Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

BNegão 'bate tambor' em álbum que age (mais) forte fora do tom messiânico

Resenha de CD
Título: TransmutAção
Artista: BNegão & Seletores de Frequência
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * *

♪ A partir de amanhã, 4 de setembro de 2015, quem sintonizar lá - nas plataformas digitais - o terceiro álbum de BNegão & Seletores de Frequência vai captar a mensagem de TransmutAção. Sim, o disco - cuja edição física em CD está prevista para ser lançada ainda neste mês de setembro - dá um recado místico aos ouvintes. O rapper carioca e seu grupo pós-Planet Hemp nunca soaram tão messiânicos. "...Seja você a mudança", propõe BNegão em Nós (Ponto de mutação) (música de Fabio Kalunga, Fabiano Moreno, Pedro Selector e Robson Riva com letra de BNegão), dub que encerra o disco com versos que falam em "mestres da mutação" e "jardim da sabedoria". Não é só: "Dias luminosos virão", sentencia BNegão, encarnando mais uma vez o messias, em Dias da serpente (música de Pedro Selector com letra de Bnegão), dub que corrobora o tom místico de parte do disco produzido pelo próprio BNegão com recursos financeiros obtidos no edital do projeto Natura musical. Rap que gira na roda da ciranda, com tambores que evocam a Mãe África, No ar (Convocação) (música de BNegão, Maga Bo e Pedro Selector com letra de BNegão) corrobora o tom messiânico deste álbum que, inevitavelmente, remete por vezes aos discos gravados pelo cantor e compositor carioca Tim Maia (1942 - 1998) na sua fase Racional, entre 1974 e 1975, anos em que o então futuro Síndico virou adepto da seita Universo em Desencanto. No caso de Tim, a pregação foi feita em ritmo de funk. BNegão não nega a raça, o funk e o soul, mas recorre também à percussão de matriz africana. Com repertório menos inspirado do que os cancioneiros dos dois álbuns anteriores do grupo, Enxugando gelo (OutraCoisa, 2003) e Sintoniza lá (Coqueiro Verde Records, 2012), TransmutAção adiciona tambores ao groove black de BNegão & Seletores de Frequência. Composições de inspiração afro-brasileira como Agô (domínio público) - a saudação em Iorubá que abre o disco com a voz e a percussão de Alexandre Garnizé - e o instrumental Um tema para Iemanjá (Pedro Selector) sinalizam a presença maior dos atabaques no som de BNegão & Seletores de Frequência. Felizmente, o grupo bate tambor sem esquecer o balanço do funk e do soul dos anos 1960 e 1970 que o rapper e seus músicos tão bem souberam trazer para os dias de hoje com o uso da batida do rap. Para quem sintonizou com prazer o som do álbum anterior do grupo, No momento (100%) (música de Fabiano Moreno, Pedro Selector, Robson Riva e Nobru Pederneiras com letra de BNegão) é o melhor exemplo da habilidade da turma para reprocessar o suingue Black Rio dos anos 1970 com toque contemporâneo. Contudo, o coquetel rítmico de TransmutAção tem sabor mais diversificado e extrapola o universo Black Rio. Se o tema instrumental Surfin' astatke (Pedro Selector) pega a onda retrô do surf rock, No amanhecer (música de Pedro Selector com letra de BNegão) cai no samba à moda carioca, abrindo alas para a subversão de Fita amarela (1933), um dos sambas mais conhecidos da lavra nobre do compositor carioca Noel Rosa (1910 - 1937). BNegão & Seletores de Frequência preparam o velório em clima de gafieira, em gravação de longas passagens instrumentais - o canto é ouvido somente quando a faixa já contabiliza dois minutos - feita com inspiração no arranjo do registro original do samba, lançado pelos cantores cariocas Francisco Alves (1898 - 1952) e Mário Reis (1907 - 1981) em gravação feita em 1932 com a orquestra da gravadora Odeon e editada em disco no ano seguinte. O grupo dá um baile com sua releitura. Com tudo, músicas menos sedutoras como Giratória (Sua direção) (música de Pedro Selector e BNegão com letra de BNegão) deixam o repertório do álbum TransmutAção roçar perigosamente a irregularidade. Em contrapartida, Mundo tela (BNegão) afia o discurso, direcionado às pessoas que vivem a vida presas às telas de celulares, computadores e televisores. Quando põe sua raiva para fora e prega seus valores sem tom messiânico, BNegão age com mais força no universo pop, podendo - quem sabe?! - provocar a mudança que, acredita, virá.