Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


terça-feira, 31 de março de 2015

Retrô 1º trimestre de 2015: Mais do que discos, shows marcam início do ano

RETROSPECTIVA 1º TRIMESTRE DE 2015 - Com o disco cada vez mais banalizado como produto, sendo oferecido de graça por artistas independentes em busca de público e visibilidade, o primeiro trimestre de 2015 sai hoje de cena com a sensação de que houve mais álbuns e singles do que ouvintes interessados e/ou dispostos a escutá-los com a devida atenção. Tanto que parece ter faltado um disco que arrebatou e rompeu nichos de mercado nestes três primeiros meses do ano. Na seara fonográfica, a cantora paraibana Elba Ramalho se destacou com um de seus melhores e mais arrojados álbuns, Do meu olhar pra fora, arremessado no (que sobrou do) mercado neste mês de março pela mesma Coqueiro Verde Records que lançou o segundo (excelente) álbum do cantor e compositor carioca Jonas Sá, BLAM! BLAM! (Coqueiro Verde / Pommelo / Rockit!), disco cheio de testosterona que fez barulho nos ouvidos mais antenados ao unir sexo, suingue negro e eletrônica. No rastro dos elogios unânimes colhidos pela produção do segundo álbum de Alice Caymmi (cantora que quase deu tiro no próprio pé ao tirar o foco de seu grande disco com a edição de single carnavalesco fora de hora), Diogo Strausz mostrou habilidade e progresso em primeiro álbum solo, Spectrum vol. 1 (Independente), que merecia ter sido mais ouvido, comentado e elogiado ao ser lançado em janeiro. Da mesma forma, o bom álbum em que Chitãozinho & Xororó trazem as músicas de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) para seu universo sertanejo - Tom do sertão (Universal Music), também lançado em janeiro - também merecia menções mais honrosas. Em fevereiro, a paulistana Andreia Dias viajou ao fundo de tempos nublados da obra inicial de Rita Lee em disco, Prisioneira do amor (Joia Moderna), em que o maior mérito parece ter sido do produtor Tim Bernardes. Em março, Seu Jorge acertou novamente o ponto da carne em Músicas para churrasco II, álbum de suingue mais diversificado, com doses bem temperadas de samba, soul e funky-pop-disco. De olho no retrovisor, a reboque de indústria habituada a revitalizar discos e sucessos do passado, o trio carioca Paralamas do Sucesso e o cantor e compositor carioca Paulinho da Viola lançaram caixas que reiteraram a coerência que pauta suas respectivas discografias. Já o tempo presente sinaliza futuros discos com cacife para diluir a apatia do ouvinte. Chegarão, ao longo do ano, álbuns inéditos de Fafá de Belém (produzido por Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro para a gravadora Joia Moderna), Filipe Catto, Gal Costa (Estratosférica, previsto para maio via Sony Music), Ná Ozzetti (dois discos, um calcado na modernidade do grupo Passo Torto e outro baseado na tradição de José Miguel Wisnik), Roberta Sá, Tulipa Ruiz e Zeca Pagodinho, entre outros nomes. Mas o fato é que, neste primeiro trimestre de 2105, os shows soaram (bem) mais marcantes e memoráveis do que os discos. Números antológicos ficarão nas retinas de espectadores privilegiados. Sob a direção artística de J. Velloso e Marcus Preto, Gal Costa - em foto de Rodrigo Goffredo - fez o show mais arrojado do trimestre. Já forte candidato a melhor show do ano, Ela disse-me assim - Canções de Lupicínio Rodrigues oxigenou o coração magoado do compositor gaúcho Lupícínio Rodrigues (1914 - 1974), deixando especialmente na memória o número em que cantora clama aos santos e demônios sua arrebatadora Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951). Fiel ao seu drama, Maria Bethânia também baixou forte no seu habitual terreiro com o (con)sagrado show comemorativo de seus 50 anos de carreira, Abraçar e agradecer. A interpretação apoteótica de Non, je ne regrette rien (Charles Dumont e Michael Vaucaire, 1956) foi veículo para reiteração de princípios e escolhas da cantora-orixá. Também em linha teatral, a cantora e atriz paranaense Simone Mazzer ganhou maior visibilidade com a edição de seu primeiro disco solo, Férias em videotape (Dubas Música, 2014), e a estreia do show homônimo, que veio à cena no Rio de Janeiro (RJ) com Caetano Veloso na entusiasmada plateia. Antes de o sucesso de Mazzer dar sinais de que o império cool pode começar a ruir, Thiago Pethit também brilhou ao se jogar - inclusive literalmente, na plateia - no seu libidinoso show Rock'n'roll sugar darling. Enfim, a música brasileira continua vívida, em nichos, sem um som que aglutine o país em torno de um disco ou artista. Mas com gana de continuar na história. Com cada artista no seu quadrado (do seu palco), o pulso ainda pulsou, ressuscitando mortos como Wilson Simonal (1938 - 2000) em musicais. E que venha já o segundo trimestre de 2015!

Eis a capa (e a contracapa) do DVD que Lulu vai lançar em abril via Sony

Esta é a capa (e a contracapa) do DVD Toca + Lulu ao vivo. O DVD e o CD homônimo chegam ao mercado fonográfico a partir de 17 de abril de 2015, em edição da Sony Music. Ambos registram apresentações feitas pelo cantor e compositor carioca na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro (RJ), nas madrugadas de 4 e 5 de outubro de 2014. Além de 21 números do show, o DVD exibirá nos extras os clipes das faixas SVD (Segue de volta?) (2014) - primeira parceria de Lulu com Dadi Carvalho - e Fogo amigo (Lulu Santos, 2014), além de making of. Eis - na ordem do DVD - as 21 músicas perpetuadas na gravação ao vivo do show da bem-sucedida turnê Toca Lulu:

1. Toda forma de amor (Lulu Santos, 1988) 
2. Um certo alguém (Lulu Santos e Ronaldo Bastos, 1983) 
3. O último romântico (Lulu Santos, Sérgio Souza e Antônio Cícero, 1984)
4. Condição (Lulu Santos, 1986)
5. Tudo azul (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984)
6. A cura (Lulu Santos, 1988)
7. Apenas mais uma de amor (Lulu Santos, 1992)
8. Sócio do amor (Lulu Santos, 2014)
9. Um pro outro (Lulu Santos, 1986)
10. Sábado à noite (Lulu Santos, 1998)
11. Já é! (Lulu Santos, 2003)
12. Aviso aos navegantes (Lulu Santos, 1996)
13. Assim caminha a humanidade (Lulu Santos, 1994)
14. Sereia (Lulu Santos e Nelson Motta, 1983) 
15. De repente Califórnia (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982) 
16. Como uma onda (Zen Surfismo) (Lulu Santos e Nelson Motta, 1983)
17. Luiz Maurício (Lulu Santos, 2014)
18. Certas coisas (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984)
19. Tão bem (Lulu Santos, 1984)
20. Casa (Lulu Santos, 1986)
21. Tempos modernos (Lulu Santos, 1982)

Caixa de Djavan faz jus a Disco de Ouro pela venda de duas mil unidades

A gravadora Sony Music divulgou hoje, 31 de março de 2015, que a caixa Djavan - Obra completa de 1976 a 2010 já fez jus a um Disco de ouro, de acordo com as atuais regras da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD). Na realidade, a caixa - lançada em novembro de 2014 com reedições de 18 álbuns de Djavan e duas compilações com gravações avulsas do cantor e compositor alagoano - teve duas mil unidades vendidas, de acordo com a companhia fonográfica. Só que, como a caixa embala 20 CDs, essas duas mil cópias totalizam 40 mil CDs vendidos - o que já garantiu ao produto um status de Disco de ouro, atestado em certificado emitido pela APBD - em 11 de março de 2015 - e alardeado pela Sony no quadro acima.

