quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Musical sem conflito repisa andanças firmes de Beth pelo terreirão do samba

Resenha de musical
Título: Andança - Beth Carvalho, o musical
Texto: Rômulo Rodrigues
Direção: Ernesto Piccolo
Direção musical: Rildo Hora
Elenco: Jamilly Mariano, Stephanie Serrat, Eduarda Fadini e Ana Bertinnes, entre outros
Foto: Fernanda Sabença
Cotação: * * * 1/2
Musical em cartaz no teatro Maison de France, no Rio de Janeiro (RJ), de quinta-feira a 
  domingo, até 31 de janeiro de 2016

O musical sobre os 50 anos de carreira de Beth Carvalho - recém-estreado no teatro Maison de France, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde ficará em cartaz até 31 de janeiro de 2016 - passou pelo crivo da cantora carioca. O que é visto e ouvido em cena, ao longo dos dois atos que totalizam quase três horas de espetáculo, foi aprovado pela artista. Mas esse caráter de homenagem oficial jamais tira o mérito e o valor de Andança - Beth Carvalho, o musical. Mesmo que o texto de Rômulo Rodrigues se ressinta da falta de ação e de conflito (matéria-prima da dramaturgia), o nobre caminho percorrido por Beth na música brasileira é interessante e legitima o que o espetáculo conta por meio de cenas ágeis e números musicais. É boa demais a história da menina criada na abastada Zona Sul do Rio - berço da Bossa Nova - que pôs os pés no terreirão do samba e, sem tirá-los de lá, fez seu nome na música do Brasil. A vivacidade da direção de Ernesto Piccolo - valorizada pelo competente elenco - contribui para diluir a sensação de que, a rigor, o espetáculo segue a receita dos musicais biográficos, centrada na exposição dos fatos mais relevantes do artista enfocado para encaixar números musicais entre cenas curtas. No caso do musical de Beth, a força vital reside nas andanças da artista pelos caminhos do samba. É como se o espetáculo fosse, em última análise, um convite ao espectador para cair no samba com Beth. Convite feito, aliás, já no número que abre o roteiro musical, Quem é de sambar (Sombrinha e Marquinho PQD), uma das muitas pérolas do pagode gravadas pela cantora em sua digníssima discografia. Nenhum das três atrizes escolhidas para interpretar Beth em diferentes fases da vida - Jamilly Mariano (a criança nascida em família de Esquerda e torcedora do Botafogo, fatos enfatizados pelo texto), Stephanie Serrat (a Beth dos anos 1960 e 1970) e Eduarda Fadini (a artista na fase da maturidade) - consegue mimetizar o jeito e a voz da sambista, mas todas têm críveis desempenhos, com ligeiro destaque para Serrat. A comunicabilidade de Ana Berttines - no papel cômico de Isaura, fã de Beth que protagoniza cenas isoladas ao telefone com uma amiga que nunca aparece para o espectador - também merece menção honrosa. A criação da personagem é sagaz recurso do autor para narrar fatos da vida de Beth omitidos no desenvolvimento da narrativa principal. O que se vê em cena é uma andança romantizada, mas, como já dito, legitimada pela condução impecável da carreira de uma artista exigente, de temperamento reconhecidamente forte. Os únicos grandes conflitos encenados no musical são a saída da cantora do conjunto 3D e, bem mais tarde, o impedimento da artista de desfilar em carro da escola de samba Mangueira. Entre um e outro, o primeiro ato põe em cena ícones da MPB em início de carreira. Maria Bethânia e Milton Nascimento são retratados sem traços caricaturais por Rebeca Jamir e André Muato em números musicais de bom nível - Carcará (João do Vale e José Cândido, 1965) e Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967), respectivamente - só que esses números parecem sobrar em longo primeiro ato que ainda pode ser condensado sem prejuízo para o espetáculo. Afinal, Bethânia e Milton podem ter fascinado uma Beth ainda à procura de seu caminho, quando apareceram na segunda metade dos anos 1960, mas suas conexões com a artista ao longo desses 50 anos de carreira jamais tiveram a força das ligações de Beth com Cartola (1908 - 1980) e Nelson Cavaquinho (1911 - 1986), compositores fundamentais na construção da ponte que conduziu Beth ao samba do morro. Cartola é bem retratado na pele de Leo França. Já Nelson convence na pele do versátil André Muato, que ainda brilha como Arlindo Cruz - com direito a uma pança cenográfica - no segundo ato, de tom mais emocionante. O segundo ato já conquista o espectador na abertura quando Stephanie Serrat dá voz a Viola enluarada (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1968) em número vibrante. A presença certeira de Rildo Hora - produtor dos discos mais importantes da obra fonográfica de Beth - na direção musical do espetáculo é selo de qualidade. É garantia de que o samba não vai atravessar em cena. O que valoriza números musicais como os que retratam a descoberta do grupo Fundo de Quintal por Beth em 1978. O segundo ato é povoado por números mais sedutores. O uso do samba Senhora rezadeira (Dedé da Portela e Dida, 1979) em feitio de oração - reforçada pelo coro de enfermeiras do hospital onde Beth se recuperava de grave problema de coluna que a tirou forçosamente de cena por mais de um ano - é especialmente criativo por sair do universo mais óbvio do samba. Contudo, o samba é o dom mais forte de Beth Carvalho. Exposto em Coisa de pele (Acyr Marques e Jorge Aragão, 1986), esse amor pelo samba é o combustível que faz o musical  Andança  chegar ao fim do caminho com doses fartas de emoção.

