quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

'Yorimatã' foca natureza das escolhas de Luhli e Lucina na espiral da vida

Resenha de documentário musical
Título: Yorimatã
Argumento e direção: Rafael Saar
Elenco: Luhli e Lucina (com convidados como Gilberto Gil, Joyce Moreno e Ney
              Matogrosso)
Cotação: * * * 1/2
Filme com estreia nos cinemas prevista para 2015

Ao contar no documentário Yorimatã a história incomum de Luhli & Lucina, dupla que rompeu padrões musicais e comportamentais nos anos 1970, o cineasta Rafael Saar optou por focar as cantoras e compositoras com naturalidade, sem jamais pesar a mão em temas que sempre foram simples para as protagonistas do filme, por ora exibido somente no circuito de festivais e mostras de cinema. De início lenta, a narrativa primeiramente situa Heloísa Orosco Borges da Fonseca - a carioca Luli, que alterou seu nome artístico para Luhli nos anos 1990 - e Lúcia Helena Carvalho e Silva - a mato-grossense Lucina, que já foi Lucelena na década de 1960 e Lucinha de 1972 a 1982 - em seu habitat, a mãe natureza, que pariu um cancioneiro propagado em escala nacional na voz de Ney Matogrosso, intérprete original de temas como O vira (parceria de Luli com João Ricardo, 1973), Pedra de rio (1975) e Bandolero (1978). Imagens de rios, matas e do nascer do sol povoam essas cenas iniciais em que se ouve e vê as cantoras darem vozes às músicas Yorimatã okê aruê e Pois é, lançadas pela dupla em seu primeiro álbum, um dos pioneiros títulos brasileiros da produção fonográfica independente. Quando o espectador já começa a se habituar ao ritmo vagaroso de Yorimatã, apropriado para focar cantoras e compositoras que sempre caminharam no seu próprio passo e no ritmo de sua música, alheias às pressões e tensões urbanas, o roteiro começa a puxar o fio da meada, em ordem cronológica, para situar Luhli & Lucina no tempo e no espaço da música popular brasileira. É quando o filme engrena, misturando passado e presente. O passado é retratado através de valiosas imagens do cotidiano da dupla, captadas em Super-8 pelo fotógrafo Luiz Fernando Borges da Fonseca, companheiro simultâneo de Luhli e Lucina, morto em 1990, vítima de câncer. O presente é enfocado através dos depoimentos das protagonistas dessa história única e dos reencontros de Luhli & Lucina com nomes como Joyce Moreno e Gilberto Gil. Com Joyce, o papo faz sentido pelo fato de Luhli & Lucina terem feito uma música, Doçura forte, para a colega carioca. Gravada por Joyce no álbum Água e luz (EMI-Odeon, 1981), Doçura forte é ouvida no filme no encontro em que entra em pauta o pioneirismo de Joyce na adoção de discurso feminino na música brasileira. Já o papo com Gil - ilustrado ao som de Cantei com o baiano, música gravada pela dupla no álbum Por que sim Por que não? (Leblon Records, 1991) - resulta mais vago, com elogios genéricos de Gil. Com Ney Matogrosso, intérprete mais identificado com a ideologia libertária da dupla, o reencontro gera nova abordagem de Pedra de rio. Contudo, são os depoimentos retrospectivos de Luhli e Lucina que costuram o roteiro, de forma bem amarrada, e que situam o espectador que por ventura desconheça a opção das cantoras por viverem, a três, com Luiz Fernando, um sonho hippie, materializado em sítio à beira-mar localizado em Filgueiras, na cidade fluminense de Mangaratiba (RJ). Lá, cresceram nos anos 1970 os filhos (dois de Luhli e dois de Lucina, todos com Luiz Fernando), a obra (inspirada pela natureza e pelo cotidiano simples) e a certeza de que era viável um novo estilo de vida. "O escândalo da nossa história foi amor", resume Luhli, adolescente tímida salva pelo gongo do violão. Luhli conheceu Luiz Fernando em 1963 e casou com ele em 1977. Antes somente amiga de Luhli, Lucina entrou na história (de amor) somente nos anos 1970, pagando preço alto pela liberdade de viver um casamento a três, como a própria Lucina conta em cena que quebra a atmosfera de encantamento romântico na qual se ambienta Yorimatã, filme batizado com o nome do álbum lançado em 1982 pela dupla. "Nós nos cruzamos na espiral da vida", sintetiza Luhli. Ao focar com naturalidade as escolhas de Luhli e Lucina nessa espiral da vida, Rafael Saar fez um filme sensível, delicado, entranhado na mãe natureza e embebido do espírito indomado do cancioneiro dessas cantoras, compositoras e multi-instrumentistas que bateram seus tambores para chamar o vento da liberdade na música e na vida.