Seu Jorge acerta de novo o ponto do churrasco com temperos adicionais

Resenha de CD
Título: Músicas para churrasco II
Artista: Seu Jorge
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * *

O sabor é praticamente o mesmo de quatro anos atrás. Mas há sutis temperos adicionais na nova fornada das músicas para churrasco oferecidas por Seu Jorge no álbum lançado hoje, 31 de março de 2015, em edição da gravadora Universal Music, com capa (de Vik Muniz) que alude aos anúncios de carne nos açougues e nos supermercados. O falsete experimentado em Papo reto (Seu Jorge, Rogê e Gabriel Moura) - música em que o cantor e compositor carioca manda recado direto para homens que tratam suas mulheres como cachorras - é um desses temperos. A setentista levada festiva em tom funky disco de Everybody let's go - parceria de Jorge com Tattá Spalla que fecha o CD Músicas para churrasco II com letra em português, apesar de o verso-refrão-título do tema ser em inglês - é outro. Há ainda o acento neosoul da balada r & b Tá em tempo (Seu Jorge, Pretinho da Serrinha, Rogê e Gabriel Moura), biscoito mais fino. Mas, em essência, o sabor popular do disco produzido por Jorge com Mario Caldato Jr. é o mesmo do antecessor Músicas para churrasco vol. 1 (Universal Music, 2011). Por isso mesmo, músicas como Faixa de contorno (Seu Jorge, Pretinho da Serrinha, Rogê e Gabriel Moura) e Motoboy (Seu Jorge, Pretinho da Serrinha, Rogê e Gabriel Moura) - faixa não por acaso eleita o primeiro single do álbum - até soam repetitivas numa primeira audição. Não está tudo dominado pelo samba no território de Músicas para churrasco II. Mas o samba está lá, com seu balanço herdeiro do legado do mestre Jorge Ben Jor. Às vezes até explicitado como na cadência bonita do samba para qual evolui Mina feia (Seu Jorge, Pretinho da Serrinha, Rogê e Gabriel Moura), faixa em que, ao fim, Jorge repete à exaustão o verso "A beleza está dentro de você". Com dez músicas inéditas compostas por Jorge com parceiros como os recorrentes Gabriel Moura (colega dos tempos do grupo Farofa Carioca), Pretinho da Serrinha e Rogê, Músicas para churrasco II fala - como o primeiro volume da trilogia - a língua do povo. Com linguagem simples, as letras das músicas vão direto ao ponto, mandando papo reto para os habitantes das comunidades, o público que forma a chamada classe C. Todo mundo vai entender o problema exposto em Ela é bipolar (Seu Jorge, Adriano Trindade, Rodrigo Tavares e Gabriel Moura), faixa que abre o disco com alta dose de eletrônica. Dentro dessa simplicidade, Jorge dá até toques mais profundos do que aparentam versos como "O samba pegando fogo / O churrasco tá bombando / Ela pensa estar curtindo / Mas na verdade não tá", ouvidos na letra de Na verdade não tá (Seu Jorge, Rogê e Gabriel Moura). Já Babydoll (Seu Jorge, Gabriel Moura, Sidão Santos e Tattá Spalla) explicita tensão sexual na letra de clima noturno. Mas o clima do álbum é de festa, como mostra Felicidade (Seu Jorge, Pretinho da Serrinha, Gabriel Moura e Leandro Fab), música que evoca o balanço pop funk do cancioneiro de Tim Maia (1942 - 1998). Com o som chique de Seu Jorge, a animação do churrasco está garantida.

Jota Quest convida Natiruts para visitar sua cidade do reggae em single

Quarto single promocional do melhor álbum do Jota Quest, Funky funky boom boom (Sony Music, 2013), Reggae town (Márcio Buzelin, Marco Túlio Lara, Paulinho Fonseca, PJ e Rogério Flausino) ganhou a adesão do Natiruts em single já em rotação no canal oficial do grupo mineiro no YouTube. A adição da voz de Alexandre Carlo e da guitarra Kiko Peres - integrantes do grupo brasiliense de reggae - manteve em essência a pulsação original da música, que embute na levada do reggae um discurso feito com a prosódia do rap.  O single Reggae town está à venda no iTunes.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Álbum 'Ná e Zé' celebra os 30 anos da união musical de Ozzetti e Wisnik

Álbum que celebra os 30 anos da união musical de Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik, cujos caminhos se cruzaram em 1985 quando a cantora paulistana interpretou Louvar (José Miguel Wisnik e Cacaso) no casamento do compositor paulista com Laura Vinci, Ná e Zé tem lançamento agendado para abril de 2015 em edição da Circus Produções. Produzido por Márcio Arantes entre 3 de outubro de 2014 e 2 de fevereiro de 2015, sob a direção artística dos artistas, Ná e Zé vai estar disponível nas plataformas digitais a partir de 3 de abril. Uma edição física em CD está programada para chegar às lojas a partir de 19 de abril. Gravado com intervenções de nomes como os dos paulistanos Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci, o repertório contabiliza 14 músicas compostas por Wisnik entre 1978 e 2014. Algumas - como A noite (feita em 1981 por Wisnik em parceria com Paulo Neves), Alegre cigarra (também composta por Wisnik em parceria com Paulo Neves, em 1979), Noturno do Mangue (tema de peça de 1994), Sinal de batom (primeira parceria de Wisnik com Alice Ruiz, de 1988) e Sim, sei bem (1989) - eram até então inéditas em disco. Outras - como Subir mais (José Miguel Wisnik e Paulo Leminski, 1989) e Som e fúria (José Miguel Wisnik e Paulo Neves, 1992) - foram registradas por Wisnik em seu primeiro álbum, lançado em 1993. Há também músicas já gravadas por Ná em seus discos, sobretudo em seu primeiro álbum solo, casos de A olhos nus (1978) e Orfeu (1982). Teresa Maita assina o projeto gráfico de Ná e Zé.

Terceiro álbum de Pedro Miranda tem faixa com Caetano e samba de Babão

A IMAGEM DO SOM - Postada no Facebook, a foto flagra Caetano Veloso com o cantor, compositor e ritmista carioca Pedro Miranda em estúdio da cidade do Rio de Janeiro (RJ). O artista baiano participa do terceiro álbum solo de Miranda, ex-integrante do Grupo Semente. Caetano figura na regravação do samba A razão dá-se a quem tem (Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves, 1933). Idealizado com o título de Samba original, o álbum que sucede Pimenteira (Independente, 2009) - disco elogiado publicamente por Caetano, aliás - está em fase de produção desde 2013 e tem lançamento previsto para este ano de 2015. No disco, Miranda faz conexões com músicos como o guitarrista Pedro Sá - integrante da BandaCê, atual banda de Caetano - e o baterista Domenico Lancellotti. O repertório do álbum também inclui Lola Crioula (1970), samba do compositor carioca Geraldo Babão (1926 - 1988).

