Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 3 de março de 2015

Trupe edifica 'Presente' entre experimentações e referências paulistanas

Resenha de CD
Título: Presente
Artista: Trupe Chá de Boldo
Gravadora: Pommelo
Cotação: * * * 
Disco disponível para download gratuito no site oficial do grupo

"Diacho / Pra que tanto Dior? / Pra que / Tanto Armani no armário?". Feitas através do jogo de palavras armado nos versos de Diacho (Gustavo Galo), uma das melhores músicas do terceiro álbum da Trupe Chá de Boldo, Presente, as perguntas destilam finas ironias que explicitam a influência da obra do compositor paulistano Itamar Assumpção (1949 - 2003) no cancioneiro de Gustavo Galo, principal fornecedor de repertório para a discografia do coletivo paulistano. A propósito, o fato de existir um estupendo primeiro álbum solo de Galo, Asa (Independente, 2014), entre Presente e o último álbum da Trupe, Nave manha (Independente, 2012), interfere forçosamente na avaliação do disco atual do grupo. Efeito de Galo ter jogado grande parte de sua inspiração no álbum individual, a maior elasticidade no arco do time de compositores nem sempre resulta benéfica para o coletivo, como sinalizam músicas como Smex smov (Tomás Bastos, Danilo Sena e André Mourão com a Trupe Chá de Boldo) e Aos meus amigos (Tomás Bastos). Produzido por Gustavo Ruiz, tal como seu antecessor Nave manha, Presente oscila entre o minimalismo cool da metalinguística O fim é o só começo (Coração) (Gustavo Galo e Ciça Góes), os ecos de Itamar - reverberados em Moremáximo (Gustavo Galo e Paloma Mecozzi), para citar outro exemplo dessa boa influência - e o experimentalismo de temas como Jovem-tirano-príncipe-besta, interessante música de Negro Leo, compositor maranhense radicado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), mas identificado com a estética da cena paulistana. Música cantada por sua coautora Julia Valiengo, Cine espacial - parceria de Valiengo com Tatá Aeroplano - também sobressai no disco ao projetar romance em cenário apocalíptico tragado pela cidade submersa pela água da chuva e avistada de cima por nave que segue (seguro) voo de rota pop. Mesmo marcada atualmente pela escassez de água, São Paulo (SP) é essa cidade que pauta o repertório da Trupe, ainda majoritariamente assinado por Gustavo Galo, compositor (a sós ou em parceria) de oito das 13 músicas do disco. Dentro do painel de referências paulistanas exposto em Presente, a influência da poética do compositor Adoniran Barbosa (1910 - 2012) é escancarada nos versos de Amores vão (Gustavo Galo). "A dor é menor / Quando termina em samba", sentencia Galo nos versos finais da música encerrada em clima experimental. Há samba em Lampejo (Iara Rennó e Gustavo Cabelo), mas o som indie da Trupe extrapola rótulos em Presente. Há samba, há pop, há rock e há também a disposição de não seguir a cartilha básica de nenhum ritmo. "Mudo / Enquanto / Muda / A / Canção", avisa Ciça Góes através dos versos da segunda versão de O fim é só o começo (Gustavo Galo e Ciça Góes). Sim, a Trupe parece estar em constante mutação. No fim, Uma banda (Gustavo Galo, Guto Nogueira e Rafinha Werblowsky) manda o recado: "Uma banda grande é demais / E cabe só onde tem tesão / Uma banda grande é demais". Movida pelo tesão, a Trupe Chá de Boldo volta à cena com um disco que, em que pese seus bons momentos, às vezes dá rasantes no inevitável confronto com o elevado voo solo do compositor Gustavo Galo.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Diacho / Pra que tanto Dior? / Pra que / Tanto Armani no armário?". Feitas através do jogo de palavras armado nos versos de Diacho (Gustavo Galo), uma das melhores músicas do terceiro álbum da Trupe Chá de Boldo, Presente, as perguntas destilam finas ironias que explicitam a influência da obra do compositor paulistano Itamar Assumpção (1949 - 2003) no cancioneiro de Gustavo Galo, principal fornecedor de repertório para a discografia do coletivo paulistano. A propósito, o fato de existir um estupendo primeiro álbum solo de Galo, Asa (Independente, 2014), entre Presente e o último álbum da Trupe, Nave manha (Independente, 2012), interfere forçosamente na avaliação do disco atual do grupo. Efeito de Galo ter jogado grande parte de sua inspiração no álbum individual, a maior elasticidade no arco do time de compositores nem sempre resulta benéfica para o coletivo, como sinalizam músicas como Smex smov (Tomás Bastos, Danilo Sena e André Mourão com a Trupe Chá de Boldo) e Aos meus amigos (Tomás Bastos). Produzido por Gustavo Ruiz, tal como seu antecessor Nave manha, Presente oscila entre o minimalismo cool da metalinguística O fim é o só começo (Coração) (Gustavo Galo e Ciça Góes), os ecos de Itamar - reverberados em Moremáximo (Gustavo Galo e Paloma Mecozzi), para citar outro exemplo dessa boa influência - e o experimentalismo de temas como Jovem-tirano-príncipe-besta, interessante música de Negro Leo, compositor maranhense radicado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), mas identificado com a estética da cena paulistana. Música cantada por sua coautora Julia Valiengo, Cine espacial - parceria de Valiengo com Tatá Aeroplano - também sobressai no disco ao projetar romance em cenário apocalíptico tragado pela cidade submersa pela água da chuva e avistada de cima por nave que segue (seguro) voo de rota pop. Mesmo marcada atualmente pela escassez de água, São Paulo (SP) é essa cidade que pauta o repertório da Trupe, ainda majoritariamente assinado por Gustavo Galo, compositor (a sós ou em parceria) de oito das 13 músicas do disco. Dentro do painel de referências paulistanas exposto em Presente, a influência da poética do compositor Adoniran Barbosa (1910 - 2012) é escancarada nos versos de Amores vão (Gustavo Galo). "A dor é menor / Quando termina em samba", sentencia Galo nos versos finais da música encerrada em clima experimental. Há samba em Lampejo (Iara Rennó e Gustavo Cabelo), mas o som indie da Trupe extrapola rótulos em Presente. Há samba, há pop, há rock e há também a disposição de não seguir a cartilha básica de nenhum ritmo. "Mudo / Enquanto / Muda / A / Canção", avisa Ciça Góes através dos versos da segunda versão de O fim é só o começo (Gustavo Galo e Ciça Góes). Sim, a Trupe parece estar em constante mutação. No fim, Uma banda (Gustavo Galo, Guto Nogueira e Rafinha Werblowsky) manda o recado: "Uma banda grande é demais / E cabe só onde tem tesão / Uma banda grande é demais". Movida pelo tesão, a Trupe Chá de Boldo volta à cena com um disco que, em que pese seus bons momentos, às vezes dá rasantes no inevitável confronto com o elevado voo solo do compositor Gustavo Galo.