Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Cozza desenterra o ouro da alma afro-brasileira na bela rota baiana de 'Partir'

Resenha de CD
Título: Partir
Artista: Fabiana Cozza
Gravadora: Agô Produções
Cotação: * * * * 1/2

Com seu quinto álbum, Partir, Fabiana Cozza faz o movimento mais ousado de sua discografia. No seu álbum anterior de estúdio, Fabiana Cozza (Agô Produções, 2011), a cantora paulistana suavizou seu canto para pisar no terreiro carioca em disco produzido por Paulão Sete Cordas. Gravado após a turnê de show dedicado ao repertório da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983), criterioso tributo perpetuado no CD ao vivo e DVD Canto sagrado (Independente, 2013), Partir conduz Cozza por rota que a leva à Bahia e, de lá, evoca a mãe África com escala na latinidade centro-americana de Borzeguita (Leandro Medina), faixa que embute referência a Cuba. Trata-se de disco de conceito ambicioso, arquitetado por Cozza com Swami Jr. (eficaz produtor do álbum) e Marcelino Freire. Dez anos após sua estreia no mundo do disco com o CD O samba é meu dom (Eldorado, 2005), Cozza apresenta álbum coerente com sua trajetória fonográfica, mas que expande seu universo musical, ainda que a África - já mote do segundo álbum da artista, Quando o céu clarear (Atração Fonográfica, 2007) - seja o fio condutor de Partir. Seja a África entranhada nos congados de Minas Gerais, representada pela bela regravação de Velhos de coroa (Sérgio Pererê, 2012) em que sobressai a percussão de Felipe Roseno, seja a África que rege a Bahia de todos os Santos em cujas águas Partir se banha. O que dá sentido às inclusões de duas parcerias dos compositores baianos Roberto Mendes e Jorge Portugal, Orixá (2007) - poema de Portugal em homenagem à ialorixá baiana conhecida como Mãe Stella de Oxossi musicado por Mendes - e Voz guia (1996). A presença dominante de Roberto Mendes no disco, assinando cinco das 14 músicas de Partir, é fruto de show feito por Cozza com o compositor, em São Paulo (SP), em outubro de 2011. No roteiro desse show, concebido como projeto especial para o Teatro do Sesi, já estavam músicas que reaparecem em Partir, casos de Teus olhos em mim (Roberto Mendes e Nizaldo Costa) e Não pedi (Roberto Mendes e Nizaldo Costa, 2014), dois temas de cepa romântica, sendo que o último é um samba - lançado em disco pela cantora baiana Jurema no ano passado - que deságua nas águas do Recôncavo Baiano. A viagem de Partir é conduzida pelo produtor Swami Jr. com elegância. A própria Fabiana mantém a suavidade do canto experimentada no disco de 2011. Mas nem por isso abre mão dos floreios operísticos que adornam a interpretação de Entre o mangue o mar (Alzira E e Arruda), inédita canção que tem algo das mornas de Cabo Verde e que, por isso mesmo, se avizinha com a música que a sucede na rota afro-baiana do disco, Chicala (João Cavalcanti), tema baseado no universo musical de Angola. Com narrativa cinematográfica de Paulo César Pinheiro, autor dos versos musicados por Vicente Barreto, a épica Roda de capoeira evoca os afro-sambas dos anos 1960. Na sequência, Le Mali chez la carte invisible (2014) - canção em francês (lançada por Jurema no ano passado) de autoria de Tiganá Santana, compositor baiano de quem Cozza também regrava Mama Kalunga, música que deu título ao recém-lançado quinto álbum da cantora Virginia Rodrigues em gravação de tom mais sublime - poetiza a invisibilidade social da África aos olhos do resto do mundo. Com sua voz "lisa e clara", como conceitua Maria Bethânia no texto do encarte em que saúda Partir, Cozza dá voz ao samba Fim da dança (Vidal Assis e Moyseis Marques) e ao otimismo que rege É do mar (canção menos sedutora de Gisele de Santi). No fim da viagem, Seu moço - parceria de Roberto Mendes com Hermínio Bello de Carvalho, lançada por Mendes em 1996 - conduz Partir a Santo Amaro da Purificação, terra sagrada, um epicentro da baianidade nagô que move Cozza na rota inesperada de seu disco. Citando versos de Chicala,  Fabiana Cozza desenterra no CD  Partir o ouro da alma afro-brasileira e molda uma joia.