Além de parceria com Moska, Catto põe inédita de Marina no álbum 'Tomada'

Música lançada por sua compositora Marina Lima em shows, em 2013, mas ainda inédita em disco, Partiu integra o repertório do segundo álbum de estúdio de Filipe Catto, Tomada. Com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano de 2015, o disco - produzido por Alexandre Kassin - também inclui no repertório a primeira parceria de Catto com Moska. A música se chama Depois de amanhã e está disponível na web desde julho de 2014 em gravação feita pelo cantor gaúcho radicado em São Paulo (SP)  - em foto do Canal Brasil -  para o projeto Studio 62. CD deve sair em setembro.

Elba lança seu 33º álbum, 'Do meu olhar pra fora', editado via Coqueiro Verde

Com 12 músicas, selecionadas entre as cerca de 20 gravadas com produção de Luã Mattar e Yuri Queiroga, o 33º álbum da discografia oficial de Elba Ramalho, Do meu olhar pra fora, já está disponível no mercado fonográfico brasileiro com distribuição da Coqueiro Verde Records. A convite da cantora e da gravadora, o editor de Notas Musicais, Mauro Ferreira, assina o texto que apresenta o disco aos críticos e aos formadores de opinião. Trata-se do release, no jargão da imprensa. Eis o texto:

A visão livre de Elba Ramalho nos caminhos da música

Em um de seus melhores e mais arrojados discos, Do meu olhar pra fora, cantora exterioriza humanismo positivista com som pop contemporâneo formatado pelos produtores Luã Mattar e Yuri Queiroga

“O meu andar pelo mundo
É um andar bem profundo
Vai onde tem um forró
Uma alegria, uma dança
Meu coração não se cansa
De uma festa encontrar...”

Os versos iniciais da primeira das 12 músicas do 33º álbum da discografia oficial de Elba Ramalho, Do meu olhar pra fora, sintetizam a caminhada desta grande cantora do Brasil. Intitulada Olhando o coração, a música é uma parceria inédita de Dominguinhos (1941 – 2013) com Climério Ferreira que parece feita sob medida para o canto valente da Leoa do Norte. Olhando o coração é um perfeito cartão de visitas para introduzir este disco que marca a estreia de Elba na gravadora Coqueiro Verde Records. O acordeom de Rafael Meninão se harmoniza com as batidas eletrônicas do DJ Dolores e com os pífanos de Dirceu Leite num arranjo que remete ao balanço de ritmos como xote e baião com pegada pop contemporânea.

Mantida na pressão, essa sonoridade pop contemporânea é mérito do carioca Luã Mattar e do pernambucano Yuri Queiroga, os dois produtores que formataram Do meu olhar pra fora no estúdio Gigante de pedra, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Fruto da união de Elba com o ator e cantor Maurício Mattar, Luã cresceu e agora aparece como um produtor antenado, cheio de jovialidade e de  informações cruzadas com a de Yuri, que já havia trabalhado com Elba num dos álbuns da cantora mais aclamados pela crítica, Qual o assunto que mais lhe interessa?, de 2007. A sintonia entre a cantora e os produtores afinou um dos melhores e mais arrojados discos de Elba.

O título do álbum – Do meu olhar pra fora, extraído de versos da canção É o que me interessa (Lenine e Dudu Falcão, 2008) – traduz com precisão o espírito do disco e o momento de maturidade, de colheita, que pauta o canto livre de Elba. Feito com liberdade, palavra-chave para o entendimento desse trabalho, Do meu olhar pra fora expande o legado dessa celebrada intérprete de veia teatral que carrega a bandeira do seu Nordeste com orgulho e com independência desde os anos 1970, década em que migrou da Paraíba natal para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em busca de maior projeção como cantora. Mas que há muito já ficou maior do que o Nordeste.

Com as raízes fincadas na terra de Elba, mas com as antenas ligadas no mundo, Do meu olhar pra fora exterioriza o humanismo positivista que caracteriza não somente o canto da intérprete, mas também o discurso e a postura da cidadã diante da vida e do universo. Elba tem pregado sua fé católica no Bem e nos homens de bem. Sem procurar catequizar seu imenso público, a cantora vem imprimindo na sua música a harmonia e a paz que regem sua vida dentro e fora dos palcos e dos estúdios.

Mas paz, no dicionário de Elba, rima com festa, com dança, com alegria de viver. Formatado com gravações adicionais em estúdios de São Paulo (SP), Olinda (PE) e Recife (PE), Do meu olhar pra fora não nega a força de sua raça. “Vou fazê, vou fazê / Música pra enriquecer / Os corações e o planeta”, dá a pista nos versos arretados de Fazê o quê? (Pedro Luís), música lançada pelo coletivo carioca Pedro Luís e a Parede em seu primeiro álbum, Astronauta Tupy, de 1997. Esse misto de rap-repente com embolada ganha explosiva batida roqueira no arranjo que combina um naipe de metais em brasa com a guitarra de Paulo Rafael e as programações do DJ Dolores.

Na sequência, Só pra lembrar é uma parceria inédita do compositor paulista Dani Black com a cantora e compositora fluminense Zélia Duncan. O acento pop da faixa sublinha a pressão posta pelos produtores Luã Mattar e Lula Queiroga no arranjo moldado com cordas orquestradas por Ney Conceição e com flauta (do mestre nos sopros Dirceu Leite) que remete ao universo musical dos Pífanos de Caruaru (PE). Entre raízes e antenas, Elba dá sua voz maturada a versos que brilham como fachos de luz em escuridão existencial. Na faixa, a cantora celebra o amor, alento em tempo de esperanças cansadas.

Ao mesmo tempo em que faz a festa, com a explosão de energia que a tornou uma das cantoras de maior potência e animação no palco, Elba Ramalho traz também sossego e acalma pressas em mundo assombrado pelas sobras do passado e pelas sombras do futuro. Por isso, a oportuna lembrança de É o que me interessa (Lenine e Dudu Falcão, 2008) – uma daquelas baladas encantadoras nascidas da inspiração melódica do pernambucano Lenine, companheiro de Elba nas andanças atrevidas da Leoa – faz todo o sentido no disco. A harpa celestial de Cristina Braga sobressai no arranjo adequado ao tom mais sereno da canção.

Luxo em qualquer gravação, a harpa de Cristina Braga reaparece na faixa seguinte, Nossa Senhora da Paz (Clayton Barros, Emerson Calado, José Paes Lira, Nego Henrique e Rafael Almeida, 2002), música que traduz o olhar atual de Elba diante do mundo. Mas o tom celestial reside mais no sentimento posto pela cantora na interpretação dessa música lançada há 13 anos pelo já desativado grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado. Composição do  primeiro álbum do grupo, Nossa Senhora da Paz ganha feitio de oração no canto de Elba, mas o incendiário mix de tambores e guitarras do arranjo tem a pressão que é motor e marca pop do álbum Do meu olhar pra fora.

