Resenha de CD e DVD
Título: Loucura - Adriana Calcanhotto canta Lupicínio Rodrigues
Artista: Adriana Calcanhotto
Gravadora: Sony Music
Cotação: * * * *
♪ Com lucidez, Adriana Calcanhotto entendeu que não cabia fazer drama ao reabrir a caixa de ódio que guarda o cancioneiro do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974), cronista sem meias palavras das dores de amores, expostas em carne viva em obra que teve seu auge produtivo nos anos 1940 e 1950. Loucura - o CD ao vivo e o DVD que perpetuam o show em que a cantora gaúcha interpreta os maiores sucessos da obra de seu ilustre conterrâneo - vai na contramão da dramaticidade dos habituais registros das músicas do compositor de Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952), samba-canção que Calcanhotto já abordara em seu primeiro álbum, o equivocado Enguiço (Sony Music, 1990), e que volta a interpretar neste show (bem) captado pela Samba Filmes na única apresentação feita em Porto Alegre (RS), cidade natal da cantora e do compositor, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 4 de dezembro de 2014 - ainda a tempo de festejar o centenário de nascimento de Lupicínio. Vestida a rigor, mas com batom vermelho e maquiagem glitter ao redor dos olhos, Calcanhotto ceva o amargo do cancioneiro de Lupicínio, interiorizando os (res)sentimentos pesados contidos nos versos do autor. O sofrimento está no olhar, na alma e no tom comedido da voz. Mas Calcanhotto não o escancara, ainda que improvise um teatro ao longo da interpretação do samba-canção Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957), número de acento blues (dado pelo dobro tocado por Cid Campos) em que a cantora acaricia cadeira vazia - símbolo da ausência do ser amado - até deitar no palco, vencida pela dor. Com economia de gestos e movimentos, a ponto de cantar Homenagem (Lupicínio Rodrigues, 1961) praticamente imóvel na abertura do show, Calcanhotto dá voz sensível a músicas entranhadas em sua memória afetiva. Musicalmente, a banda envolve temas como Ela disse-me assim (Vá embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959) em sonoridade que evoca com modernidade o toque dos conjuntos regionais dos anos 1940. Em geral, a maioria dos números feitos com a banda - caso do samba-canção Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) - abre espaços para intervenções destacadas dos sopros de Jessé Sadoc, músico que se alterna no trompete e no flugelhorn. No meio de Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1950), a banda ganha a adesão do violonista gaúcho Arthur Nestrovski, músico de formação erudita. Com o virtuoso Nestrovski, Calcanhotto faz set de voz e violão em que alinha Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1948), Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) e Esses moços (Pobres moços) (Lupicínio Rodrigues, 1948), número em que Nestrovski faz sagaz citação instrumental do choro-canção Carinhoso (Pixinguinha, 1928). A partir da entrada do acordeonista gaúcho Arthur de Faria, em Judiaria (Lupicínuo Rodrigues, 1971), o recital adquire caráter progressivamente sulista que culmina, já no bis, com a transposição da toada gaúcha Cevando o amargo (Lupicínio Rodrigues e Paratini, 1953) para o universo do samba de roda do Recôncavo Baiano, rota seguida pelo toque das cordas do violão do baiano Cezar Mendes, integrante da banda virtuosa que inclui ainda Alberto Continentino no contrabaixo e Dadi em outro violão. Mesmo quando ensaia uns passos de samba em Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), também no bis, Calcanhotto preserva o ar interiorizado do show. Nos extras, a artista explica em conversa formal com o baterista Domenico Lancellotti - mote do documentário A luz do refletor - a origem e o caráter de sua homenagem a Lupicínio, cujo samba Cenário de Mangueira (Lupicínio Rodrigues e Henrique de Almeida, 1969) é levado na batida eletrônica do funk carioca em número de estúdio alocado nos extras do DVD e reproduzido no CD. É uma saudável loucura estilística que jamais anula o tom reverentemente lúcido da bela abordagem da obra de Lupicínio Rodrigues por Adriana Calcanhotto.