11 comentários:

  1. ♪ O musical sobre os 50 anos de carreira de Beth Carvalho - recém-estreado no teatro Maison de France, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde ficará em cartaz até 31 de janeiro de 2016 - passou pelo crivo da cantora carioca. O que é visto e ouvido em cena, ao longo dos dois atos que totalizam quase três horas de espetáculo, foi aprovado pela artista. Mas esse caráter de homenagem oficial jamais tira o mérito e o valor de Andança - Beth Carvalho, o musical. Mesmo que o texto de Rômulo Rodrigues se ressinta da falta de ação e de conflito (matéria-prima da dramaturgia), o nobre caminho percorrido por Beth na música brasileira é interessante e legitima o que o espetáculo conta por meio de cenas ágeis e números musicais. É boa demais a história da menina criada na abastada Zona Sul do Rio - berço da Bossa Nova - que pôs os pés no terreirão do samba e, sem tirá-los de lá, fez seu nome na música do Brasil. A vivacidade da direção de Ernesto Piccolo - valorizada pelo competente elenco - contribui para diluir a sensação de que, a rigor, o espetáculo segue a receita dos musicais biográficos, centrada na exposição dos fatos mais relevantes do artista enfocado para encaixar números musicais entre cenas curtas. No caso do musical de Beth, a força vital reside nas andanças da artista pelos caminhos do samba. É como se o espetáculo fosse, em última análise, um convite ao espectador para cair no samba com Beth. Convite feito, aliás, já no número que abre o roteiro musical, Quem é de sambar (Sombrinha e Marquinho PQD), uma das muitas pérolas do pagode gravadas pela cantora em sua digníssima discografia. Nenhum das três atrizes escolhidas para interpretar Beth em diferentes fases da vida - Jamilly Mariano (a criança nascida em família de Esquerda e torcedora do Botafogo, fatos enfatizados pelo texto), Stephanie Serrat (a Beth dos anos 1960 e 1970) e Ana Berttines (a artista na fase da maturidade) - consegue mimetizar o jeito e a voz da sambista, mas todas têm críveis desempenhos, com ligeiro destaque para Serrat. A comunicabilidade de Ana Berttines - no papel cômico de Isaura, fã de Beth que protagoniza cenas isoladas ao telefone com uma amiga que nunca aparece para o espectador - também merece menção honrosa. A criação da personagem é sagaz recurso do autor para narrar fatos da vida de Beth omitidos no desenvolvimento da narrativa principal. O que se vê em cena é uma andança romantizada, mas, como já dito, legitimada pela condução impecável da carreira de uma artista exigente, de temperamento reconhecidamente forte. Os únicos grandes conflitos encenados no musical são a saída da cantora do conjunto 3D e, bem mais tarde, o impedimento da artista de desfilar em carro da escola de samba Mangueira. Entre um e outro, o primeiro ato põe em cena ícones da MPB em início de carreira. Maria Bethânia e Milton Nascimento são retratados sem traços caricaturais por Rebeca Jamir e André Muato em números musicais de bom nível - Carcará (João do Vale e José Cândido, 1965) e Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967), respectivamente - só que esses números parecem sobrar em longo primeiro ato que ainda pode ser condensado sem prejuízo para o espetáculo. Afinal, Bethânia e Milton podem ter fascinado uma Beth ainda à procura de seu caminho, quando apareceram na segunda metade dos anos 1960, mas suas conexões com a artista ao longo desses 50 anos de carreira jamais tiveram a força das ligações de Beth com Cartola (1908 - 1980) e Nelson Cavaquinho (1911 - 1986), compositores fundamentais na construção da ponte que conduziu Beth ao samba do morro. Cartola é bem retratado na pele de Leo França. Já Nelson convence na pele do versátil André Muato, que ainda brilha como Arlindo Cruz - com direito a uma pança cenográfica - no segundo ato, de tom mais emocionante.