3 comentários:

  1. ♪ Ao contar no documentário Yorimatã a história incomum de Luhli & Lucina, dupla que rompeu padrões musicais e comportamentais nos anos 1970, o cineasta Rafael Saar optou por focar as cantoras e compositoras com naturalidade, sem jamais pesar a mão em temas que sempre foram simples para as protagonistas do filme, por ora exibido somente no circuito de festivais e mostras de cinema. De início lenta, a narrativa primeiramente situa Heloísa Orosco Borges da Fonseca - a carioca Luli, que alterou seu nome artístico para Luhli nos anos 1990 - e Lúcia Helena Carvalho e Silva - a mato-grossense Lucina, que já foi Lucelena na década de 1960 e Lucinha de 1972 a 1982 - em seu habitat, a mãe natureza, que pariu um cancioneiro propagado em escala nacional na voz de Ney Matogrosso, intérprete original de temas como O vira (parceria de Luli com João Ricardo, 1973), Pedra de rio (1975) e Bandolero (1978). Imagens de rios, matas e do nascer do sol povoam essas cenas iniciais em que se ouve e vê as cantoras darem vozes às músicas Yorimatã okê aruê e Pois é, lançadas pela dupla em seu primeiro álbum, um dos pioneiros títulos brasileiros da produção fonográfica independente. Quando o espectador já começa a se habituar ao ritmo vagaroso de Yorimatã, apropriado para focar cantoras e compositoras que sempre caminharam no seu próprio passo e no ritmo de sua música, alheias às pressões e tensões urbanas, o roteiro começa a puxar o fio da meada, em ordem cronológica, para situar Luhli & Lucina no tempo e no espaço da música brasileira. É quando o filme engrena, misturando passado e presente. O passado é retratado através de valiosas imagens do cotidiano da dupla, captadas em Super-8 pelo fotógrafo Luiz Fernando Borges da Fonseca, companheiro simultâneo de Luhli e Lucina, morto em 1990, vítima de câncer. O presente é enfocado através dos depoimentos das protagonistas dessa história única e dos reencontros de Luhli & Lucina com nomes como Joyce Moreno e Gilberto Gil. Com Joyce, o papo faz sentido pelo fato de Luhli & Lucina terem feito uma música, Doçura forte, para a colega carioca. Gravada por Joyce no álbum Água e luz (EMI-Odeon, 1981), Doçura forte é ouvida no filme no encontro em que entra em pauta o pioneirismo de Joyce na adoção de discurso feminino na música brasileira. Já o papo com Gil - ilustrado ao som de Cantei com o baiano, música gravada pela dupla no álbum Por que sim Por que não? (Leblon Records, 1991) - resulta mais vago, com elogios genéricos de Gil. Com Ney Matogrosso, intérprete mais identificado com a ideologia libertária da dupla, o reencontro gera nova abordagem de Pedra de rio. Contudo, são os depoimentos retrospectivos de Luhli e Lucina que costuram o roteiro, de forma bem amarrada, e que situam o espectador que por ventura desconheça a opção das cantoras por viverem, a três, com Luiz Fernando, um sonho hippie, materializado em sítio à beira-mar localizado em Filgueiras, na cidade fluminense de Mangaratiba (RJ). Lá, cresceram nos anos 1970 os filhos (dois de Luhli e dois de Lucina, todos com Luiz Fernando), a obra (inspirada pela natureza e pelo cotidiano simples) e a certeza de que era viável um novo estilo de vida. "O escândalo da nossa história foi amor", resume Luhli, adolescente tímida salva pelo gongo do violão. Luhli conheceu Luiz Fernando em 1963 e casou com ele em 1977. Antes somente amiga de Luhli, Lucina entrou na história (de amor) somente nos anos 1970, pagando preço alto pela liberdade de viver um casamento a três, como a própria Lucina conta em cena que quebra a atmosfera de encantamento romântico na qual se ambienta Yorimatã, filme batizado com o nome do álbum lançado em 1982 pela dupla. "Nós nos cruzamos na espiral da vida", sintetiza Luhli. Ao focar com naturalidade as escolhas de Luhli e Lucina nessa espiral da vida, Rafael Saar fez um filme sensível, delicado, entranhado na mãe natureza e embebido do espírito indomado do cancioneiro dessas cantoras, compositoras e multi-instrumentistas que bateram seus tambores para chamar o vento da liberdade na música e na vida.

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  2. A forma como o diretor Rafael Saar encontrou para entremear histórias do passado com cenas do presente foi maravilhosa.

    Belíssimo documentário. Fundamental de ser assistido, principalmente por quem nasceu nesses tempos tão caretas e retrógados.

    abração,
    Denilson

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  3. Que maravilha! Vou ficar de olho para as datas de exibição aqui em SP, pois tudo da Luhli e Lucina me interessa! Aliás eu não sei o que as gravadoras estão esperando para relançar os discos em CD Remasterizados, com capa, som limpo e tudo bonitinho. Até por que são poucos discos, mesmo considerando a carreira solo da Lucina. Alô Aô Discobertas e Joia moderna!!! Queremos Luhli e Lucina em CD!

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