♪ Com lucidez, Adriana Calcanhotto entendeu que não cabia fazer drama ao reabrir a caixa de ódio que guarda o cancioneiro do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974), cronista sem meias palavras das dores de amores, expostas em carne viva em obra que teve seu auge produtivo nos anos 1940 e 1950. Loucura - o CD ao vivo e o DVD que perpetuam o show em que a cantora gaúcha interpreta os maiores sucessos da obra de seu ilustre conterrâneo - vai na contramão da dramaticidade dos habituais registros das músicas do compositor de Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952), samba-canção que Calcanhotto já abordara em seu primeiro álbum, o equivocado Enguiço (Sony Music, 1990), e que volta a interpretar neste show (bem) captado pela Samba Filmes na única apresentação feita em Porto Alegre (RS), cidade natal da cantora e do compositor, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 4 de dezembro de 2014 - ainda a tempo de festejar o centenário de nascimento de Lupicínio. Vestida a rigor, mas com batom vermelho e maquiagem glitter ao redor dos olhos, Calcanhotto ceva o amargo do cancioneiro de Lupicínio, interiorizando os (res)sentimentos pesados contidos nos versos do autor. O sofrimento está no olhar, na alma e no tom comedido da voz. Mas Calcanhotto não o escancara, ainda que improvise um teatro ao longo da interpretação do samba-canção Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957), número de acento blues (dado pelo dobro tocado por Cid Campos) em que a cantora acaricia cadeira vazia - símbolo da ausência do ser amado - até deitar no palco, vencida pela dor. Com economia de gestos e movimentos, a ponto de cantar Homenagem (Lupicínio Rodrigues, 1961) praticamente imóvel na abertura do show, Calcanhotto dá voz sensível a músicas entranhadas em sua memória afetiva. Musicalmente, a banda envolve temas como Ela disse-me assim (Vá embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959) em sonoridade que evoca com modernidade o toque dos conjuntos regionais dos anos 1940. Em geral, a maioria dos números feitos com a banda - caso do samba-canção Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) - abre espaços para intervenções destacadas dos sopros de Jessé Sadoc, músico que se alterna no trompete e no flugelhorn. No meio de Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1950), a banda ganha a adesão do violonista gaúcho Arthur Nestrovski, músico de formação erudita. Com o virtuoso Nestrovski, Calcanhotto faz set de voz e violão em que alinha Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1948), Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) e Esses moços (Pobres moços) (Lupicínio Rodrigues, 1948), número em que Nestrovski faz citação instrumental do choro-canção Carinhoso (Pixinguinha, 1928). A partir da entrada do acordeonista gaúcho Arthur de Faria, em Judiaria (Lupicínuo Rodrigues, 1971), o recital adquire caráter progressivamente sulista que culmina, já no bis, com a transposição da toada gaúcha Cevando o amargo (Lupicínio Rodrigues e Paratini, 1953) para o universo do samba de roda do Recôncavo Baiano, rota seguida pelo toque das cordas do violão do baiano Cezar Mendes, integrante da banda virtuosa que inclui ainda Alberto Continentino no contrabaixo e Dadi em outro violão. Mesmo quando ensaia uns passos de samba em Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), também no bis, Calcanhotto preserva o ar interiorizado do show. Nos extras, a artista explica em conversa formal com o baterista Domenico Lancellotti - mote do documentário A luz do refletor - a origem e o caráter de sua homenagem a Lupicínio, cujo samba Cenário de Mangueira (Lupicínio Rodrigues e Henrique de Almeida, 1969) é levado na batida eletrônica do funk carioca em número de estúdio alocado nos extras do DVD e reproduzido no CD. É uma saudável loucura estilística que jamais anula o tom reverentemente lúcido da bela abordagem da obra de Lupicínio Rodrigues por Adriana Calcanhotto.
ResponderExcluirOuvi o disco pelo Deezer já, mas mesmo assim comprei o CD e tô esperando ele chegar. Adriana fez um belíssimo tributo a Lupicínio, estou encantando por esse disco!!! Meus parabéns a cantora!!!