Instante de melancolia em álbum repleto de energia positiva, Contrato de separação reconecta Elba com o cancioneiro do cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano José Domingos de Morais, o Seu Domingos – Dominguinhos, para o Brasil. O fato de três das 12 músicas do álbum Do meu olhar pra fora levarem a assinatura de Dominguinhos diz muito sobre a forte ligação que sempre uniu Elba ao herdeiro de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), eterno Rei do Baião. Tanto que Elba chegou a gravar e assinar um álbum com Dominguinhos. Lançado em 2005, este disco teve repertório centrado no cancioneiro autoral de Seu Domingos. Foi uma espécie de best of da obra do sanfoneiro. Mas Contrato de separação não integrou o repertório desse disco. O que legitima a inclusão em Do meu olhar pra fora dessa canção doída de saudade, composta por Dominguinhos em parceria com sua então mulher Anastácia, lançada na voz sublime de Nana Caymmi em 1979 e ora revivida por Elba em registro valorizado pelo toque magistral do acordeom de Toninho Ferragutti. Esse acordeom tem o poder de evocar na faixa todo o rico universo musical de Dominguinhos. É como se o mestre estivesse na gravação, evocado pelas teclas manuseadas com precisão por Ferragutti.

Das três músicas de Dominguinhos cantadas por Elba em Do meu olhar pra fora, duas são inéditas em disco. Além de Olhando o coração, a outra novidade é Nos ares de Lisboa – Passarinho enganador, fado que mostra que, tal como o canto de Elba, a obra de Dominguinhos sempre cruzou oceanos rítmicos, sem fronteiras, embora esteja sempre associada ao universo musical da Nação Nordestina. Da lavra poética do compositor cearense Fausto Nilo, os versos da música são cantados por Elba em dueto com a portuguesa Carminho, a mais aplaudida cantora de fado da atualidade. A cumplicidade feminina das intérpretes é fundamental para realçar toda a beleza dessa canção que embute a melancolia típica dos fados na travessia que a conduz do sertão aos ares de Lisboa pelo toque do acordeom de Toninho Ferragutti, do bandolim de Armandinho e da viola portuguesa de Diogo Clemente, músico lusitano especialmente convidado para tocar no disco.

A rota pop universal do CD Do meu olhar pra fora inclui escala na Jamaica, feita através da Bahia. Árvore é iluminado reggae de autoria do cantor e compositor baiano Edson Gomes, lançado pelo autor em seu terceiro álbum, Campo de batalha, de 1991. Gomes é um dos artistas brasileiros mais compromissados com a ideologia positiva do reggae. Na gravação de sua música por Elba, os metais abrilhantam a abordagem da cantora. De certa forma, é como se a árvore do título simbolizasse a figura da própria Elba, balançando com suas raízes em suas andanças sobre a terra, munida de amor e música.

Inédita de Chico César, gravada por Elba com a participação do cantor e compositor paraibano, Patchuli perfuma o baile pop da cantora no toque vigoroso de metais orquestrados por Nilsinho Amarante. Nessa faixa, como em muitas outras do disco Do meu olhar pra fora, Elba parte do Nordeste para alcançar o mundo. E, nessa viagem pop por sons universais, o destino mais surpreendente é o apontado por La noyeé, música feita pelo compositor francês Serge Gainsbourg (1928 - 1991) há 44 anos para a trilha sonora do filme Romance de um ladrão (Iugoslávia / França / Itália, 1971). O criativo arranjo da faixa, que dialoga de forma moderna com as tradições da chanson française, é de Marcelo Jeneci, músico polivalente que toca piano, acordeom e cravo nessa gravação que se conecta, pelo idioma francês, como registro de La vie en rose (1945) - sucesso da cantora francesa Edith Piaf (1915 – 1963) – feito por Elba há 24 anos para um álbum em que também ampliou seus horizontes estéticos, Felicidade urgente, produzido em 1991 por Nelson Motta.

De Paris, o disco migra para a lama do mangue pernambucano, revolvida com a oportuna regravação de Risoflora (Chico Science, 1994), música menos badalada do primeiro álbum da banda pernambucana Nação Zumbi, pedra fundamental do movimento recifense dos anos 1990 batizado de Mangue Beat. Ao dar voz a Risoflora, Elba faz brotar uma pungente declaração de amor de um caranguejo arrependido que promete se regenerar. Para quem não sabe, Risoflora é música feita pelo compositor pernambucano Chico Science (1966 – 1997), mentor da Nação, para reconquistar o amor de uma ex-namorada, Maria Eduarda Belém, apelidada Maria Duda. Sem anular o romantismo, bissexto no universo incandescente do Mangue Beat, o arranjo da gravação de Elba é inserido em ambiência noise de progressiva intensidade.

No fim, Ser livre arremata o disco com o reforço do conceito de liberdade que pautou a criação do álbum Do meu olhar pra fora. A música é parceria inédita do bamba Arlindo Cruz com Zeca Pagodinho. Mas quem espera ouvir um samba – especialidade dos compositores cariocas – vai se deparar com uma canção de tom etéreo, viajante, condizente com a bela arte gráfica do disco, assinada por Daniel Edmundson. O arranjo de Ivo Senra foi urdido somente com o mix da guitarra de Luã Mattar com as programações e sintetizadores pilotados pelo próprio Senra.
 
“Vou romper de vez as algemas
(...)
Caminhar pelos bons caminhos
Num jardim com flor sem espinhos”.

Os versos de Ser livre se conectam com os de Olhando o coração pela mesma fina sintonia que liga as 12 músicas do disco. Em última instância, Do meu olhar pra fora é álbum conceitual sobre a caminhada de sua cantora ao longo de quatro décadas. Um andar atrevido que fez o canto bravo de Elba Maria Nunes Ramalho se fazer ouvir em todo o Brasil, desconstruindo a imagem masculinizada da mulher paraibana que estava enraizada no imaginário nacional com doses maciças de feminilidade, energia e valentia. Nascida em 17 de agosto de 1951, a Leoa sobreviveu na selva das cidades com uma voz que ganhou graves, maturidade, experiência e, sobretudo, liberdade nessa caminhada. Do meu ohar pra fora é fruto de tudo isso. É mais um firme passo de Elba Ramalho em direção ao infinito, ao eterno. Se os pés estão fincados nas suas raízes orgulhosamente nordestinas, as antenas captam os sinais do mundo e o espírito segue livre pelos caminhos do amor e da música.

