Título: SamBRA - 100 anos de samba
Texto e direção: Gustavo Gasparani
Direção musical e arranjos: Nando Duarte
Direção de movimento e coreografia: Renato Vieira
Elenco: Alan Rocha, Ana Velloso, Beatriz Rabello, Bruno Quixotte, Cátia Cabral, Cristiano
Gualda, Diogo Nogueira, Édio Nunes, Isnard Manso, Izabella Bicalho, Lilian Valeska,
Pablo Dutra, Patrícia Costa, Patrícia Ferrer, Paulo Mazzoni, Shirlene Paixão e
Wladimir Pinheiro
Foto: Ricardo Nunes
Cotação: * * * *
♪ Em cartaz no Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ), até 22 de março de 2015.
♪ Em cartaz no Espaço das Américas, em São Paulo (SP), de 26 a 29 de março de 2015
♪ Gustavo Gasparani é bamba! O atual bambambã dos musicais cariocas. Após arrebatar o público e a crítica cariocas com Samba futebol clube, o melhor musical de 2014, o ator, dramaturgo e diretor carioca marca outro golaço em cena ao conduzir SamBRA, musical encenado esta semana no Rio de Janeiro (RJ), cidade onde fica em cartaz até amanhã, 22 de março de 2015, numa inapropriada casa de shows, Vivo Rio. SamBRA reconta a história do samba com ginga, numa cadência bonita que reitera o talento de Renato Vieira na direção de movimento de musicais. O espetáculo flui com leveza, em tom lúdico. Através de 14 quadros, Gasparani expõe momentos decisivos na trajetória desse ritmo que vai completar 100 anos em 2016. Há textos de tom narrativo e didático que ajudam a situar os episódios no tempo e na história do samba. Mas até esse recurso narrativo se integra bem ao conjunto da encenação, valorizada por um elenco excepcional. Para efeitos de marketing, Diogo Nogueira é apresentado na mídia como o protagonista do musical. Na prática, Nogueira é quase apenas mais um integrante de um elenco, um convidado especial que atrai público por conta de sua popularidade e que faz alguns números individuais, brilhando especialmente em Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) por cantar esse samba-exaltação com a voz e com o corpo que ginga com naturalidade. Por estar estreando como ator, Nogueira mostra imaturidade (inclusive musical) para encarnar personagens como João Gilberto, protagonista do bloco da Bossa Nova (gênero que nada mais é do que samba cantado com a tal influência do jazz), mas, no todo, o filho de João Nogueira (1941 - 2000) está afinado com o espírito do musial e entra no tom de SamBRA. Seu solo de Súplica (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1979) ao violão, ao fim do primeiro ato, é um dos momentos mais emocionantes do musical por ser o número que evoca a saudade de nomes que já saíram de cena, como Clara Nunes (1942 - 1983) e o próprio João Nogueira. De todo modo, se o espetáculo permanecer em cartaz após as meteóricas temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, SamBRA tem cacife para se manter com sucesso em cena sem Diogo, cantor de agenda sempre cheia e prester a lançar álbum de inéditas. Ao longo de duas horas e meia, o elenco canta cerca de 70 músicas. Outros 25 sambas - como o samba-enredo Pra tudo se acabar na quarta-feira (Martinho da Vila, 1984) - têm versos recitados em recurso que ajuda a montar relicário de emoções e impressões sobre o ritmo e sua gente. Povo que começou a ganhar nome a partir das reuniões na casa carioca da baiana Hilária Batista de Almeida (1854 - 1924), a lendária Tia Ciata, encarnada em cena por Lilian Valeska, intérprete neste quadro do lundu Benguelê (Pixinguinha e Gastão Viana, 1946), número que exemplifica a matriz africana do samba. A propósito, Gasparani acerta ao brincar no texto com a origem imprecisa do samba sem a preocupação de dar uma resposta ao que ninguém sabe efetivamente. Outro acerto é fazer do próprio samba uma personagem, vista em cena na pele do desenvolto ator Bruno Quixotte. O samba - esse moleque atrevido - entra em cena como personagem ao longo de vários dos 14 quadros, criados para contar de forma cronológica a evolução do samba. Pela ordem natural dos fatos, entram em cena nomes icônicos como José Barbosa da Silva (1888 - 1930) - o Sinhô, rei dos sambas amaxixados e veículo em SamBRA para o ator Wladimir Pinheiro exercitar seu grande poder de comunicação com a plateia - e Ismael Silva (1905 - 1978) (Édio Nunes), além de Cartola (1908 - 1980), cuja obra verde-e-rosa tem também as cores da poesia e é cantada no musical no tom dos conjuntos regionais dos anos 1930 e 1940, exemplo do êxito da reverente direção musical de Nando Duarte. Fiel aos fatos históricos, mas sem se prender em demasia ao realismo, Gasparani cria encontro fictício entre Noel Rosa (1910 - 1937), papel de Cristiano Gualda, e Martinho da Vila, encarnado com perfeição em cena por Alan Rocha. Aliás, SamBRA se escora no talento de um elenco que se garante no gogó. Na sua casa todo mundo é bamba! Nesse quesito, a já mencionada Lilian Valeska dá show à parte quando canta Morte de um poeta (Totonho e Paulinho Rezende, 1976) e quando evoca os agudos de Dalva de Oliveira (1917 - 1972) ao encarnar a cantora do rádio que interpreta Que será (Marino Pinto e Mário Rossi, 1950), samba-canção de