Título: Lindeza
Artista: Mariene de Castro (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 26 de junho de 2015
Cotação: * * * 1/2
♪ Mariene de Castro está em processo de transição. Lindeza - show de entressafra, criado para manter a cantora em cena enquanto não se concretiza a gravação de seu terceiro projeto fonográfico audiovisual, previsto para ser registrado em Salvador (BA) no segundo semestre deste ano de 2015 - reflete esse momento transitório. É um show de formação inusitada na trajetória da cantora baiana nos palcos. Estão lá as percussões que sustentam os ritmos afro-brasileiros, mote do repertório original da intérprete. Mas está lá também um piano acústico, de cauda, tocado por Rafael Vernet. É somente com o toque do piano de Vernet que Mariene experimenta número de tom camerístico, entoando com correção Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957), canção de arquitetura clássica que refina o clima sentimental dos temas folhetinescos típicos da década de 1950 sem perda da intensidade. Em Lindeza, Mariene se permite experimentar tempos de delicadeza, ainda que o santo baixe com alguma força na parte final do show, deixando a cantora em casa com suas saudações aos orixás. Mas não é essa Mariene efusiva, calorosa, que domina a cena, sobretudo na primeira metade de Lindeza. Já no primeiro número, Sinfonia da paz (Altay Veloso, 1991), fica evidente que a cantora baixou intencionalmente os tons. Opção estética confirmada na música seguinte, Flor de ir embora (Fátima Guedes, 1990), canção lançada por Maria Bethânia há 25 anos. De certa forma, os versos de Fátima Guedes simbolizam o momento e o movimento artístico esboçado por Mariene em seu último álbum de estúdio, Colheita (Universal Music, 2014). Sem romper radicalmente com os sons de sua terra, Mariene está sendo movida pelo desejo de correr o mundo (musical) afora, amadurecendo aos poucos. O show Lindeza poderia até esticado esse movimento. Seu bloco inicial supõe um roteiro mais surpreendente do que efetivamente é o repertório deste show em que Mariene revisita sucessos da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) - cuja obra abordou no CD e DVD Ser de luz - Homenagem a Clara Nunes (Universal Music, 2013) - e músicas de seus discos anteriores como Amuleto de sorte (Nelson Rufino, 2012) - cantado com gosto pela plateia - e o infalível Abre caminho (Roque Ferreira, J. Velloso e Mariene de Castro, 2004). O atrapalhamento da cantora com a letra de João Valentão (Dorival Caymmi, 1953) evidenciou sério momento de desconcentração da artista em número valorizado pelo floreio jazzy do baixo de Adalberto Miranda. Um medley com toadas e baiões da nação nordestina - partindo de Hora do adeus (Onildo de Almeida e Luiz Queiroga, 1966), lembrança do reinado de Luiz Gonzaga (1912 - 1989), e culminando com Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) - mostrou que Mariene, fora da seara do samba de sua terra, tem mais facilidade para dominar o idioma sentimental dessas canções, como Dono dos teus olhos (Humberto Teixeira, 1956), sem cair no drama. Lindamente vestida com figurinos de Cris Cordeiro, a cantora abriu espaço - na hora de trocar de vestido - para o inebriante solo de percussão (conduzido pelo berimbau) de Marco Lobo que culminou com afetiva citação de Ponta de areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) em ponte que ligou Bahia a Minas Gerais do imortal poeta Fernando Brant (1946 - 2015). Música inédita que Mariene já vem cantando em shows, desde a temporada de Colheita, Eu quero ir com você confirma a inspiração da emergente compositora paraibana Flavia Wenceslau, de quem Mariene já gravara o maracatu Filha do mar no álbum Tabaroinha (Universal Music, 2012). A canção é tão simples quanto bela, evocando o repertório romântico do compositor pernambucano Dominguinhos (1941- 2013) e se insinuando como hit assim que for promovida (a cantora já gravou a música e vai lançá-la com clipe). Na sequência final, Mariene voltou a cair no samba de sua terra com a manemolência e a ginga que a tornaram uma das mais destacadas intérpretes do gênero. Show que não chega a delimitar de fato novo ciclo na carreira de Mariene de Castro, Lindeza aduba o terreno para colheitas mundo afora.
