Mauro Ferreira no G1

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sábado, 8 de agosto de 2015

Com lucidez, livro historia tensões e contradições entre sertanejos e caipiras

Resenha de livro
Título: Cowboys do asfalto - Música sertaneja e modernização brasileira
Autor: Gustavo Alonso
Editora: Civilização Brasileira
Cotação: * * * * *

Rala, a bibliografia sobre a música sertaneja é adensada com a edição de um de seus títulos mais consistentes. Desenvolvimento de tese sobre o gênero, defendida pelo historiador Gustavo Alonso em 2011,  Cowboys do asfalto - Música sertaneja e modernização brasileira é livro essencial porque, além de mostrar a evolução do gênero dos anos 1920 até os anos 2010, década dominada pelo subgênero intitulado sertanejo universitário, o autor historia as tensões e contradições entre caipiras e sertanejos. Caipiras seriam os artistas defensores conscientes ou intuitivos das raízes da música rural brasileira, casos da cantora Inezita Barroso (1925 - 2015) e das extintas duplas Tonico & Tinoco e Pena Branca & Xavantinho. Sertanejos seriam os cantores e as duplas que eletrificaram o gênero e se afastaram das raízes caipiras. Ao mostrar o processo de transformação da música caipira em música sertaneja, tomando como marco inicial o uso da guitarra elétrica pela dupla Léo Canhoto e Robertinho a partir de 1969, Alonso jamais toma partido de uns ou outros. Mas a narrativa fluente do livro deixa clara a defesa do autor pelo gênero em si, alvo de preconceitos de jornalistas, artistas e formadores de opinião, sobretudo nas cidades de Rio de Janeiro (RJ) - a última a se render ao gênero, no início dos anos 1990 - e de São Paulo (SP). Alonso dá nomes aos bois, mostrando como a imprensa por vezes ignorou fatos relevantes do universo sertanejo por puro preconceito. Com seu extenso trabalho de pesquisa, o autor revela fatos curiosos como o esquecimento (intencional) de Nhô look (Philips, 1970), álbum em que o maestro carioca Rogério Duprat (1932 - 2006) passa a música sertaneja pelo filtro tropicalista. A narrativa de Cowboys do asfalto repisa todo o caminho seguido pela música sertaneja desde o fim dos anos 1920, mas, nessa cronologia, a ênfase do livro é na modernização do caipira, desenvolvida a partir de 1970 por duplas como a pioneira Léo Canhoto & Robertinho, seguida por Milionário & José Rico e Chitãozinho & Xororó. Alonso mostra como a música sertaneja sofreu resistências inclusive nos meios caipiras. E como enfrentou cada preconceito e quebrou cada barreira até se impor no mercado fonográfico nacional. Um ano-chave para essa aceitação - ainda que parcial - foi 1989, quando os irmãos paranaenses Chitãozinho & Xororó ingressaram na gravadora multinacional PolyGram (uma década mais tarde encampada pela Universal Music) sete anos após terem vendido um milhão de cópias do álbum Somos apaixonados (Copacabana, 1982), sem apoio da imprensa e da TV Globo, por conta do sucesso da música Fio de cabelo (Darci Rossi e Marciano). No rastro da consagração nacional de Chitãozinho & Xororó, duplas como Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano consolidam suas trajetórias fonográficas ao longo dos anos 1990. Sem poupar ninguém, Alonso lembra as contradições de Zezé Di Camargo, que atacou publicamente artistas do sertanejo universitário até se render ao fato de que Luan Santana, Michel Teló e cia. tinham vindo para ficar e, a partir de então, mudar de opinião, fazendo inclusive conexões com artistas do gênero. Cowboys do asfalto explica a gênese e as características desse vertente pop da música sertaneja, voltada para músicas que falam de amores bem-sucedidos e de paixões fugazes vividas nas baladas entre uma cerveja e outra. O atual universo sertanejo gravita em torno da festa, diferentemente das gerações anteriores (as de Chitãozinho & Xororó e de Leandro & Leonardo), cujos repertórios explicitaram forte influência das amarguras e fracassos sentimentais expostos nas músicas de cantores populares como Amado Batista. Outra relevante contribuição do