12 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Com seu quinto álbum, Partir, Fabiana Cozza faz o movimento mais ousado de sua discografia. No seu álbum anterior de estúdio, Fabiana Cozza (Agô Produções, 2011), a cantora paulistana suavizou seu canto para pisar no terreiro carioca em disco produzido por Paulão Sete Cordas. Gravado após a turnê de show dedicado ao repertório da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983), criterioso tributo perpetuado no CD ao vivo e DVD Canto sagrado (Independente, 2013), Partir conduz Cozza por rota que a leva à Bahia e, de lá, evoca a mãe África com escala na latinidade centro-americana de Borzeguita (Leandro Medina), faixa que embute referência a Cuba. Trata-se de disco de conceito ambicioso, arquitetado por Cozza com Swami Jr. (eficaz produtor do álbum) e Marcelino Freire. Dez anos após sua estreia no mundo do disco com o CD O samba é meu dom (Eldorado, 2005), Cozza apresenta álbum coerente com sua trajetória fonográfica, mas que expande seu universo musical, ainda que a África - mote do segundo álbum da artista, Quando o céu clarear (Atração Fonográfica, 2007) - seja o fio condutor de Partir. Seja a África entranhada nos congados de Minas Gerais, representada pela bela gravação de Velhos de coroa (Sérgio Pererê) em que sobressai a percussão de Felipe Roseno, seja a África que rege a Bahia de todos os Santos em cujas águas Partir se banha. O que dá sentido às inclusões de duas parcerias dos compositores baianos Roberto Mendes e Jorge Portugal, Orixá (2007) - poema de Portugal em homenagem à ialorixá baiana conhecida como Mãe Stella de Oxossi musicado por Mendes - e Voz guia (1996). A presença dominante de Roberto Mendes no disco, assinando cinco das 14 músicas de Partir, é fruto de show feito por Cozza com o compositor, em São Paulo (SP), em outubro de 2011. No roteiro desse show, concebido como projeto especial para o Teatro do Sesi, já estavam músicas que reaparecem em Partir, casos de Teus olhos em mim (Roberto Mendes e Nizaldo Costa) e Não pedi (Roberto Mendes e Nizaldo Costa), dois temas de cepa romântica, sendo que o último é um samba que deságua nas águas do Recôncavo Baiano. A viagem de Partir é conduzida pelo produtor Swami Jr. com elegância. A própria Fabiana mantém a suavidade do canto experimentada no disco de 2011. Mas nem por isso abre mão dos floreios operísticos que adornam a interpretação de Entre o mangue o mar (Alzira E e Arruda), canção que tem algo das mornas de Cabo Verde e que, por isso mesmo, se avizinha com a música que a sucede na rota afro-baiana do disco, Chicala (João Cavalcanti), tema baseado no universo musical de Angola. Com narrativa cinematográfica de Paulo César Pinheiro, autor dos versos musicados por Vicente Barreto, a épica Roda de capoeira evoca os afro-sambas dos anos 1960. Na sequência, Le Mali chez la carte invisible - canção em francês de autoria de Tiganá Santana, compositor baiano de quem Cozza também regrava Mama Kalunga, música que deu título ao recém-lançado quinto álbum da cantora Virginia Rodrigues em gravação de tom mais sublime - poetiza a invisibilidade social da África aos olhos do resto do mundo. Com sua voz "lisa e clara", como conceitua Maria Bethânia no texto do encarte em que saúda Partir, Cozza dá voz ao samba Fim da dança (Vidal Assis e Moyseis Marques) e ao otimismo que rege É do mar (canção menos sedutora de Gisele de Santi). No fim da viagem, Seu moço - parceria de Roberto Mendes com Hermínio Bello de Carvalho - conduz Partir a Santo Amaro da Purificação, terra sagrada, um epicentro da baianidade nagô que move Cozza na rota inesperada de seu disco. Citando versos de Chicala, Fabiana Cozza desenterra no CD Partir o ouro da alma afro-brasileira.