16 comentários:
♪ Mariene de Castro está em processo de transição. Lindeza - show de entressafra, criado para manter a cantora em cena enquanto não se concretiza a gravação de seu terceiro projeto fonográfico audiovisual, previsto para ser registrado em Salvador (BA) no segundo semestre deste ano de 2015 - reflete esse momento transitório. É um show de formação inusitada na trajetória da cantora baiana nos palcos. Estão lá as percussões que sustentam os ritmos afro-brasileiros, mote do repertório original da intérprete. Mas está lá também um piano acústico, de cauda, tocado por Rafael Vernet. É somente com o toque do piano de Vernet que Mariene experimenta número de tom camerístico, entoando com correção Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957), canção de arquitetura clássica que refina o clima sentimental dos temas folhetinescos típicos da década de 1950 sem perda da intensidade. Em Lindeza, Mariene se permite experimentar tempos de delicadeza, ainda que o santo baixe com alguma força na parte final do show, deixando a cantora em casa com suas saudações aos orixás. Mas não é essa Mariene efusiva, calorosa, que domina a cena, sobretudo na primeira metade de Lindeza. Já no primeiro número, Sinfonia da paz (Altay Veloso, 1991), fica evidente que a cantora baixou intencionalmente os tons. Opção estética confirmada na música seguinte, Flor de ir embora (Fátima Guedes, 1990), canção lançada por Maria Bethânia há 25 anos. De certa forma, os versos de Fátima Guedes simbolizam o momento e o movimento artístico esboçado por Mariene em seu último álbum de estúdio, Colheita (Universal Music, 2014). Sem romper radicalmente com os sons de sua terra, Mariene está sendo movida pelo desejo de correr o mundo (musical) afora, amadurecendo aos poucos. O show Lindeza poderia até esticado esse movimento. Seu bloco inicial supõe um roteiro mais surpreendente do que efetivamente é o repertório deste show em que Mariene revisita sucessos da cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) - cuja obra abordou no CD e DVD Ser de luz - Homenagem a Clara Nunes (Universal Music, 2013) - e músicas de seus discos anteriores como Amuleto de sorte (Nelson Rufino, 2012) - cantado com gosto pela plateia - e o infalível Abre caminho (Roque Ferreira, J. Velloso e Mariene de Castro, 2014).
O atrapalhamento da cantora com a letra de João Valentão (Dorival Caymmi, 1953) evidenciou sério momento de desconcentração da artista em número valorizado pelo floreio jazzy do baixo de Adalberto Miranda. Um medley com toadas e baiões da nação nordestina - partindo de Hora do adeus (Onildo de Almeida e Luiz Queiroga, 1966), lembrança do reinado de Luiz Gonzaga (1912 - 1989), e culminando com Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) - mostrou que Mariene, fora da seara do samba de sua terra, tem mais facilidade para dominar o idioma sentimental dessas canções, como Dono dos teus olhos (Humberto Teixeira, 1956), sem cair no drama. Lindamente vestida com figurinos de Cris Cordeiro, a cantora abriu espaço - na hora de trocar de vestido - para o inebriante solo de percussão (conduzido pelo berimbau) de Marco Lobo que culminou com afetiva citação de Ponta de areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) em ponte que ligou Bahia a Minas Gerais do imortal poeta Fernando Brant (1946 - 2015). Música inédita que Mariene já vem cantando em shows, desde a temporada de Colheita, Eu quero ir com você confirma a inspiração da emergente compositora paraibana Flavia Wenceslau, de quem Mariene já gravara o maracatu Filha do mar no álbum Tabaroinha (Universal Music, 20120. A canção é tão simples quanto bela, evocando o repertório romântico do compositor pernambucano Dominguinhos (1941- 2013) e se insinuando como hit assim que for promovida (a cantora já gravou a música e vai lançá-la com clipe). Na sequência final, Mariene voltou a cair no samba de sua terra com a manemolência e a ginga que a tornaram uma das mais destacadas intérpretes do gênero. Show que não chega a delimitar de fato novo ciclo na carreira de Mariene de Castro, Lindeza aduba o terreno para colheitas mundo afora.
Mauro, Abre Caminho é de 2004 e não 14. Abs
Ps: e Mariene, pelo amor de Deus. Altayr Veloso é compositor de Alcione, SPC, Alexandre Pires,....
bom dia Mauro o ano saiu errado... no álbum Tabaroinha (Universal Music, 20120.