livro é ressaltar que nem sempre a indústria cultural é a responsável pela criação de modismos sertanejos. Muitas vezes, como no caso do sertanejo universitário, a (r)evolução acontece às margens do mercado fonográfico. Somente quando a mudança já está em curso é que as gravadoras acordam e se apropriam dela, amplificando o sucesso de artistas pioneiros e fabricando ídolos moldados à imagem e semelhança desses desbravadores. Cowboys do asfalto narra também as providenciais conexões de caipiras e sertanejos com a elite da MPB, feitas tanto por caipiras como Pena Branca & Xavantinho - intérpretes de músicas de Chico Buarque e Milton Nascimento - como por ícones da MPB, como Caetano Veloso, um dos articuladores e cantores da trilha sonora do filme blockbuster 2 filhos de Francisco (Brasil, 2005). Quando sai do universo da sua pesquisa, Alonso mostra desconhecimento básico da história da MPB, errando ao dizer que o cantor carioca Emílio Santiago (1946 - 2013) estava em início de carreira em 1982 e ao informar que o compositor carioca Cartola (1908 - 1980) gravou somente dois álbuns a partir dos anos 1970. Mas tais erros de informação jamais anulam a importância da alentada pesquisa sobre o universo sertanejo que gerou um livro robusto e fundamental para a compreensão plena e sem bairrismos da história da música brasileira.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Rala, a bibliografia sobre a música sertaneja é adensada com a edição de um de seus títulos mais consistentes. Desenvolvimento de tese sobre o gênero, defendida pelo historiador Gustavo Alonso em 2011, Cowboys do asfalto - Música sertaneja e modernização brasileira é livro essencial porque, além de mostrar a evolução do gênero dos anos 1920 até os anos 2010, década dominada pelo subgênero intitulado sertanejo universitário, o autor historia as tensões e contradições entre caipiras e sertanejos. Caipiras seriam os artistas defensores conscientes ou intuitivos das raízes da música rural brasileira, casos da cantora Inezita Barroso (1925 - 2015) e das extintas duplas Tonico & Tinoco e Pena Branca & Xavantinho. Sertanejos seriam os cantores e as duplas que eletrificaram o gênero e se afastaram das raízes caipiras. Ao mostrar o processo de transformação da música caipira em música sertaneja, tomando como marco inicial o uso da guitarra elétrica pela dupla Léo Canhoto e Robertinho a partir de 1969, Alonso jamais toma partido de uns ou outros. Mas a narrativa fluente do livro deixa clara a defesa do autor pelo gênero em si, alvo de preconceitos de jornalistas, artistas e formadores de opinião, sobretudo nas cidades de Rio de Janeiro (RJ) - a última a se render ao gênero, no início dos anos 1990 - e de São Paulo (SP). Alonso dá nomes aos bois, mostrando como a imprensa por vezes ignorou fatos relevantes do universo sertanejo por puro preconceito. Com seu extenso trabalho de pesquisa, o autor revela fatos curiosos como o esquecimento (intencional) de Nhô look (Philips, 1970), álbum em que o maestro carioca Rogério Duprat (1932 - 2006) passa a música sertaneja pelo filtro tropicalista. A narrativa de Cowboys do asfalto repisa todo o caminho seguido pela música sertaneja desde o fim dos anos 1920, mas, nessa cronologia, a ênfase do livro é na modernização do caipira, desenvolvida a partir de 1970 por duplas como a pioneira Léo Canhoto & Robertinho, seguida por Milionário & José Rico e Chitãozinho & Xororó. Alonso mostra como a música sertaneja sofreu resistências inclusive nos meios caipiras. E como enfrentou cada preconceito e quebrou cada barreira até se impor no mercado fonográfico nacional. Um ano-chave para essa aceitação - ainda que parcial - foi 1989, quando os irmãos paranaenses Chitõazinho & Xororó ingressaram na gravadora multinacional PolyGram (uma década mais tarde encampada pela Universal Music) sete anos após terem vendido um milhão de cópias do álbum Somos apaixonados (Copacabana, 1982), sem apoio da imprensa e da TV Globo, por conta do sucesso da música Fio de cabelo (Darci Rossi e Marciano).