Mauro Ferreira
Fevereiro de 2015

Cazes resume 25 anos de toque de cavaquinho em 18 números de DVD

Aos 56 anos, o músico, compositor e arranjador carioca Henrique Cazes já contabiliza 27 anos de trabalho solo profissional como exímio cavaquinista. Desde os 13, ele se exercita no toque do cavaquinho. A habilidade do músico no toque do seu instrumento pode ser comprovada no DVD Brincando com o cavaquinho - 25 anos de solo. Os 25 anos do subtítulo do DVD se referem ao fato de Cazes ter lançado em 1988 seu primeiro disco solo, cujo repertório é revivido no registro audiovisual em números como Língua de preto (Honorino Lopes). O atraso na edição do DVD - programada de início para 2013, mas efetivamente posta no mercado fonográfico em outubro de 2014 pela gravadora Fina Flor - responde pela diferença entre os 25 anos do subtítulo e a extensão real da carreira de Cazes como solista. Mas o que conta, afinal, é a maestria de Cazes no toque do instrumento. Com 18 números gravados em estúdio, sob a direção e produção do próprio Cazes, o DVD Brincando com o cavaquinho foi intitulado com uma das músicas do cancioneiro autoral do cavaquinista carioca Waldir Azevedo (1923 - 1980), músico inspirador de Cazes. O obscuro tema Brincando com o cavaquinho é de 1953. De Azevedo, Cazes também toca os choros Carioquinha (1949), Eterna melodia (parceria com Hamilton Costa) e Delicado (1950). Mestres do choro, Pixinguinha (1897 - 1973) e Garoto (1915 - 1955) também são reverenciados em módulos do DVD que mostra Cazes em ação como professor (em dois estudos para cavaquinho), compositor e até arranjador, mas, sobretudo, como músico, em brincadeiras com seu cavaquinho.

domingo, 29 de março de 2015

Gal oxigena o coração magoado de Lupicínio sem obstruir as artérias da obra

Resenha de show
Título: Ela disse-me assim - Canções de Lupicínio Rodrigues
Artista: Gal Costa (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 28 de março de 2015
Cotação: * * * * *

Gal Costa bombeia sangue novo para o coração magoado de Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 27 de agosto de 1974) no show em que interpreta 20 das 214 músicas do cancioneiro dramático  do compositor gaúcho. Em vez de desconfigurar esse cancioneiro em nome da modernidade, a oxigenação da obra de Lupicínio por Gal jamais obstrui as artérias de um repertório em que correm amarguras, ódios e ressentimentos nas veias dos dramas conjugais cotidianos. Em bom português, Gal canta Lupicínio de forma moderna, mas jamais modernosa. Melodias e letras estão lá, em sua arquitetura original, mas com frescor e com o sangue novo injetado no cancioneiro pelos arranjos criados pela banda formada por Fábio Sá (baixo acústico e elétrico), Guilherme Monteiro (guitarra e violão), Pupillo (bateria) e Silva (teclados e violino). Na ficha técnica, a direção artística do show Ela disse-me assim - Canções de Lupicínio Rodrigues é atribuída a J. Velloso (idealizador do projeto patrocinado via Natura Musical) e a Marcus Preto. Pelo histórico musical de ambos, é possível supor sem erro que a arregimentação da banda - e, consequentemente, o caráter contemporâneo do show - é obra de Preto, cuja conexão com Gal já se revelara produtiva no belo show anterior da artista, Espelho d'água (2014). De todo modo, o diferencial é a voz de Gal, ainda única e viçosa - uma proeza, se levado em conta que a cantora vai completar 70 anos em setembro deste ano de 2015. Ao cantar Lupicínio, Gal reproduz o vigor detectado no disco Recanto (Universal Music, 2011) e no show homônimo de 2012. É uma Gal de pegada rocker, antenada, a todo vapor. Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) - samba-canção lançado em disco pelo Trio de Ouro mas consagrado na voz da cantora paulistana Linda Batista (1919 - 1988) - é o ápice do show, o momento que vai ficar na memória, imortalizando a imagem de uma Gal passional que traduz no canto (de agudos lancinantes) e no gestual do corpo o tempestuoso estado emocional da personagem da canção, evocado também pelo arranjo noise que evolui para hard rock no toque da guitarra de Guilherme Monteiro. Gal está fa-tal. Já na abertura do show - em que se ouve trecho de Esses moços (Pobres moços) (Lupicínio Rodrigues, 1948) em ambiente climático criado com os sons tirados por Silva de seu sintetizador - fica claro que a cantora espanou qualquer eventual mofo posto em cima do cancioneiro de Lupicínio. Ao longo do roteiro, Gal vai ao inferno à procura de luz no fim do túnel afetivo em que se encontram as canções de Lupicínio, dramático cronista das dores de amores. Originalmente uma guarânia lançada em 1971 pela cantora paraibana Creusa Cunha (1934 - 1993), Judiaria (Lupicínio Rodrigues, 1971) ressurge roqueira na voz enérgica de Gal, em arranjo que reverencia a releitura punk da composição gravada por Arnaldo Antunes em seu segundo disco solo, Ninguém (BMG-Ariola, 1991). Embora tenha espírito rocker, o show abarca diversidade de ritmos no amplo leque estético aberto por roteiro que reapresenta joias raras recolhidas no baú de Lupicínio sem evitar os hits que o público quer ouvir. Homenagem (Lupicínio Rodrigues, 1961), por exemplo, se aproxima da praia do reggae, mas com vestido de bolero. Gal e banda acertam ao entender que a obra de Lupicínio - calcada no samba-canção, gênero melodramático que teve seu apogeu nos anos 1940 e 1950  - é, em essência, popular. Por isso, temas como Coisas minhas (Lupicínio Rodrigues, 1958) deixam a ótima impressão, no show de Gal, de que espectador-ouvinte está diante de contemporâneo vitrolão da periferia no qual, com um toque, pode-se expiar dor-de-cotovelo ao som de músicas geralmente tristes. São canções que ultrapassam rótulos - como disse Gal no palco da casa Vivo Rio para o público que testemunhou, embevecido, a estreia do show no Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 28 de março de 2015 - e que a cantora traz para o seu universo ao lado de quarteto fantástico. Superestimado como cantor e compositor, o capixaba Lúcio Silva brilha como piloto dos teclados, único instrumento ouvido em Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957), samba-canção que Gal já gravara em 1973, numa década em que os tropicalistas revalorizaram o então esquecido cancioneiro de Lupicínio. A propósito, Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1948) representa no show oportuna lembrança de programa feito por João Gilberto na TV Tupi, em 1971, com Gal e seu parceiro tropicalista Caetano Veloso. Não por acaso, trata-se de número de voz e violão - o do guitarrista Guilherme Monteiro - em que Gal evoca a Gracinha dos tempos iniciais, tímida devota de São João. Há também algo da bossa sempre nova no violão tocado por Monteiro em Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952), música interpretada por Gal com a habitual perfeição vocal. Bem menos conhecido do que o hit Nunca, o samba-canção Fuga (Lupicínio Rodrigues, 1959) é uma bela joia que Gal lapida na pulsação do baixo intencionalmente distorcido de Fábio Sá e com a adição do toque do violino bissexto de Silva. Na sequência, outra pérola rara - o samba Que baixo! (1945), parceria de Lupicínio com o cantor, compositor e ritmista gaúcho Matheus Nunes (1920 - 1971), o Caco Velho - vira carimbó em ousadia estilística que reitera a habilidade de Gal e da banda para repaginar o cancioneiro de Lupi sem diluir melodias e letras. Já Paciência (Vou brigar com ela) (Lupicínio Rodrigues, 1961) é ambientada em clima de bossa tropical no toque do bongô percutido pelo baterista Pupillo, egresso da Nação Zumbi. Sem dar sinais de apatia vocal, Gal incorpora os dramas de "personagens à flor da pele que pagam preços altíssimos por suas paixões sem limites". Feita em cena por Gal, essa boa definição do universo dramático da obra de Lupicínio tem belo exemplo em Aves daninhas (Lupicínio Rodrigues, 1954), samba-canção lançado na voz noturna da cantora carioca Nora Ney (1922 - 2003). Com efeitos dos sintetizadores de Silva, Há um Deus (Lupicínio Rodrigues, 1957) ressurge épica entre versos atormentados por traições e falsidades enquanto Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui, 1960) cai em suingueira moderna que evoca o tecnobrega paraense. Tormentos como o de Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1957) - música conhecida pela gravação feita por Maria Bethânia para o álbum Mel (Philips, 1979) - se harmonizam no repertório do compositor com melancolia nostálgica, mote de canções em que o amor parece ser maldição, como pregam os versos desencorajadores de Esses moços (Pobres moços), música retomada por Gal ao fim do show em interpretação arrebatadora que sinaliza que, acima de oportunas modernidades, pairam sobre todas as coisas o brilho cristalino da voz da cantora e a força da obra do compositor. No bis, a guitarra climática de Guilherme Monteiro prepara a apoteose de Um favor (Lupicínio Rodrigues, 1972), número em que Gal interage com o público, cujo coro a cantora rege no arremate do bis com a toada Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947). Entre uma música e outra, Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960) - sucesso na voz do cantor Jamelão (1913 - 2008), também intérprete original da música-título Ela disse-me assim (Vai embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959) - deixa no ar bela mensagem de que, apesar das mágoas, o triunfo está na permanência das uniões afetivas. Em estado de graça como cantora, Gal dá com precisão todos os recados diretos do compositor. Devidamente oxigenado e ora revitalizado, o coração magoado de Lupicínio Rodrigues bate outra vez...