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  2. O segundo ato já conquista o espectador na abertura quando Stephanie Serrat dá voz a Viola enluarada (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1968) em número vibrante. A presença certeira de Rildo Hora - produtor dos discos mais importantes da obra fonográfica de Beth - na direção musical do espetáculo é selo de qualidade. É garantia de que o samba não vai atravessar em cena. O que valoriza números musicais como os que retratam a descoberta do grupo Fundo de Quintal por Beth em 1978. O segundo ato é povoado por números mais sedutores. O uso do samba Senhora rezadeira (Dedé da Portela e Dida, 1979) em feitio de oração - reforçada pelo coro de enfermeiras do hospital onde Beth se recuperava de grave problema de coluna que a tirou forçosamente de cena por mais de um ano - é especialmente criativo por sair do universo mais óbvio do samba. Contudo, o samba é o dom mais forte de Beth Carvalho. Exposto em Coisa de pele (Acyr Marques e Jorge Aragão, 1986), esse amor pelo samba é o combustível que faz o musical Andança chegar ao fim do caminho com doses fartas de emoção.

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  3. Bela resenha, meu caro crítico. Estou ansioso para assistir! Salve Beth! A maior cantora de samba (maiúsculo!) deste país e fim de papo!

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  4. Beth Carvalho é merecedora de todas as homenagens. Voz cativante, imprimiu com muita personalidade um estilo único de cantar samba. Sua discografia é impressionante. Tudo que ela canta fica bonito. Carreira impecável. Salve Beth!

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  5. Mauro, uma correção! Eduarda Fadini é a Beth da maturidade e não Ana Berttines.

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  6. Obrigado pelo toque, Marcelo. Já corrigido!

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  7. Olá Mauro,

    Bela crítica, vale lembrar também que os arranjos vocais são de Pedro Lima que criou o número Senhora Rezadeira.

    Abraço!

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  8. Olá Mauro, meus respeitos.
    Perfeito Mestre, belo resumo; apenas reforço a lembrança pelo trabalho de Pedro Lima, na criação dos arranjos vocais.
    Saúde, sucesso e abs.
    Roberto Serrão
    www.robertoserrao.com.br

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  9. Não, Luca. O musical mostra Beth ouvindo 'Folhas secas', mas não toca no assunto de a Elis ter tido acesso ao samba, através do César Camargo Mariano, e gravado a música dada a Beth pelo Nelson Cavaquinho.

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