Obrigado, Marcelo e Italo, pelos toques dos erros de digitação. Abs, MauroF
Confesso que tenho um certo receio desse "amansamento" dos tons da cantora, dos toques dos tambores e das reverências aos orixás e à cultura afro brasileira. Afinal Marine surgiu para o mundo assim, quando foi "arrebatada", uma ilustre desconhecida até então, para uma turnê em Paris, por conta dos seus tons, do batuque de seus tambores, pela pujança da cultura afro brasileira que pulsa na Bahia independente da vontade da indústria do tal "axé" e do carnaval. E foi com toda essa "rusticidade", eu diria verdade, que chegou abrindo caminho em seu primeiro disco. Aquela força tem sido, sinto eu, um tanto quanto podada nesse suposto "amansamento". Para Marine, cabe muito mais Roque Ferreira, penso eu.
Altay Veloso também já foi gravado por Nana Caymmi, Elba Ramalho, Zizi Possi, Selma Reis, Leny Andrade...
Todos "sambistas". Mariene é do samba!
No mais, a grande maioria dos grandes do Samba não gravaram.
Caro Mauro,
Tudo bem? 3,5?? Isso mesmo?
Nesse dia 26, no teatro Net, fui "apresentado" a duas pessoas: você e Mariene. Fiquei intrigado com uma pessoa que estava com caneta e papel, nas primeiras fileiras, anotando cada passo da cantora. Perguntei a um amigo que me acompanhava e ele me disse que se tratava do Mauro Ferreira, crítico musical.
Gravei esse nome e entrei aqui todos os dias na espera da crítica, fiquei curioso em saber o que você tanto escrevia e o que iria falar dessa artista mais interessante das últimas décadas que apareceu no Brasil. Fiquei mais intrigado ainda por não conhecê-la antes. Pensei comigo: "Meu Deus, como esse país não a conhece ainda!! É a cantora mais brasileira desse país!!". Fiquei estupefato! Como a mídia não fala dela, como que a imprensa não a adotou e catalisou esse sucesso logo!! Meu caro Mauro, nossos grandes nomes da música brasileira estão indo embora aos poucos e eu encontrei, finalmente, a substituta de todos eles para a próxima geração. Não que o Brasil não esteja cheio de talentos à altura, mas a Mariene é do povo! Ela é refinada e popular ao mesmo tempo, tem discurso, faz arte. Mariene está se tornando uma grande estrela e a maior intérprete desse país. Digo isso com uma certeza ímpar, de uma pessoa que está até agora estarrecida e inebriada com o que ela fez em cima daquele palco. E digo mais, fui esperando um show todo de samba, pois foi o que me vendeu o meu amigo. Se ela é sambista e fez aquilo, isso mostra uma versatilidade fabulosa. Antes de tudo, ela é intérprete! Mas, como uma boa brasileira, não deve conseguir deixar o samba.
Sobre a sua crítica, fiquei um pouco decepcionado com a frieza, apesar do belo texto e de alguns elogios. Você, pelo o que eu percebi, é um formador de opinião, uma peça importante na formação de novos ídolos. Contamos com você e com a imprensa brasileira para alavancar e apresentar essa artista para o mundo!! Na terra onde os Cristianos Araújos tem mais espaço do que os Fernandos Brants precisa da sua ajuda.
Salve a arte de Mariene de Castro!
Com todo respeito,
Renatto
Ao cantar Fátima Guedes e Dolores Duran, me parece que ela não está querendo ficar presa a rótulo de sambista!
Marcelo Barbosa, patrulhar escolha de compositores é coisa dos anos 70! Se atualiza, cara! Existe vida além dos muros do Cacique de Ramos!
Com certeza existe, Marisa. Mas existem sambistas e "sambistas". Abs
Relativo, xuxú! A maior sambista de todos os tempos quase não canta samba: Elza Soares!
Cantar Fátima Guedes e Dolores Duran só mostra que a cantora tem um gosto fantástico!!!
Cantar Fátima Guedes e Dolores Duran mostra também que a cantora tem um gosto fantástico e que tem voz para encarar outros rítmos!
Ela acrescentou um piano e 5 músicas clássicas a um repertório que sempre faz e deu o nome desse hype de Lindeza. Não pode ser visto como show de transição, o show colheita fez um corte mais radical na estética da figura e da música de Mariene, embora ela tenha divulgado pouco um trabalho tão bacana. Fez o mesmo com o Tabaroinha, que foi atropelado pela equivocada homenagem a Clara.
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