Mauro Ferreira disse...

No rastro da consagração nacional de Chitãozinho & Xororó, duplas como Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano consolidam suas trajetórias fonográficas ao longo dos anos 1990. Sem poupar ninguém, Alonso lembra as contradições de Zezé Di Camargo, que atacou publicamente artistas do sertanejo universitário até se render ao fato de que Luan Santana, Michel Teló e cia. tinham vindo para ficar e, a partir de então, mudar de opinião, fazendo inclusive conexões com artistas do gênero. Cowboys do asfalto explica a gênese e as características desse vertente pop da música sertaneja, voltada para músicas que falam de amores bem-sucedidos e de paixões fugazes vividas nas baladas entre uma cerveja e outra. O atual universo sertanejo gravita em torno da festa, diferentemente das gerações anteriores (as de Chitãozinho & Xororó e de Leandro & Leonardo), cujos repertórios explicitaram forte influência das amarguras e fracassos sentimentais expostos nas músicas de cantores populares como Amado Batista. Outra relevante contribuição do livro é ressaltar que nem sempre a indústria cultural é a responsável pela criação de modismos sertanejos. Muitas vezes, como no caso do sertanejo universitário, a (r)evolução acontece às margens do mercado fonográfico. Somente quando a mudança já está em curso é que as gravadoras acordam e se apropriam dela, amplificando o sucesso de artistas pioneiros e fabricando ídolos moldados à imagem e semelhança desses desbravadores. Cowboys do asfalto narra também as providenciais conexões de caipiras e sertanejos com a elite da MPB, feitas tanto por caipiras como Pena Branca & Xavantinho - intérpretes de músicas de Chico Buarque e Milton Nascimento - como por ícones da MPB, como Caetano Veloso, um dos articuladores e cantores da trilha sonora do filme blockbuster 2 filhos de Francisco (Brasil, 2005). Quando sai do universo da sua pesquisa, Alonso mostra desconhecimento básico da história da MPB, errando ao dizer que o cantor carioca Emílio Santiago (1946 - 2013) estava em início de carreira em 1982 e ao informar que o compositor carioca Cartola (1908 - 1980) gravou somente dois álbuns a partir dos anos 1970. Mas tais erros de informação jamais anulam a importância da alentada pesquisa sobre o universo sertanejo que gerou um livro robusto e fundamental para a compreensão plena e sem bairrismos da história da música brasileira.

Bruno Cavalcanti disse...

Comprei este livro faz uma semana e começo a ler amanhã para continuar minha pesquisa. De qualquer forma, me parece um livro importante para descortinar a importância da música sertaneja no Brasil e, mais ainda, para que entendamos qual vem a ser a real relação cultural entre o gênero quando surgiu e o que vemos hoje. Não sou nem um pouco adepto a nova música sertaneja, mas se há um livro que possa nos explicar sua importância - e, até quem sabe, fazer com que mudemos de opinião - é bem vindo. Até porque não dá pra viver de comentários como "lixo musical" a cada cinco dias. É bom que haja esclarecimento. Boa indicação, Mauro!

Alan disse...

Muito Interessante o livro. O André Piunti lançou outro livro anos atrás no mesmo esquema desse sem tanta repercussão. Mas gosto quando tratam o gênero como um dos mais ricos e antigos desse país.