Título: Mart'nália em samba! Ao vivo
Artista: Mart'nalia
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * *
♪ Mart'nália fica em casa quando canta samba. Mesmo que seja uma sambista de approach pop, a filha de Martinho da Vila se ambienta em qualquer quintal que dê os frutos saborosos do samba mais tradicional. O que faz com que Mart'nália em samba! Ao vivo seja um título de menor expressão e ambição artística na discografia da cantora e compositora carioca não é a volta ao samba em si, mas a escolha por um caminho mais óbvio. Fica a impressão de que Mart'nália se abrigou em sua casa de bamba - é sintomático o bloco final feito com sucessos de Martinho da Vila e com a participação do compositor, diretor do show - para reconquistar a parte do público afugentada pelo djavaneado último álbum da artista, Não tente compreender (Biscoito Fino, 2012), disco de tonalidade pop que afastou a cantora da cadência bonita do samba. O roteiro do show - captado ao vivo em 30 de maio deste ano de 2014 no Imperator, no Rio de Janeiro (RJ) - se desenvolve em tons de aquarela brasileira. Como se Mart'nália fosse Emílio Santiago (1946 - 2013) - cantor carioca, aliás, celebrado no repertório com as lembranças de Saigon (Cláudio Cartier, Carlão e Paulo César Feital, 1985) e Um dia desses (João Donato e Carlinhos Brown, 2007). O teor de novidade de Mart'nália em samba! é muito baixo, quase se resumindo à participação do rapper paulistano Emicida na gravação ao vivo e às duas faixas-bônus do CD, gravadas em estúdio. Uma é Sinto-lhe dizer, inédito samba-canção de Moska que reitera a contínua inspiração do compositor carioca (no DVD, a música é vista e ouvida em clipe que entrelaça takes de estúdio com trechos da apresentação ao vivo do tema). A outra faixa-bônus, Tem juízo, mas não usa, é samba de Pedro Luís com Lula Queiroga. Esse samba não é inédito, já tendo dado título ao álbum lançado por Queiroga em 2009, mas ganha suingue e vitalidade no registro de Mart'nália, feito com a voz e o violão de Pedro Luís. À vontade na casa da bamba Mart'nália, Emicida põe rap no samba Chiclete com banana (Gordurinha e Almira Castilho, 1959) e dá seu toque social quando faz seu rap Quero ver quarta-feira (2011), lançado há três anos em single gravado com a própria Mart'nália, pesando momentaneamente o clima descontraído. A leveza do canto pop de Mart'nália sempre foi o grande trunfo dessa cantora que nunca primou pela técnica, mas que esbanja charme, personalidade e identidade vocal. Não é diferente neste Mart'nália em samba! porque o canto de Mart'nália contagia já no primeiro número, Peço a Deus (Dida e Dedé da Portela, 1985), iniciado ainda nos bastidores, como se vê na abertura do DVD. Quando a cantora faz caras, bocas e poses para traduzir no gestual o dilema sexual do samba Casa um da vila (Monsueto Menezes e Flora Mattos, 1973), por exemplo, ganha a plateia de cara. Mart'nália parece realmente em casa quando canta samba. Essa espontaneidade natural, moleca, a redime de transitar pelos temas mais batidos de compositores como Noel Rosa (1910 - 1937), de quem Mart'nália faz Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico, 1934) e Ivone Lara, lembrada com medley óbvio que une Mas quem disse que eu te esqueço? (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho, 1981), Acreditar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976) e Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair Carvalho e Jorge Portella, 1981). A banda é afiada, cabendo destacar a largura do baixo de Rodrigo Villa no toque de Avião (1989), samba de Djavan que já fazia parte do roteiro do show Não tente compreender (2012). Enfim, a gravação ao vivo resulta azeitada. Mas Mart'nália pode mais. Quando se afasta do trilho mais previsível, apresentando ao seu público um samba como Carol ou Clarisse (Rodrigo Lampreia e Beto Landau, 2012), pescado no repertório do duo carioca Benditos, Mart'nália faz jus à fama da cantora mais ambiciosa artisticamente que conquistou o Brasil com grandes álbuns como Pé do meu samba (Natasha Records, 2002), Menino do Rio (Biscoito Fino, 2005), Madrugada (Biscoito Fino, 2008) e o próprio Não tente compreender. Resta torcer para que a artista saia dessa sua confortável casa de bamba ao gravar o próximo disco de estúdio.