ResponderExcluirÉ emocionante ouvir ela por a platéia toda para cantar "Felicidade". Você se sente como se estivesse no palco, cantando junto com ela.
ResponderExcluiro povo já colocou o dvd no ou tube .. pra quem quiser ver
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ResponderExcluirMauro, sabe se a intenção de Adriana é fazer uma turnê desse show ou se limitar ao registro em DVD?
ResponderExcluirHenrique, Adriana declarou que não vai ter turnê pela impossibilidade de reunir os mesmos músicos da gravação. abs, MauroF
ResponderExcluirQue venha também os discos de Elza Soares e da Gal Costa dedicados a Lupicínio!!! Estou louquinho para ouví-los...
ResponderExcluirDiscordando do colunista, acho "Enguiço" um belo disco de estreia. Adriana transforma "Sonífera Ilha" noutra canção, incrivelmente mais bela.
ResponderExcluirUma pena que o show não vai viajar. Agora, Adriana nos deve um disco de inéditas.
ResponderExcluirEnguiço não tem nada de equivocado!! É super disco!!! Equivocado é ...bem...deixa pra lá... ;)
ResponderExcluirQue lindo esse tributo de Calcanhoto à obra do seu conterrâneo ilustre!
ResponderExcluirNessa época de homenagens feitas por Adriana, Gal, Elza e Joanna, sempre lembro da beleza da gravação de Zizi Possi cantando "Nunca" em seu segundo disco. Uma outra voz na medida para os dramas de Lupe!
Comprei no final de semana e assisti ontem. Simplesmente maravilhoso!
ResponderExcluirNão deve nada ao grande Jamelão e a Elza Soares, dois dos maiores intérpretes de Lupicínio.
Repeti Vingança umas duas vezes. Queria que o Mauro me esclarecesse, Vingança foi lançado primeiramente por Linda Batista? Abs
O disco é lindíssimo, Adriana nos mostrou que sabe como ninguém sobrecarregar de paixão, ódio e rancor canções já velhas conhecidas, quase domínio público. Ela se apropria dessas canções com uma propriedade vastíssima. Também discordo do Mauro quanto ao equivocado disco de estreia. Porém, não há como negar que o "Enguiço" (1990) é realmente o trabalho mais diferente da Calcanhotto, que naquela época assinava ainda Calcanhoto com um "t" só! Mesmo com toda sua estranheza, há ali canções que ressoam e que foram eternizadas como é o caso de Sonífera Ilha, Nunca e Naquela Estação, que são primores!
ResponderExcluirMarcelo, 'Vingança' foi lançada em disco em 1951, em gravações quase simultâneas do Trio de Ouro e de Linda Batista. Acho que a do Trio veio primeiro, mas a que fez sucesso foi a gravação de Linda. Abs, MauroF
ResponderExcluirAguém sabe se tem previsão para o lançamento do disco da Elza? Fui em um dos shows no Theatro São Pedro e estava divino...
ResponderExcluirJu, acredito que Elza lance primeiro o disco gravado com os músicos de São Paulo. Abs, MauroF
ResponderExcluirObrigado, meu caro! Abs
ResponderExcluirAugusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)
ResponderExcluirEnguiço 1990, Senhas 1992, A fábrica do poema 1994 e Marítimo 1998 são os melhores disco da Adriana, de Cantada 2002 para cá os discos dela ficaram chatos. Já ouvi o disco cantando Lupicínio e gostei, Castigo ficou linda e quanto a Nunca, ninguém até hoje conseguiu superar a de Zizi Possi do disco Pedaço de mim 1979. E quanto ao disco Enguiço, não é equivocado é uma obra prima.
Estou ansioso pra ouvir esse lançamento, Adriana sabe das coisas.
ResponderExcluirAmigo Maurício Barbosa, o disco está lindo... Você deve ouví-lo...
ResponderExcluir"Enguiço",título auto-explicativo;Sonífera ilha ganhou uma interpretação que produz sono mesmo,e com "Caminhoneiro" ela foi ladeira abaixo,sem perdão.E viva a diversidade de gostos.
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