Rafael disse...

Relação de faixas do disco:

1. Velhos de Coroa (Sérgio Pererê)
2. Entre O Mangue E O Mar (Alzira Espíndola/Arruda)
3. Chicala (João Cavalcanti)
4. Roda de Capoeira (Vicente Barreto/Paulo César Pinheiro)
5. Le Mali Chez La Carte Invisible (Tiganá Santana)
6. Orixá (Roberto Mendes/Jorge Portugal)
7. Teus Olhos Em Mim (Roberto Mendes/Nizaldo Costa)
8. Não Pedi (Roberto Mendes/Nizaldo Costa)
9. Fim da Dança (Vidal Assis/Moyseis Marques)
10. Mama Kalunga (Tiganá Santana)
11. Voz Guia (Roberto Mendes/Jorge Portugal)
12. É do Mar (Gisele de Santi)
13. Borzeguita (Leandro Medina)
14. Seu Moço (Roberto Mendes/Hermínio Bello de Carvalho)

Rafael disse...

Nas melhores expectativas para ouvir o novo disco dessa sambista incrível...

Dona Emengarda disse...

Bela análise, Mauro! Esse repertório promete!

"Fabiana Cozza, diva “afro-italobrasileira” de Sampa. Íntima dos orixás lucumís e jeje-nagôs, ela ultrapassa fácil a legião de cantoras que, em 2013, botaram um “adé” de conchas na cabeça e uma lei de incentivo debaixo do braço pra“saravá” Clara Nunes. Porque Fabiana não “sarava”; “mojuba”. E como “mojubar” não é simplesmente salvar, saudar e, sim, inclinar-se respeitosamente ante a grandeza infinita dos Ancestrais e Forças Espirituais que nos protegem e conduzem os destinos, ela saiu-se airosamente em seus objetivos."
(Nei Lopes)

Marcelo Barbosa disse...

10 anos de carreira, quinto disco e não emplacou nenhum sucesso? Que coisa! O Trio ABC do Samba com dez anos de carreira e no quinto disco já obtivera êxitos de vendagens e adquirido grandes sucessos no imaginário popular.
Estranho isso ainda mais em tempos de amplas divulgações, enfim.... coisas dos tempos atuais. A culpa deve ser apenas da pirataria. rs

Ju Oliveira disse...

Já comprei pelo iTunes. Estará disponível dia 13. Super ansiosa para ouvir... Valeu pela resenha, Mauro.

Ah, e dias 18 e 19 tem show de lançamento no SESC Vila Mariana (Sampa).

Sou fã dessa mulher desde 2007 e ela só faz crescer, sem perder sua essência. Vambora, Fabi! Onde você for, eu vou atrás.

Anônimo disse...

E pra ser bom precisa emplacar sucessos? No Brasil quem emplaca sucessos são os sertanejos, Anita, Ludimila... Melhor não emplacar e ser Fabiana Cozza, que até que surja outra é a melhor tradução para uma cantora de samba.

Unknown disse...

Marcelo, se atualiza! Trio ABC ficou no passado.Clara se foi, Alcione aderiu ao brega e Beth Carvalho estacionou no meio do caminho!
Fabiana Cozza é a atualidade do samba!!!

Dona Emengarda disse...

Menos, Marcelo! As leis do mercado hoje em dia são bem diferentes do tempo de outrora!

rogerio machado disse...

Onde encontro esse disco? Procurei nas lojas online e ele não está sendo vendido. Procurei em uma loja de discos aqui no meu bairro e o vendedor disse que não tinha noticia que o disco iria chegar à loja. No Deezer o mesmo ainda não está no acervo. Quando ao Itunes. Eu não o tenho.

Unknown disse...

No Spotify está disponível.

lurian disse...

Esse disco é um acalanto afro pros meus ouvidos. Não canso de ouvir essa pérola negra ofertada. Um dos melhores do ano sem dúvidas!!!