
que o maestro baixou o braço, emocionou.
De volta ao Brasil, decidi que o próximo seria gravado aqui.
Entrei em estúdio para gravar Meu lado, no final de 85, somente com músicos
brasileiros. Asa, música que músicos brasileiros e americanos adoram,
simboliza essa fase da minha vida. Esse é um disco de transição. A partir dali,
passei a ocupar mais espaço nas minhas produções, como já disse outras vezes,
para chegar mais rápido onde eu já sei que quero ir.
Em 87, ainda buscando, como até hoje, voltei a Los Angeles para
gravar Não é azul mas é mar. A Sururu de Capote mais uma vez estava ali junto
com Ronnie Foster, Nathan East, Harvey Mason e Greg Phillinganes. Mas o piano que o George Duke tocou em Bouquet foi o que mais me marcou.
O final da década chegou com Oceano deixando-me abismado com tanto
sucesso, mesmo já tendo me encantado durante a gravação com a hiperatividade das
mãos de Paco de Lucia! Como se pode tocar tanto?!
Meio perdido, sem saber o que fazer, comecei a gravar o Coisa de acender. Era meados de 91 e eu só tinha três músicas. Nenhum problema: sempre gostei de compor durante o processo de
gravação. É inspirador. Assim nasceram Boa noite, Se, Linha do Equador com Caetano, Violeiros, Outono e muitas outras. É um disco citado por muita gente como o
preferido.
No disco Novena, quis
fazer da escassez instrumental um trunfo, como tirar o bastante de tão pouco.
Com aqueles músicos, não foi difícil. Fizemos um disco muito bonito.
Os discos Malásia e Bicho solto fecham a década de 90 com meu
entusiasmo pela função de arranjador nas alturas. Coisas de que eu gostava mais,
outras menos, mas já considerava arranjar tão importante quanto compor. Um
deleite.
Foi no ano 2000 que comecei a prestar mais atenção no mercado. O
disco Ao vivo vendeu quatro vezes mais que o meu álbum mais vendido até então
(Luz, 500 mil). As coisas começaram a acontecer entre uma gravadora, ávida por
repetir aquele feito, e eu, para fugir dele. Fui saindo da Sony aos poucos.
Ainda gravei o Milagreiro por lá, disco de que eu gosto tanto. E abri a Luanda.
A ideia era cada vez mais gerir a carreira de modo pessoal e pelo
desafio em si. A remixagem de algumas faixas do disco Vaidade deveu-se ao desejo
de melhorar o que precisava continuar sendo o que sempre foi: níveis de alguns
instrumentos, equalizações, coisas que incomodavam só a mim.
Matizes foi a maior revelação de toda essa operação e o único que
remixei integralmente. Na época, saí desse disco com a sensação de dever não
cumprido. Não administrei bem os problemas que o envolveram e o resultado final
não me satisfez totalmente. Mas, como o tempo urge, o esqueci. Agora, ao
reouvi-lo, logo identifiquei tudo o que precisava ser feito e o disco se revelou
outro - nuanças perdidas deram o ar da graça, arranjos soaram imperativos, vozes
como eu sempre quis ouvir. Que bom!
Finalmente o velho sonho de fazer um disco não autoral
materializa-se com o Ária. A ideia inicial era reeditar a minha fase de crooner
do começo da carreira. Mas havia muito mais: como fazer um disco só com canções
de outros autores ser um disco meu? O que cantar e como? Eu não sabia o que
fazer! Resolvi seguir o instinto. Fui cantarolando as canções, me acomodando a
elas, sentindo o que queriam para continuar lindas como sempre foram. Assim, o
disco saiu.
Todas as preocupações e
dificuldades de quem procura as coisas servem para aumentar a glória alcançada.
Depois de tudo isso, tem-se a impressão de que se justifica dedicar uma vida
inteira à música onde, como um ator, se pode ser outros como eu sempre
sonhei". Djavan
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