tom abolerado. Outro samba-canção, Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951), projeta a dramaticidade embutida no canto de Izabella Bicalho, atriz que puxa o bloco politizado da era dos festivais, entrecortado pelos versos de Roda viva (Chico Buarque, 1968), lembrança metafórica de que a roda de samba acabou nos tempos da ditadura. Já Patrícia Costa brilha ao dar voz e movimento à Boneca de piche (Ary Barroso e Luís Iglesias, 1938), reminiscência do reinado do samba no teatro de revista. Por sua vez, Ana Velloso tem seu grande momento ao viver Beth Carvalho, protagonista do quadro dedicado aos sambistas projetados nas rodas de samba armadas na quadra do bloco Cacique de Ramos. Samba lançado em 1981 pelo grupo Fundo de Quintal, cria do Cacique, Doce refúgio cativa e emociona pela beleza perene da melodia e da poesia dos versos do compositor carioca Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008), bamba da geração que projetou Arlindo Cruz, Jorge Aragão e Zeca Pagodinho. Aliás, o pot-pourri com sambas da turma do Cacique de Ramos - Quando eu contar (Iaiá) (Serginho Meriti e Beto Sem Braço, 1986), Brincadeira tem hora (Beto Sem Braço e Zeca Pagodinho, 1986) e Bagaço da laranja (Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, 1985) - empolga o espectador. Musical produzido através de parceria das empresas Aventura e Musickeria, SamBRA dá no fim o recado vitorioso de um gênero valente que foi duramente perseguido nas esquinas, nos botequins e nos terreiros, como mostram cenas do primeiro ato. "Respeite quem pode chegar onde a gente chegou", diz o samba, a personagem, por meio dos versos de Moleque atrevido (Jorge Aragão, Flávio Cardoso e Paulinho Rezende, 1998). Enfim, SamBRA ginga bonito pela maestria da direção de Gasparani, pelos movimentos criados por Renato Vieira e por um elenco de bambas. Mesmo com eventuais omissões, como o samba-jazz derivado da Bossa Nova e tocado nas boates cariocas dos anos 1960 por grupos instrumentais, os quadros do musical enredam o espectador ao recontar a história de gênero centenário com humor, leveza, emoção, consciência e (alguma) teatralidade. Caia no SamBRA!
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♪ Gustavo Gasparani é bamba! O atual bambambã dos musicais cariocas. Após arrebatar o público e a crítica cariocas com Samba futebol clube, o melhor musical de 2014, o ator, dramaturgo e diretor carioca marca outro golaço em cena ao conduzir SamBRA, musical encenado esta semana no Rio de Janeiro (RJ), cidade onde fica em cartaz até amanhã, 22 de março de 2015, numa inapropriada casa de shows, Vivo Rio. SamBRA reconta a história do samba com ginga, numa cadência bonita que reitera o talento de Renato Vieira na direção de movimento de musicais. O espetáculo flui com leveza, em tom lúdico. Através de 14 quadros, Gasparani expõe momentos decisivos na trajetória desse ritmo que vai completar 100 anos em 2016. Há textos de tom narrativo e didático que ajudam a situar os episódios no tempo e na história do samba. Mas até esse recurso narrativo se integra bem ao conjunto da encenação, valorizada por um elenco excepcional. Para efeitos de marketing, Diogo Nogueira é apresentado na mídia como o protagonista do musical. Na prática, Nogueira é quase apenas mais um integrante de um elenco, um convidado especial que atrai público por conta de sua popularidade e que faz alguns números individuais, brilhando especialmente em Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) por cantar esse samba-exaltação com a voz e com o corpo que ginga com naturalidade. Por estar estreando como ator, Nogueira mostra imaturidade (inclusive musical) para encarnar personagens como João Gilberto, protagonista do bloco da Bossa Nova (gênero que nada mais é do que samba cantado com a tal influência do jazz), mas, no todo, o filho de João Nogueira (1941 - 2000) está afinado com o espírito do musial e entra no tom de SamBRA. Seu solo de Súplica (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1979) ao violão, ao fim do primeiro ato, é um dos momentos mais emocionantes do musical por ser o número que evoca a saudade de nomes que já saíram de cena, como Clara Nunes (1942 - 1983) e o próprio João Nogueira. De todo modo, se o espetáculo permanecer em cartaz após as meteóricas temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, SamBRA tem cacife para se manter com sucesso em cena sem Diogo, cantor de agenda sempre cheia e prester a lançar álbum de inéditas. Ao longo de duas horas e meia, o elenco canta cerca de 70 músicas. Outros 25 sambas - como o samba-enredo Pra tudo se acabar na quarta-feira (Martinho da Vila, 1984) - têm versos recitados em recurso que ajuda a montar relicário de emoções e impressões sobre o ritmo e sua gente. Povo que começou a ganhar nome a partir das reuniões na casa carioca da baiana Hilária Batista de Almeida (1854 - 1924), a lendária Tia Ciata, encarnada em cena por Lilian Valeska, intérprete neste quadro do lundu Benguelê (Pixinguinha e Gastão Viana, 1946), número que exemplifica a matriz africana do samba.
