Título: Caro Chico
Artista: Susanna Stivali
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * * 1/2
♪ Vários intérpretes já dedicaram álbuns e shows ao cancioneiro de Chico Buarque, cuja obra favorece em especial cantores de veia teatral. Nome em ascensão na cena de jazz da Itália, a cantora Susanna Stivali tem lançado no Brasil um excelente disco, Caro Chico, que se desvia dos arroubos vocais em favor de sofisticada musicalidade de tom jazzístico. Mas o jazz de Stivali jamais desfigura as músicas do compositor carioca. Doze delas estão no disco, perfeitamente reconhecíveis, mas com a assinatura musical da artista italiana, que jamais joga a obra de Chico na vala comum do cover. Todas as músicas foram vertidas para o italiano, idioma até já familiar para quem acompanha toda a discografia do cantor brasileiro. Afinal, em 1969 - ano em que se auto-exilou na Itália, para evitar iminente prisão pelos algozes do regime militar instaurado no Brasil em 1964 e arrochado em dezembro de 1968 com a promulgação do AI-5 - Chico chegou a gravar um disco italiano, com seus sucessos iniciais vertidos para o idioma do país que o acolheu. As conexões posteriores com o letrista Sergio Bardotti reforçaram os laços italianos da obra do compositor brasileiro - o que dá sentido adicional ao álbum de Stivali. Produzido pela própria Susanna Stivali, que assina a direção musical do disco com Francis Hime, Caro Chico tem o aval e a presença do homenageado. A voz já maturada de Chico é ouvida logo no início da primeira faixa, o samba Morena dagli occhi d'acqua (Morena dos olhos d'água) (Chico Buarque, 1966, em versão em italiano de Susana Stivali e Max de Tomassi). Na sequência do álbum, as passagens instrumentais de Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1971, em versão em italiano de Sergio Bardotti) - conduzidas pelo piano de Rita Marcotulli - já sinalizam o tom jazzístico que se impõe ao longo de Caro Chico. Sambas como C'e piu samba (Tem mais samba) (Chico Buarque, 1964, em versão em italiano de Bruno Lauzi) e Samba del grande amore (Samba do grande amor) (Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Sergio Bardotti) são abordados por Stivali em clima de samba-jazz que evoca a swingueira brasileira dos anos 1960, derivada da Bossa Nova. Já Beatrice (Beatriz) (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Max de Tomassi) ganha o toque celestial da harpa de Cristina Braga, único instrumento da faixa. Dentre os convidados do disco, a surpresa é a presença discreta do cantor e compositor carioca Cícero - jovem nome da cena indie, dissociado do universo da MPB em que frutificou o cancioneiro de Chico - em Era tanta saudade (Tanta saudade) (Djavan e Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Max de Tomassi), tema que tem preservado o tempero da salsa cubana antes de cair de vez no jazz latino. Entre as dissonâncias da desconstrução de La costruzione (Construção) (Chico Buarque, 1971, em versão de Sergio Bardotti e Enzo Jannacci) e a nobre presença de Francis Hime em La fidanzata di tutta la cittá (A noiva da cidade) (Francis Hime e Chico Buarque, 1975, em versão em italiano de Max Tomassi), faixa que culmina com citação da cantiga infantil Boi da cara preta, Stivali apresenta versão em italiano de Joana francesa (Chico Buarque, 1973), La francese, que preserva o tom afrancesado dos versos da letra engenhosa, tal como imaginado por Chico ao compor a música em português. Mérito, no caso, do versionista Vinicio Capossela. Em contrapartida, a canção Oh che sarà (O que será?) (Chico Buarque, 1976, em versão em italiano de Ivano Fossati e Fiorenzo Zanotti) deixa de soar à flor da pele no registro jazzístico de Stivali. Por fim, Lei era lei (Renata Maria) (Ivan Lins e Chico Buarque, 2005, em versão em italiano de Max de Tomassi) arremata Caro Chico com requinte e o toque do violoncelo de Jaques Morelenbaum. Gravado entre o Brasil e a Itália, o disco apresenta uma das melhores abordagens do cancioneiro genial de Chico Buarque de Hollanda, compositor tão identificado com sua pátria e sua língua que ainda não teve o devido (re)conhecimento planetário.