Gal alinha os dramas conjugais de Lupicínio em roteiro com hits e joias raras

Em 1945, o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) firmou parceria com um artista conterrâneo conhecido como Caco Velho, nome artístico do cantor, compositor e ritmista gaúcho Matheus Nunes (1920 - 1971). O resultado dessa parceria foi o samba Que baixo!, lançado em disco naquele ano de 1945, em gravação feita pelo próprio Caco Velho. Título obscuro do cancioneiro dramático de Lupicínio Rodrigues, Que baixo! é uma das pérolas recolhidas por Gal Costa, J. Velloso e Marcus Preto para o roteiro do show Ela disse-me assim - Canções de Lupicínio. Sob a direção artística de J. e Preto, e na companhia de banda moderna formada por Fábio Sá (baixo acústico e elétrico), Guilherme Monteiro (guitarra e violão), Pupillo (bateria) e Silva (teclados e violino), a cantora baiana dá voz aos dramas conjugais da obra de Lupicínio Rodrigues em show patrocinado pelo projeto Natura musical que vai ser gravado ao vivo, para edição de CD, ao longo da turnê que estreou em 25 de março de 2015 na terra natal do compositor, Porto Alegre (RS), e que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 28 de março, em apresentação que embeveceu o público que lotou a casa Vivo Rio. Sem evitar os clássicos do cancioneiro de Lupicínio, apesar da ausência sentida de Nervos de aço (1947), Gal dá voz a músicas conhecidas apenas pelos estudiosos da obra do compositor. Entre as pérolas raras, o roteiro do show reaviva os sambas-canção Homenagem - lançado em 1961 na voz do cantor carioca Silvio Caldas (1908 - 1998) - e Coisas minhas, apresentado em 1958 em gravação da cantora paulista Dircinha Batista (1922 - 1999). Gal também dá voz a Fuga (1959) - até então esquecido samba-canção lançado na voz do cantor carioca Orlando Silva (1915 - 1978) - e a Eu não sou louco, samba assinado por Lupicínio em parceria bissexta com o compositor carioca Evaldo Rui (1913 - 1954), lançado em disco em janeiro de 1950 pela cantora paulista Isaura Garcia (1919 - 1993) e revivido em 2014 por Elza Soares em interpretação performática que sobressaiu no show em que a cantora carioca celebrou o centenário de nascimento de Lupicínio. Eis o roteiro seguido em 28 de março de 2015 por Gal Costa - em foto de Rodrigo Goffredo - na estreia carioca de seu (revigorante) show  Ela disse-me assim - Canções de Lupicínio Rodrigues na casa Vivo Rio:

1. Esses moços (Pobre moços) (Lupicínio Rodrigues, 1948) - trecho
2. Judiaria (Lupicínio Rodrigues, 1971)
3. Homenagem (Lupicínio Rodrigues, 1961)
4. Coisas minhas (Lupicínio Rodrigues, 1958)
5. Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957)
6. Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952)
7. Fuga (Lupicínio Rodrigues, 1959)
8. Que baixo! (Lupicínio Rodrigues e Caco Velho, 1945)
9. Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951)
10. Paciência (Vou brigar com ela) (Lupicínio Rodrigues, 1961)
11. Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1948)
12. Aves daninhas (Lupicínio Rodrigues, 1954)
13. Ela disse-me assim (Vai embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959)
14. Há um Deus (Lupicínio Rodrigues, 1957)
15. Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1973)
16. Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui, 1950)
17. Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938)
18. Esses moços (Pobre moços) (Lupicínio Rodrigues, 1948)
Bis:
19. Um favor (Lupicínio Rodrigues, 1972)
20. Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960)
21. Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947)

DVD valoriza (e justifica...) a edição especial de álbum de samba de Maria Rita

Resenha de CD + DVD
Título: Coração a batucar - Edição especial
Artista: Maria Rita
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * *

Embora possa irritar quem já comprou o álbum lançado por Maria Rita há um ano, a edição especial do CD Coração a batucar (Universal Music, 2014) realmente avança em relação à edição original. A adição de um DVD - com nove números do show resultante do segundo disco de samba da cantora paulistana, making of e clipe da música Bola pra frente (Xande de Pilares e Gilson Bernini, 2014) - valoriza e justifica a reedição, ainda que a gravação audiovisual dirigida por Hugo Prata (na parte visual) possa tornar redundante um possível futuro DVD com o registro integral do show Coração a batucar. O fato é que Maria Rita já cai no samba com propriedade e desenvoltura. Coração a batucar já começa a delinear uma identidade para a cantora no universo do samba que somente fora esboçada no antecessor Samba meu (Warner Music, 2007), disco de tom mais popular. O que soou há oito anos como uma aventura musical de intérprete ainda à procura de um rumo já se revela uma opção artística feita com mais segurança. O fato de Maria Rita assinar a produção e a direção musical do disco e do show atesta essa segurança. Ela está formando sua turma no mundo do samba.  E, por mais que seus detratores neguem o óbvio, vê-se e ouve-se uma grande cantora no palco armado no estúdio Na Cena, em São Paulo (SP), em 6 de outubro de 2014. Uma cantora de antenada musicalidade que segura a onda do samba-jazz que põe Fogo no paiol (Rodrigo Maranhão, 2010) em relevo no roteiro coeso que rebobina o supra-sumo do repertório do disco de estúdio. É a grandeza da cantora que irmana pagode de cepa popular como Abismo (Thiago Silva, Lele e Davi dos Santos, 2014) - tema de tamanha vocação radiofônica que vai se tornar um dos próximos singles promocionais do disco - e samba de linhagem nobre como Rumo ao infinito (Arlindo Cruz, Marcelinho Moreira e Fred Camacho, 2014). Cabe ressaltar que a música-título Coração a batucar (Alvinho Lancellotti e Davi Moraes, 2010) - lançada por Maria Rita no álbum Elo (Warner Music, 2011) - se ambienta bem no clima do show, parecendo ter encontrado seu habitat natural. Entre momentos de beleza, como o contracanto do percussionista Marcelinho Moreira em Mainha me ensinou (Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini), o DVD do show Coração a batucar reitera que, se Maria Rita não nasceu no samba, como Clara Nunes (1942 - 1983) também não nasceu, o samba está nascendo nela. O que faz entender a presença do genial Letieres Leite - e de 21 integrantes do Rumpilezzinho, projeto infanto-juvenil do maestro baiano - no clipe de Bola pra frente (Xande de Pilares e Gilson Bernini), samba em que Maria Rita trilha caminhos harmônicos mais inusitados. O clipe foi gravado em Salvador (BA). Enfim, com filmagem requintada que valoriza a tonalidade íntima da apresentação feita somente para convidados, o DVD-bônus da edição especial de Coração a batucar mostra uma cantora firme e forte na opção pelo samba. Maria Rita cai no samba de forma convincente, verdadeira, sem artíficios. E, sim, senhor, o samba dela é muito bom.  Deixe a menina sambar em paz...

