Mauro Ferreira no G1

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sábado, 15 de agosto de 2015

'Samba sujo' levanta poeira e exibe dom de Del-Penho para formar repertório

Resenha de CD
Título: Samba sujo
Artista: Alfredo Del-Penho
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * * *

Os lançamentos simultâneos dos dois ótimos primeiros discos da carreira solo de Alfredo Del-Penho - ambos gravados com recursos obtidos em plataforma de financiamento coletivo e ambos editados de forma independente neste mês de agosto de 2015 - joga luz sobre o canto e as composições deste artista fluminense que atua como músico, cantor e ator há cerca de 15 anos no circuito de samba, choro e musicais do Centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Embora já tenha lançado bons discos, divididos com o cantor Pedro Paulo Malta, Del-Penho somente começa a marcar sua identidade autoral a partir das edições simultâneas de um CD cantado e de um CD instrumental de repertório inteiramente autoral (Pra essa gente boa). Dos dois álbuns, Samba sujo é o disco cantado em que Del-Penho se expõe basicamente como intérprete. A voz do cantor não soa especialmente marcante ou diferenciada, mas a qualidade de sua emissão e afinação vocal está bem acima da média. Aliado à alta qualidade do repertório, garimpado por Del-Penho longe dos terrenos mais óbvios, o canto satisfatório do artista gerou um álbum sedutor. "Queria que o samba ouvido nesse disco fosse além da música, que cada faixa tivesse a poeira dos lugares por onde passei, das rodas que viraram madrugadas, das discussões em mesa de bar, das práticas cotidianas dessa nova gente que é samba. Procurei fazer esse disco sem a preocupação da assepsia, da limpeza e perfeição a que o estúdio condena a gente. Por isso o nome Samba sujo", explica o artista em texto escrito para o encarte do disco produzido pelo próprio Del-Penho. A sujeira nem transparece tanto na gravação, feita com grandes músicos, mas o artista levanta a poeira que embaçava o brilho de Samba com dengo (Angela Suarez e Paulo César Pinheiro, 1995), para citar somente um dos muitos exemplos da habilidade de Del-Penho para escolher o que canta. O cantor adiciona molejo ao dengo deste sambalanço lançado por sua compositora Angela Suarez em 1995, em disco editado no Japão, e regravado pela Orquestra Lunar em 2007. Na sequência, Fatalidade - parceria de Del-Penho com Rodrigo Alzuguir, até então inédita em disco - evoca com sua aura trágica a arquitetura de alguns sambas tristes do compositor fluminense Wilson Baptista (1913 - 1968). Extraído do repertório da carioca Orquestra Republicana, com a qual Del-Penho tocou por mais de oito anos, Não vem que não tem (Pedro Holanda e Orlando Magrinho, 2010) transita por inusitados caminhos melódicos em clima de gafieira. Este samba é da lavra da turma de compositores frequentadores do circuito da Lapa, assim como Meio tom (Rubinho Jacobina, 2009), veículo para Del-Penho brincar com modulações da sua voz. Samba de ritmo lépido que contrasta com o tom meio melancólico da letra que versa sobre lembranças de  amor recém-desfeito, Quando te esqueci é título inédito e menos sedutor da safra autoral e solitária de Del-Penho. Há lances mais interessantes. Com destreza, o cantor arma novamente as peças rítmicas de Tabuleiro (João de Aquino e José Márcio, 1975) - samba sincopado lançado há 40 anos na voz da cantora carioca Leny Andrade - e acerta o passo do espirituoso samba-choro Do outro mundo (Sá Róris e Francisco Fernandes, 1939), título mais antigo de repertório que também traz à tona uma das muitas obras-primas da parceria de João Nogueira (1941 - 2000) e Paulo César Pinheiro - Além do espelho (1992), cujas flautas de Dudu Oliveira e Eduardo Neves refletem já na introdução da gravação de Del-Penho o tom filosófico dos versos do poeta - e um samba de valor mais baixo na lavra de Romildo Bastos e Toninho Nascimento, Moeda (1978), talvez por isso mesmo até então nunca regravado desde que foi lançado em disco há 37 anos pela cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983). Parceria de Del-Penho com o compositor fluminense Délcio Carvalho (1939 - 2013), Saudade em paz pedia mesmo os versos de Délcio na segunda parte da composição, já que a melodia do samba remete ao lirismo melancólico da obra de Dona Ivone Lara. Já o samba-de-breque Ladrão de galinha (Maurício Tapajós e Nei Lopes, 1999) é veículo para o exercício dos dotes teatrais do intérprete com sua letra que narra história com começo, meio e fim. Sem o mesmo poder de sedução de outros sambas do disco, Chora quando é hora reitera que Del-Penho e Rodrigo Alzuguir compõem com devoção às tradições do samba sem se ater às mutações do gênero (atualmente com approach mais pop em determinados discos e vozes). Sem deixar Garota porogondons (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1965) cheia de charme, apesar do tom dengoso da gravação, Del-Penho apresenta ainda um inédito samba autoral de letra romântica, Ponto final, antes de acertar o tom de A cor da esperança (Cartola e Roberto Nascimento, 1978), tema que encerra com otimismo este CD que levanta a poeira para evidenciar o talento de Alfredo Del-Penho.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Os lançamentos simultâneos dos dois ótimos primeiros discos da carreira solo de Alfredo Del-Penho - ambos gravados com recursos obtidos em plataforma de financiamento coletivo e ambos editados de forma independente neste mês de agosto de 2015 - joga luz sobre o canto e as composições deste artista fluminense que atua como músico, cantor e ator há cerca de 15 anos no circuito de samba, choro e musicais do Centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Embora já tenha lançado bons discos, divididos com o cantor Pedro Paulo Malta, Del-Penho somente começa a marcar sua identidade autoral a partir das edições simultâneas de um CD cantado e de um CD instrumental de repertório inteiramente autoral (Pra essa gente boa). Dos dois álbuns, Samba sujo é o disco cantado em que Del-Penho se expõe basicamente como intérprete. A voz do cantor não soa especialmente marcante ou diferenciada, mas a qualidade de sua emissão e afinação vocal está bem acima da média. Aliado à alta qualidade do repertório, garimpado por Del-Penho longe dos terrenos mais óbvios, o canto satisfatório do artista gerou um álbum sedutor. "Queria que o samba ouvido nesse disco fosse além da música, que cada faixa tivesse a poeira dos lugares por onde passei, das rodas que viraram madrugadas, das discussões em mesa de bar, das práticas cotidianas dessa nova gente que é samba. Procurei fazer esse disco sem a preocupação da assepsia, da limpeza e perfeição a que o estúdio condena a gente. Por isso o nome Samba sujo", explica o artista em texto escrito para o encarte do disco produzido pelo próprio Del-Penho.

