Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Romulo Fróes prepara disco sobre Cavaquinho e reedita 'Calado' em vinil

Enquanto se prepara para lançar em 2015 disco com abordagens de músicas do compositor carioca Nelson Cavaquinho (1911-1986), gravado desde novembro de 2014, o cantor e compositor paulistano Romulo Fróes - dono de obra que é uma das mais perfeitas traduções dos sons de Sampa no século XXI - reedita seu primeiro álbum, Calado, lançado em 2004 pelo selo Bizarre Music, no formato de vinil. Dez anos após seu lançamento, Calado chega ao vinil já com status de ter sido a pedra fundamental na construção de uma das discografias mais relevantes da cena musical contemporânea brasileira - como conceitua e contextualiza com precisão o jornalista e produtor musical Marcus Preto em texto escrito para a contracapa da reedição em vinil de Calado:

"Já não é mais possível falar na música popular produzida em São Paulo, em qualquer época, sem passar pela obra de Romulo Fróes. O artista lança álbuns há dez anos e, desde então, vem desenhando uma maneira bem particular de traduzir em música, letra e arranjos as idiossincrasias dessa cidade ao resto do mundo.

Paulista tem disso: não vê muito sentido em contemplação pura. As narrativas ganham mais valor quando vêm encobertas por espinhos, arestas e sujeira. Aprende-se esse caminho enviesado de pequeno, com a beleza e com a feiura da cidade. E também se entende logo que uma coisa e outra – beleza e feiura – trocam de lugar o tempo todo, se espelham, se misturam e se completam.

Romulo é hoje um dos artistas mais radicais dessa escola. Não seria à toa que seu álbum de dez anos de carreira se chama Barulho feio. Mas tal vocação estava toda prevista em Calado (2004), seu já clássico álbum de estreia – justamente esse que você tem agora nas mãos na edição em vinil. É, sem dúvida, uma das pedras fundamentais do que chamamos hoje de “nova música brasileira”.

Lançado originalmente pelo Bizarre Music, selo ligado à cena indie (essa palavra fazia sentido em 2004) da cidade, o disco era uma reação paulista à geração carioca que então revitalizava o samba, sobretudo na Lapa. E “reação” é a palavra exata, já que Romulo jogava pedregulhos pelo caminho do ouvinte, dificultando a dança, entortando de um lado da Dutra o que, do outro, era quase sempre macio e aconchegante como um travesseiro de plumas de ganso.

Segundo a visão que se tinha àquela altura, Romulo usava procedimentos “de rock” para fazer música popular brasileira em seu estado mais tradicional – ou, ao menos, partindo de seus cânones, como o samba, Nelson Cavaquinho, Batatinha etc. Em 2004, um paulistano “descolado”, urbano, branco e de classe média que tocasse samba era visto como um deslocado, um proscrito, um exilado do tempo e do espaço. O lugar pra esse tipo de personagem era o universo do rock – de preferência cantando em inglês – ou o da música eletrônica. Foi fundamental para a geração que atua hoje em São Paulo que Romulo tenha ajudado a embaralhar esses contextos.

Por todas essas, Calado é um disco tão importante. Ele abriu caminho também para o som ainda mais radical que, meia dúzia de anos depois, o próprio Romulo faria com seus pares Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral, Thiago França, Juçara Marçal e todos os outros entortadores paulistanos do samba. E a muitos outros entortadores, de todos os cantos do país, que estão por vir". Marcus Preto

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ Enquanto se prepara para lançar em 2015 disco com abordagens de músicas do compositor carioca Nelson Cavaquinho (1911-1986), gravado desde novembro de 2014, o cantor e compositor paulistano Romulo Fróes - dono de obra que é uma das mais perfeitas traduções dos sons de Sampa no século XXI - reedita seu primeiro álbum, Calado, lançado em 2004 pelo selo Bizarre Music, no formato de vinil. Dez anos após seu lançamento, Calado chega ao vinil já com status de ter sido a pedra fundamental na construção de uma das discografias mais relevantes da cena musical contemporânea brasileira - como conceitua e contextualiza com precisão o jornalista e produtor musical Marcus Preto em texto escrito para a contracapa da reedição em vinil de Calado:

"Já não é mais possível falar na música popular produzida em São Paulo, em qualquer época, sem passar pela obra de Romulo Fróes. O artista lança álbuns há dez anos e, desde então, vem desenhando uma maneira bem particular de traduzir em música, letra e arranjos as idiossincrasias dessa cidade ao resto do mundo.

Paulista tem disso: não vê muito sentido em contemplação pura. As narrativas ganham mais valor quando vêm encobertas por espinhos, arestas e sujeira. Aprende-se esse caminho enviesado de pequeno, com a beleza e com a feiura da cidade. E também se entende logo que uma coisa e outra – beleza e feiura – trocam de lugar o tempo todo, se espelham, se misturam e se completam.

Romulo é hoje um dos artistas mais radicais dessa escola. Não seria à toa que seu álbum de dez anos de carreira se chama Barulho feio. Mas tal vocação estava toda prevista em Calado (2004), seu já clássico álbum de estreia – justamente esse que você tem agora nas mãos na edição em vinil. É, sem dúvida, uma das pedras fundamentais do que chamamos hoje de “nova música brasileira”.

Lançado originalmente pelo Bizarre Music, selo ligado à cena indie (essa palavra fazia sentido em 2004) da cidade, o disco era uma reação paulista à geração carioca que então revitalizava o samba, sobretudo na Lapa. E “reação” é a palavra exata, já que Romulo jogava pedregulhos pelo caminho do ouvinte, dificultando a dança, entortando de um lado da Dutra o que, do outro, era quase sempre macio e aconchegante como um travesseiro de plumas de ganso.

Segundo a visão que se tinha àquela altura, Romulo usava procedimentos “de rock” para fazer música popular brasileira em seu estado mais tradicional – ou, ao menos, partindo de seus cânones, como o samba, Nelson Cavaquinho, Batatinha etc. Em 2004, um paulistano “descolado”, urbano, branco e de classe média que tocasse samba era visto como um deslocado, um proscrito, um exilado do tempo e do espaço. O lugar pra esse tipo de personagem era o universo do rock – de preferência cantando em inglês – ou o da música eletrônica. Foi fundamental para a geração que atua hoje em São Paulo que Romulo tenha ajudado a embaralhar esses contextos.

Por todas essas, Calado é um disco tão importante. Ele abriu caminho também para o som ainda mais radical que, meia dúzia de anos depois, o próprio Romulo faria com seus pares Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral, Thiago França, Juçara Marçal e todos os outros entortadores paulistanos do samba. E a muitos outros entortadores, de todos os cantos do país, que estão por vir". Marcus Preto