A propósito, Gasparani acerta ao brincar no texto com a origem imprecisa do samba sem a preocupação de dar uma resposta ao que ninguém sabe efetivamente. Outro acerto é fazer do próprio samba uma personagem, vista em cena na pele do desenvolto ator Bruno Quixotte. O samba - esse moleque atrevido - entra em cena como personagem ao longo de vários dos 14 quadros, criados para contar de forma cronológica a evolução do samba. Pela ordem natural dos fatos, entram em cena nomes icônicos como José Barbosa da Silva (1888 - 1930) - o Sinhô, rei dos sambas amaxixados e veículo em SamBRA para o ator Wladimir Pinheiro exercitar seu grande poder de comunicação com a plateia - e Ismael Silva (1905 - 1978) (Édio Nunes), além de Cartola (1908 - 1980), cuja obra verde-e-rosa tem também as cores da poesia e é cantada no musical no tom dos conjuntos regionais dos anos 1930 e 1940, exemplo do êxito da reverente direção musical de Nando Duarte. Fiel aos fatos históricos, mas sem se prender em demasia ao realismo, Gasparani cria encontro fictício entre Noel Rosa (1910 - 1937), papel de Cristiano Gualda, e Martinho da Vila, encarnado com perfeição em cena por Alan Rocha. Aliás, SamBRA se escora no talento de um elenco que se garante no gogó. Na sua casa todo mundo é bamba! Nesse quesito, a já mencionada Lilian Valeska dá show à parte quando canta Morte de um poeta (Totonho e Paulinho Rezende, 1976) e quando evoca os agudos de Dalva de Oliveira (1917 - 1972) ao encarnar a cantora do rádio que interpreta Que será (Marino Pinto e Mário Rossi, 1950), samba-canção de tom abolerado. Outro samba-canção, Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951), projeta a dramaticidade embutida no canto de Izabella Bicalho, atriz que puxa o bloco politizado da era dos festivais, entrecortado pelos versos de Roda viva (Chico Buarque, 1968), lembrança metafórica de que a roda de samba acabou nos tempos da ditadura. Já Patrícia Costa brilha ao dar voz e movimento à Boneca de piche (Ary Barroso e Luís Iglesias, 1938), reminiscência do reinado do samba no teatro de revista. Por sua vez, Ana Velloso tem seu grande momento ao viver Beth Carvalho, protagonista do quadro dedicado aos sambistas projetados nas rodas de samba armadas na quadra do bloco Cacique de Ramos. Samba lançado em 1981 pelo grupo Fundo de Quintal, cria do Cacique, Doce refúgio cativa e emociona pela beleza perene da melodia e da poesia dos versos do compositor carioca Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008), bamba da geração que projetou Arlindo Cruz, Jorge Aragão e Zeca Pagodinho. Aliás, o pot-pourri com sambas da turma do Cacique de Ramos - Quando eu contar (Iaiá) (Serginho Meriti e Beto Sem Braço, 1986), Brincadeira tem hora (Beto Sem Braço e Zeca Pagodinho, 1986) e Bagaço da laranja (Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, 1985) - empolga o espectador. Musical produzido através de parceria das empresas Aventura e Musickeria, SamBRA dá no fim o recado vitorioso de um gênero que foi duramente perseguido nas esquinas, nos botequins e nos terreiros, como mostram cenas do primeiro ato. "Respeite quem pode chegar onde a gente chegou", diz o samba, a personagem, por meio dos versos de Moleque atrevido (Jorge Aragão, Flávio Cardoso e Paulinho Rezende, 1998). Enfim, SamBRA ginga bonito pela maestria da direção de Gasparani, pelos movimentos criados por Renato Vieira e por um elenco de bambas. Mesmo com eventuais omissões, como o samba-jazz derivado da Bossa Nova e tocado nas boates cariocas dos anos 1960 por grupos instrumentais, os quadros do musical enredam o espectador ao recontar a história de gênero centenário com humor, leveza, emoção e consciência.
O samba-canção que parece bolero, é samba,a bossa-nova que parece jazz é samba,tem razão de tudo no Brasil acabar em samba.
Queria ter a oportunidade de assistir mais eu não moro mais na capital ai fica difícil, amo samba amo música brasileira que pra mim é a melhor do mundo mais vou fazer um esforço pra poder ver este espetáculo.
Parabéns pela resenha, tão bacana quanto o espetáculo 😀SAMBRA é bom demais😀
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