Mauro Ferreira disse...

A sujeira nem transparece tanto na gravação, feita com grandes músicos, mas o artista levanta a poeira que embaçava o brilho de Samba com dengo (Angela Suarez e Paulo César Pinheiro, 1995), para citar somente um dos muitos exemplos da habilidade de Del-Penho para escolher o que canta. O cantor adiciona molejo ao dengo deste sambalanço lançado por sua compositora Angela Suarez em 1995, em disco editado no Japão, e regravado pela Orquestra Lunar em 2007. Na sequência, Fatalidade - parceria de Del-Penho com Rodrigo Alzuguir, até então inédita em disco - evoca com sua aura trágica a arquitetura de alguns sambas tristes do compositor fluminense Wilson Baptista (1913 - 1968). Extraído do repertório da carioca Orquestra Republicana, com a qual Del-Penho tocou por mais de oito anos, Não vem que não tem (Pedro Holanda e Orlando Magrinho, 2010) transita por inusitados caminhos melódicos em clima de gafieira. Este samba é da lavra da turma de compositores frequentadores do circuito da Lapa, assim como Meio tom (Rubinho Jacobina, 2009), veículo para Del-Penho brincar com modulações da sua voz. Samba de ritmo lépido que contrasta com o tom meio melancólico da letra que versa sobre lembranças de amor recém-desfeito, Quando te esqueci é título inédito e menos sedutor da safra autoral e solitária de Del-Penho. Há lances mais interessantes. Com destreza, o cantor arma novamente as peças rítmicas de Tabuleiro (João de Aquino e José Márcio, 1975) - samba sincopado lançado há 40 anos na voz da cantora carioca Leny Andrade - e acerta o passo do espirituoso samba-choro Do outro mundo (Sá Róris e Francisco Fernandes, 1939), título mais antigo de repertório que também traz à tona uma das muitas obras-primas da parceria de João Nogueira (1941 - 2000) e Paulo César Pinheiro - Além do espelho (1992), cujas flautas de Dudu Oliveira e Eduardo Neves refletem já na introdução da gravação de Del-Penho o tom filosófico dos versos do poeta - e um samba de valor mais baixo na lavra de Romildo Bastos e Toninho Nascimento, Moeda (1978), talvez por isso mesmo até então nunca regravado desde que foi lançado em disco há 37 anos pela cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983). Parceria de Del-Penho com o compositor fluminense Délcio Carvalho (1939 - 2013), Saudade em paz pedia mesmo os versos de Délcio na segunda parte da composição, já que a melodia do samba remete ao lirismo melancólico da obra de Dona Ivone Lara. Já o samba-de-breque Ladrão de galinha (Maurício Tapajós e Nei Lopes, 1999) é veículo para o exercício dos dotes teatrais do intérprete com sua letra que narra história com começo, meio e fim. Sem o mesmo poder de sedução de outros sambas do disco, Chora quando é hora reitera que Del-Penho e Rodrigo Alzuguir compõem com devoção às tradições do samba sem se ater às mutações do gênero (atualmente com approach mais pop em determinados discos e vozes). Sem deixar Garota porogondons (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1965) cheia de charme, apesar do tom dengoso da gravação, Del-Penho apresenta ainda um inédito samba autoral de letra romântica, Ponto final, antes de acertar o tom de A cor da esperança (Cartola e Roberto Nascimento, 1978), tema que encerra com otimismo este CD que levanta a poeira para evidenciar o talento de Alfredo Del-Penho.

Marcelo Barbosa disse...

Fiquei interessado em adquirir. Tomara que chegue por essas bandas.
Abs,

Marcelo Barbosa