3 comentários:
♪ Mart'nália fica em casa quando canta samba. Mesmo que seja uma sambista de approach pop, a filha de Martinho da Vila se ambienta em qualquer quintal que dê os frutos saborosos do samba mais tradicional. O que faz com que Mart'nália em samba! Ao vivo seja um título de menor expressão e ambição artística na discografia da cantora e compositora carioca não é a volta ao samba em si, mas a escolha por um caminho mais óbvio. Fica a impressão de que Mart'nália se abrigou em sua casa de bamba - é sintomático o bloco final feito com sucessos de Martinho da Vila e com a participação do compositor, diretor do show - para reconquistar a parte do público afugentada pelo djavaneado último álbum da artista, Não tente compreender (Biscoito Fino, 2012), disco de tonalidade pop que afastou a cantora da cadência bonita do samba. O roteiro do show - captado ao vivo em 30 de maio deste ano de 2014 no Imperator, no Rio de Janeiro (RJ) - se desenvolve em tons de aquarela brasileira. Como se Mart'nália fosse Emílio Santiago (1946 - 2013) - cantor carioca, aliás, celebrado no repertório com as lembranças de Saigon (Cláudio Cartier, Carlão e Paulo César Feital, 1985) e Um dia desses (João Donato e Carlinhos Brown, 2007). O teor de novidade de Mart'nália em samba! é muito baixo, quase se resumindo à participação do rapper paulistano Emicida na gravação ao vivo e às duas faixas-bônus do CD, gravadas em estúdio. Uma é Sinto-lhe dizer, inédito samba-canção de Moska que reitera a contínua inspiração do compositor carioca (no DVD, a música é vista e ouvida em clipe que entrelaça takes de estúdio com trechos da apresentação ao vivo do tema). A outra faixa-bônus, Tem juízo, mas não usa, é samba de Pedro Luís com Lula Queiroga. Esse samba não é inédito, já tendo dado título ao álbum lançado por Queiroga em 2009, mas ganha suingue e vitalidade no registro de Mart'nália, feito com a voz e o violão de Pedro Luís. À vontade na casa da bamba Mart'nália, Emicida põe rap no samba Chiclete com banana (Gordurinha e Almira Castilho, 1959) e dá seu toque social quando faz seu rap Quero ver quarta-feira (2011), lançado há três anos em single gravado com a própria Mart'nália, pesando momentaneamente o clima descontraído. A leveza do canto pop de Mart'nália sempre foi o grande trunfo dessa cantora que nunca primou pela técnica, mas que esbanja charme, personalidade e identidade vocal. Não é diferente neste Mart'nália em samba! porque o canto de Mart'nália contagia já no primeiro número, Peço a Deus (Dida e Dedé da Portela, 1985), iniciado ainda nos bastidores, como se vê na abertura do DVD. Quando a cantora faz caras, bocas e poses para traduzir no gestual o dilema sexual do samba Casa um da vila (Monsueto Menezes e Flora Mattos, 1973), por exemplo, ganha a plateia de cara. Mart'nália parece realmente em casa quando canta samba.
Essa espontaneidade natural, moleca, a redime de transitar pelos temas mais batidos de compositores como Noel Rosa (1910 - 1937), de quem Mart'nália faz Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico, 1934) e Ivone Lara, lembrada com medley óbvio que une Mas quem disse que eu te esqueço? (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho, 1981), Acreditar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976) e Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair Carvalho e Jorge Portella, 1981). A banda é afiada, cabendo destacar a largura do baixo de Rodrigo Villa no toque de Avião (1989), samba de Djavan que já fazia parte do roteiro do show Não tente compreender (2012). Enfim, a gravação ao vivo resulta azeitada. Mas Mart'nália pode mais. Quando se afasta do trilho mais previsível, apresentando ao seu público um samba como Carol ou Clarisse (Rodrigo Lampreia e Beto Landau, 2012), pescado no repertório do duo carioca Benditos, Mart'nália faz jus à fama da cantora mais ambiciosa artisticamente que conquistou o Brasil com grandes álbuns como Pé do meu samba (Natasha Records, 2002), Menino do Rio (Biscoito Fino, 2005), Madrugada (Biscoito Fino, 2008) e o próprio Não tente compreender. Resta torcer para que a artista saia dessa sua confortável casa de bamba ao gravar o próximo disco de estúdio.
É a famosa zona de conforto, que historicamente destruiu a carreira de vários artistas.
Mas é aquela velha pergunta. Não é assim que o público quer? Não isso que vem levado outras cantoras a fugir de qualquer tipo de ousadia?
abração,
Denilson
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