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ A partir de amanhã, 4 de setembro de 2015, quem sintonizar lá - nas plataformas digitais - o terceiro álbum de BNegão & Seletores de Frequência vai captar a mensagem de TransmutAção. Sim, o disco - cuja edição física em CD está prevista para ser lançada ainda neste mês de setembro - dá um recado místico aos ouvintes. O rapper carioca e seu grupo pós-Planet Hemp nunca soaram tão messiânicos. "...Seja você a mudança", propõe BNegão em Nós (Ponto de mutação) (música de Fabio Kalunga, Fabiano Moreno, Pedro Selector e Robson Riva com letra de BNegão), dub que encerra o disco com versos que falam em "mestres da mutação" e "jardim da sabedoria". Não é só: "Dias luminosos virão", sentencia BNegão, encarnando mais uma vez o messias, em Dias da serpente (música de Pedro Selector com letra de Bnegão), dub que corrobora o tom místico de parte do disco produzido pelo próprio BNegão com recursos financeiros obtidos no edital do projeto Natura musical. Rap que gira na roda da ciranda, com tambores que evocam a Mãe África, No ar (Convocação) (música de BNegão, Maga Bo e Pedro Selector com letra de BNegão) corrobora o tom messiânico deste álbum que, inevitavelmente, remete por vezes aos discos gravados pelo cantor e compositor carioca Tim Maia (1942 - 1998) na sua fase Racional, entre 1974 e 1975, anos em que o então futuro Síndico virou adepto da seita Universo em Desencanto. No caso de Tim, a pregação foi feita em ritmo de funk. BNegão não nega a raça, o funk e o soul, mas recorre também à percussão de matriz africana. Com repertório menos inspirado do que os cancioneiros dos dois álbuns anteriores do grupo, Enxugando gelo (OutraCoisa, 2003) e Sintoniza lá (Coqueiro Verde Records, 2012), TransmutAção adiciona tambores ao groove black de BNegão & Seletores de Frequência. Composições de inspiração afro-brasileira como Agô (domínio público) - a saudação em Iorubá que abre o disco com a voz e a percussão de Alexandre Garnizé - e o instrumental Um tema para Iemanjá (Pedro Selector) sinalizam a presença maior dos atabaques no som de BNegão & Seletores de Frequência. Felizmente, o grupo bate tambor sem esquecer o balanço do funk e do soul dos anos 1960 e 1970 que o rapper e seus músicos tão bem souberam trazer para os dias de hoje com o uso da batida do rap. Para quem sintonizou com prazer o som do álbum anterior do grupo, No momento (100%) (música de Fabiano Moreno, Pedro Selector, Robson Riva e Nobru Pederneiras com letra de BNegão) é o melhor exemplo da habilidade da turma para reprocessar o suingue black Rio dos anos 1970 com toque contemporâneo. Contudo, o coquetel rítmico de TransmutAção tem sabor mais diversificado e extrapola o universo black Rio. Se o tema instrumental Surfin' astatke (Pedro Selector) pega a onda retrô do surf rock, No amanhecer (música de Pedro Selector com letra de BNegão) cai no samba à moda carioca, abrindo alas para a subversão de Fita amarela (1933), um dos sambas mais conhecidos da lavra nobre do compositor carioca Noel Rosa (1910 - 1937). BNegão & Seletores de Frequência preparam o velório em clima de gafieira, em gravação de longas passagens instrumentais - o canto é ouvido somente quando a faixa já contabiliza dois minutos - feita com inspiração no arranjo do registro original do samba, lançado pelos cantores cariocas Francisco Alves (1898 - 1952) e Mário Reis (1907 - 1981) em gravação feita em 1932 com a orquestra da gravadora Odeon e editada em disco no ano seguinte. O grupo dá um baile com sua releitura. Com tudo, músicas menos sedutoras como Giratória (Sua direção) (música de Pedro Selector e BNegão com letra de BNegão) deixam o repertório do álbum TransmutAção roçar perigosamente a irregularidade. Em contrapartida, Mundo tela (BNegão) afia o discurso, direcionado às pessoas que vivem a vida presas às telas de celulares, computadores e televisores. Quando põe sua raiva para fora e prega seus valores sem tom messiânico, BNegão age com mais força no universo pop, podendo - quem sabe?! - provocar a mudança que, acredita, virá.

Luca disse...

Disco chato

Max Karne disse...

Disco de atmosfera sensacional e com uma personalidade muito forte. Ducaralho essa viagem!