3 comentários:
♪ Vários intérpretes já dedicaram álbuns e shows ao cancioneiro de Chico Buarque, cuja obra favorece em especial cantores de veia teatral. Nome em ascensão na cena de jazz da Itália, a cantora Susanna Stivali tem lançado no Brasil um excelente disco, Caro Chico, que se desvia dos arroubos vocais em favor de sofisticada musicalidade de tom jazzístico. Mas o jazz de Stivali jamais desfigura as músicas do compositor carioca. Doze delas estão no disco, perfeitamente reconhecíveis, mas com a assinatura musical da artista italiana, que jamais joga a obra de Chico na vala comum do cover. Todas as músicas foram vertidas para o italiano, idioma até já familiar para quem acompanha toda a discografia do cantor brasileiro. Afinal, em 1969 - ano em que se auto-exilou na Itália, para evitar iminente prisão pelos algozes do regime militar instaurado no Brasil em 1964 e arrochado em dezembro de 1968 com a promulgação do AI-5 - Chico chegou a gravar um disco italiano, com seus sucessos iniciais vertidos para o idioma do país que o acolheu. As conexões posteriores com o letrista Sergio Bardotti reforçaram os laços italianos da obra do compositor brasileiro - o que dá sentido adicional ao álbum de Stivali. Produzido pela própria Susanna Stivali, que assina a direção musical do disco com Francis Hime, Caro Chico tem o aval e a presença do homenageado. A voz já maturada de Chico é ouvida logo no início da primeira faixa, o samba Morena dagli occhi d'acqua (Morena dos olhos d'água) (Chico Buarque, 1966, em versão em italiano de Susana Stivali e Max de Tomassi). Na sequência do álbum, as passagens instrumentais de Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1971, em versão em italiano de Sergio Bardotti) - conduzidas pelo piano de Rita Marcotulli - já sinalizam o tom jazzístico que se impõe ao longo de Caro Chico. Sambas como C'e piu samba (Tem mais samba) (Chico Buarque, 1964, em versão em italiano de Bruno Lauzi) e Samba del grande amore (Samba do grande amor) (Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Sergio Bardotti) são abordados por Stivali em clima de samba-jazz que evoca a swingueira brasileira dos anos 1960, derivada da Bossa Nova. Já Beatrice (Beatriz) (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Max de Tomassi) ganha o toque celestial da harpa de Cristina Braga, único instrumento da faixa. Dentre os convidados do disco, a surpresa é a presença discreta do cantor e compositor carioca Cícero - jovem nome da cena indie, dissociado do universo da MPB em que frutificou o cancioneiro de Chico - em Era tanta saudade (Tanta saudade) (Djavan e Chico Buarque, 1983, em versão em italiano de Max de Tomassi), tema que tem preservado o tempero da salsa cubana antes de cair de vez no jazz latino. Entre as dissonâncias da desconstrução de La costruzione (Construção) (Chico Buarque, 1971, em versão de Sergio Bardotti e Enzo Jannacci) e a nobre presença de Francis Hime em La fidanzata di tutta la cittá (A noiva da cidade) (Francis Hime e Chico Buarque, 1975, em versão em italiano de Max Tomassi), faixa que culmina com citação da cantiga infantil Boi da cara preta, Stivali apresenta versão em italiano de Joana francesa (Chico Buarque, 1973), La francese, que preserva o tom afrancesado dos versos da letra engenhosa, tal como imaginado por Chico ao compor a música em português. Mérito, no caso, do versionista Vinicio Capossela. Em contrapartida, a canção Oh che sarà (O que será?) (Chico Buarque, 1976, em versão em italiano de Ivano Fossati e Fiorenzo Zanotti) deixa de soar à flor da pele no registro jazzístico de Stivali. Por fim, Lei era lei (Renata Maria) (Ivan Lins e Chico Buarque, 2005, em versão em italiano de Max de Tomassi) arremata Caro Chico com requinte e o toque do violoncelo de Jaques Morelenbaum. Gravado entre o Brasil e a Itália, o disco apresenta uma das melhores abordagens do cancioneiro genial de Chico Buarque de Hollanda, compositor tão identificado com sua pátria e sua língua que ainda não teve o devido (re)conhecimento planetário.
Ouvi um trecho deste álbum e gostei muito... A cantora é super talentosa...
Gostei do arremate da resenha.
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