Mariene lança música inédita em clipe e prepara DVD a ser feito na Bahia

Canção de autoria de Flavia Wenceslau, compositora paraibana radicada em Salvador (BA), Eu quero ir com você é a próxima música de trabalho da cantora baiana Mariene de Castro. Inédita em disco, Eu quero ir com você vai ser promovida por Mariene através de clipe gravado em Imbassaí, no litoral da Bahia. Belíssima, a canção de Flavia Wenceslau - compositora presente no roteiro do atual show de Maria Bethânia com a também inédita Silêncio - ecoa influências da obra autoral do compositor pernambucano Dominguinhos (1941 - 2013). Simultaneamente com a divulgação da canção de Flavia, já incluída no roteiro de seu show Colheita, Mariene já prepara seu terceiro DVD. A gravação ao vivo vai ser realizada no segundo semestre deste ano de 2015 em Salvador (BA) em show agendado dentro da programação de reinauguração do Parque da Cidade Joventino Silva.

sábado, 28 de março de 2015

Show 'Férias em videotape' confirma toda grandeza de Mazzer como cantora

Resenha de show
Título: Férias em videotape
Artista: Simone Mazzer (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Teatro Rival (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 24 de março de 2015
Cotação: * * * * 1/2

"Babilônica!", gritou um espectador na plateia lotada do Teatro Rival. Hiperbólica, a saudação a Simone Mazzer foi referência ao fato de sua gravação do Tango do mal (Luciano Salvador Bahia, 2014) - uma das 12 músicas do primeiro álbum solo da cantora parananense, Férias em videotape (Pimba, 2015) - estar em rotação na trilha sonora da recém-estreada novela Babilônia. O entusiasmo da plateia fez parte do show realizado pela artista em 24 de março de 2015, no Rio de Janeiro (RJ). A noite era especial. Além de ser a estreia nacional do show Férias em videotape, a apresentação foi feita no dia em que uma reportagem com a cantora - publicada na capa do suplemento cultural de jornal carioca - revelou para público global o que alguns críticos e formadores de opinião já tinham detectado em 2012 na temporada feita pela artista no teatro Café Pequeno, na mesma cidade do Rio de Janeiro: Simone Mazzer é uma grande e necessária cantora. A apresentação do Teatro Rival confirmou para uns e revelou para outros a grandeza do canto dessa artista projetada inicialmente como atriz da Cia. Armazém de Teatro, mas que canta desde 1989. Ao longo de roteiro que distribuiu 20 músicas em 21 números, Mazzer eletrizou o público com interpretações teatrais, quentes, como a de Mente, mente (Robinson Borba, 1986), música que ganha ar flamenco no toque das castanholas percutidas pela própria cantora. É preciso ter personalidade forte para imprimir suas digitais numa música conhecida na voz de Ney Matogrosso. Mazzer tem e torna Mente, mente vibrante. E, quando a cantora se encontra em cena com a atriz, como na performance teatralizada de Parece que bebe (Itamar Assumpção, 1994), o resultado é memorável. O compositor paulista Itamar Assumpção (1949 - 2003), aliás, aparece duplamente no roteiro, pois também é o autor de música menos envolvente, Elza Soares (2010), cuja presença se justifica no show por evocar literalmente o nome da cantora que, no CD Férias em videotape, canta com Mazzer música, Essa mulher (Bernardo Pellegrini, 2015), que, no roteiro do show, vem na sequência de Elza Soares. A propósito, Mazzer acaba de lançar um ótimo disco. Mas seu show é ainda melhor porque é no palco que cantoras de tom teatral se mostram em toda sua plenitude dramática. Sob a direção musical do pianista Marcos Scolari, integrante da banda que inclui também o baixista André Bedurê e o guitarrista Ricco Viana, Mazzer ressalta o drama conjugal que há por trás da animação carnavalesca do samba Camisa listrada (Assis Valente, 1939) e mergulha nas perturbações existenciais expostas pela compositora norte-americana Fiona Apple, autora de Valentine (2012), música cantada por Mazzer na ainda inédita versão em português escrita por Maurício Arruda Mendonça, o compositor do blues Estrela blue, gravado por Mazzer no disco e cantado no show. Com habilidade para escolher repertório longe do trilho da obviedade, a cantora deu voz a um tema regionalista de Gilberto Gil - O amor aqui de casa (2000), de brasilidade abafada pela pegada rocker da banda  - sete números após ter se jogado na pista anos 1990 de Hyper Ballad (Björk, Nellee Hooper e Marius De Vries,1995). Entre um número e outro, Mazzer cantou - somente com a levada do violão de Ricco Viana - uma das baladas mais românticas do repertório do cantor britânico Joe Cocker (1944 - 2014), You're so beautiful (Billy Preston, Bruce Fisher e Dennis Wilson, 1974). Música do primeiro álbum de Angela Ro Ro, cantora e compositora carioca cuja obra arde na fogueira das paixões, Balada da arrasada (Angela Ro Ro, 1979) se ajustou com perfeição ao tom teatral de Mazzer e ao clima de cabaré que pauta o show Férias em videotape. No mesmo ponto de fervura, Vaca profana (Caetano Veloso, 1984) derramou leite bom na cara do público enquanto Sanguessuga & Serafim (Adriano Garib, 1992) espremeu mais gotas de sangue em forma verbal em número que evidenciou o fato de Mazzer cantar também com o corpo, mexido em sintonia com o toque nervoso da bateria de Eduardo Norato. No fim, I feel love (Donna Summer, Giorgio Moroder e Pete Bellotte, 1977) - sucesso da cantora norte-americana Donna Summer (1948 - 2012) na era dos dancin' days - tentou se afastar do arranjo visionário de Moroder e Bellotte sem deixar de evocá-lo. Foi o fecho festivo - antes do bis em que a cantora recaiu no mambo  Babalu  (Margarita Lecuona,  1939)  com devoção ao arranjo do grupo paranaense Chaminé Batom - de noite em que Simone Mazzer se confirmou grande cantora.

Em cena, Mazzer adiciona Ro Ro, Caetano e Gil a 'Férias em videotape'

Com direito a um caco que incorpora à letra citação nominal do Buraco da Lacraia, point underground do bairro carioca da Lapa, Simone Mazzer transita pelos densos caminhos noturnos da Balada da arrasada - uma das músicas do irretocável primeiro álbum da cantora e compositora carioca Angela Ro Ro, lançado em 1979 - no roteiro de seu novo show, Férias em videotape. Destaque da estreia nacional do show, em apresentação que lotou o Teatro Rival (RJ) na noite de 24 de março de 2015, Balada da arrasada figura no roteiro ao lado de outras novidades na voz da cantora paranaense, casos de O amor aqui de casa (Gilberto Gil, 2000), de You're so beautiful (Billy Preston, Bruce Fisher e Dennis Wilson, 1974), de Vaca profana (Caetano Veloso, 1984) e de I feel love (Donna Summer, Giorgio Moroder e Pete Bellotte, 1977), hit da cantora norte-americana Donna Summer (1948 - 2012) em seu reinado na era da disco music. Apesar das novidades na voz potente e teatral da cantora e atriz, o roteiro do show está centrado no repertório do primeiro álbum solo de Mazzer, Férias em videotape, lançado neste mês de março de 2015 pelo selo Pimba, da gravadora Dubas Música. Aliás, o atual roteiro herda números do show de 2012 que gerou o disco produzido por Leonel Pereda. Todas as 12 músicas do CD estão no show. Eis o roteiro seguido em 24 de março de 2015 por Simone Mazzer - em foto de Rodrigo Goffredo - na estreia nacional do show Férias em videotape no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), com os títulos das músicas, os nomes dos compositores e os anos em que elas foram lançadas em disco:

1. Férias em videotape (Elton Mello, Silvio Ribeiro e Simone Mazzer, 2015)
2. Mente, mente (Robinson Borba, 1986)
3. Tango do mal (Luciano Bahia, 2014)
4. Hyper ballad (Björk, Nellee Hooper e Marius De Vries,1995)
5. Elza Soares (Itamar Assumpção, 2010)
6. Essa mulher (Bernardo Pellegrini, 2015)
7. Camisa listrada (Assis Valente, 1939)
8. Estrela blue (Maurício Arruda Mendonça, 2015)
9. Valentine (Fiona Apple, 2012, em versão em português de Maurício Arruda Mendonça)
10. You are so beautiful (Billy Preston, Bruce Fisher e Dennis Wilson, 1974)
11. O amor aqui de casa (Gilberto Gil, 2000)
12. Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006)
13. Parece que bebe (Itamar Assumpção, 1994)
14. Balada da arrasada (Angela Ro Ro, 1979)
15. Vaca profana (Caetano Veloso, 1984)
16. Dei um beijo na boca do medo (Bernardo Pellegrini, 2015)
17. Sanguessuga & Serafim (Adriano Garib, 1992)
18. Você não sacou (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1997)
19. I feel love (Donna Summer, Giorgio Moroder e Pete Bellotte, 1977)
Bis:
20. Babalu (Margarita Lecuona, 1939)
21. Balada da arrasada (Angela Ro Ro, 1979)

Gadú anuncia chegada do terceiro CD de estúdio, 'cheio de amor pra dar'

"Novo álbum chegando, cheio de amor pra dar". Com essa frase sucinta, sem entrar em maiores detalhes, a cantora e compositora paulistana Maria Gadú anunciou ontem em sua página oficial no Facebook o lançamento próximo de seu terceiro álbum de estúdio. O sucessor de Mais uma página (Slap / Som Livre, 2011) vai chegar ao mercado fonográfico ainda neste primeiro semestre de 2015 em edição do selo carioca Slap distribuída pela gravadora Som Livre. Com repertório majoritariamente autoral,  o álbum está sendo produzido em São Paulo (SP)  desde o fim de 2014.

Enfim solo, Martin canta outras histórias e sons em 'Quando um não quer'

Resenha de CD
Título: Quando um não quer
Artista: Martin
Gravadora: Deck
Cotação: * * * 

Martin Mendonça sempre foi perfilado como o guitarrista da banda de Pitty. O que de fato ele é desde 2004. Mas, aos poucos, o artista baiano foi arriscando sair da sombra da patroa conterrânea. Em 2010, o compositor e músico apresentou álbum, Dezenove vezes amor (Independente), assinado com o baterista baiano Duda Machado. Na sequência, a partir de 2011, Martin obteve mais visibilidade ao formar com Pitty o duo de folk Agridoce, atualmente em recesso por tempo indeterminado. Talvez a exposição inevitável no Agridoce - cujo primeiro e (por ora) único álbum originou turnê de sucesso - tenha encorajado Martin a se lançar em carreira solo. Lançado neste mês de março de 2015 pela gravadora Deck, por enquanto em formato exclusivamente digital, o primeiro álbum solo de Martin, Quando um não quer, alinha nove músicas, sendo oito de autoria de Martin. A primeira impressão não é boa, por conta da disposição equivocada das nove faixas no disco. A levada pop folk que conduz Linda até estabelece conexão sutil com o som do Agridoce, mas o refrão de versos como "Linda, dona do meu pensamento / Mãe de todo o meu tormento" caberia mais numa canção popular radiofônica dentre as muitas compostas nos anos 1980 pela dupla de hitmakers Michael Sullivan e Paulo Massadas. Na sequência, Outra história é contada no compasso do rock, evidenciando que o canto é o ponto fraco do excelente guitarrista e (ainda) oscilante compositor. Não por acaso, o álbum está repleto de convidados que colaboram com Martin no canto das nove músicas. Contudo, o cantor paulistano Leo Cavalcanti - convidado de Algum lugar, faixa que se desenvolve num crescendo instrumental que culmina com zoeira hard - tampouco altera a apatia vocal (de parte) do álbum. Sem chamar atenção em O fimQuando um não quer começa a dizer a que veio e a engrenar a partir da quinta música, Mesmo, parceria de Martin com José Paes Lira. Vocalista do extinto grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, Lirinha faz enérgico dueto com Pitty nessa faixa que evoca o som gutural do cantor e guitarrista norte-americano Josh Homme, motor da banda norte-americana Queens of the Stone Age e influência assumida de Martin. Única música não assinada por Martin, Coisas boas (Fabio Cascadura e Ricardo Flash Alves) mantém o disco na pressão, cantada por Martin com Chuck Hipólitho (da banda paulistana Vespas Mandarinas). Sun ilumina ecos do grunge na voz de Fabio Cascadura, parceiro de Martin no tema. Já o hard rock Caos se faz ouvir na multidão com a adesão de Jajá Cardoso, vocalista e guitarrista da banda baiana Vivendo do Ócio. Dos cinco minutos da faixa, os dois últimos são de pura porradaria instrumental. Aliás, no quesito instrumental, o disco - produzido pelo próprio Martin - é muito bem tocado. Tanto pelo criador do disco como por músicos como Pupillo (bateria), Duda Machado (também na bateria) e Marcelo Gross (bateria, guitarra e bandolim). No fim, o tema instrumental Rotina arremata o disco com delicadeza que contrasta com o peso de outras músicas, sinalizando o caráter multifacetado do som solo de Martin. O artista canta outras histórias em Quando um não quer sem se prender a um gênero específico. O que talvez contribua para que Martin Mendonça continue sendo apontado na mídia musical - sem demérito... - como o guitarrista da banda de Pitty.