quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Zélia Duncan pisa com poesia e firmeza no 'terreirão' do samba em belo disco

Resenha de CD
Título: Antes do mundo acabar
Artista: Zélia Duncan
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * * 

Antes mesmo do violão do arranjador Marco Pereira, o batuque que evoca os terreiros negros é o primeiro som ouvido no disco em que Zélia Duncan canta somente sambas, Antes do mundo acabar. Eco de tempos ancestrais, esse batuque introduz Destino tem razão, uma das três parcerias inéditas da cantora e compositora fluminense com o carioca Xande de Pilares registradas no álbum produzido por Bia Paes Leme. Destino tem razão abre disco positivista que exalta o amor a dois e a felicidade, seja no clima pagodeiro da parceira inédita de Zélia com o bamba Arlindo Cruz – Dormiu, mas acordou (dos versos "Nosso amor foi sonhar no outro mundo, mas achou o caminho de volta"), samba típico dos quintais cariocas – seja nos tom menores do poético samba Alameda de sonho, uma das duas composições assinadas por Zélia com Ana Costa, parceira de outros Carnavais. Álbum que remete ao antológico Eu me transformo em outras (Duncan Discos, 2004), disco decisivo para pôr o nome de Zélia Duncan na linha de frente da música brasileira, Antes do mundo acabar escapa da armadilha de ser mero remake deste CD de 2004, recentemente relançado pela mesma gravadora Biscoito Fino que põe Antes do mundo acabar no mercado fonográfico neste mês de outubro de 2015. Até porque o repertório é essencialmente inédito e autoral, ainda que contenha quatro pérolas pescadas no baú do samba. Com a voz grave e já maturada, Zélia pisa firme no terreirão do samba cultivado nos quintais dos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Ainda que Por que você não me convida agora? (Riachão, 2013) ponha o pé na roça com a manemolência baiana que caracteriza a obra do resistente soteropolitano Riachão, Antes do mundo acabar é disco pautado pelo samba carioca. Até quando discorre sobre o Brasil. Com esperança que reitera o tom positivo do disco, Zélia prega em No meu país a resolução de um Brasil ainda indeciso entre permanecer no passado e caminhar – enfim! – para um futuro de "igualdade para sonhar". Parceiro de Zélia no tema, Xande de Pilares divide com a cantora a interpretação da faixa. Contudo, se o apocalipse social e afetivo for inevitável, Antes do mundo acabar – o samba-título de Zélia e Zeca Baleiro, com quem artista firmou parceria a partir de show feito em dupla pelo Brasil  – pede com ternura uma última chance para "os sonhos impressos nos travesseiros". "Quero ser a última pele que você tocou / O amor bomba-relógio que você não desarmou", suplica a sambista no tom suave que pauta o samba-título. Terceira boa colaboração de Xande de Pilares para o repertório do disco, Olha, o dia vem aí aumenta o tom para exigir mais consideração do ser amado. Calcados em elegante interação do violão com a percussão, os arranjos de Marco Pereira agregam valor a repertório de criação já em si bastante inspirada. Parceria de Zélia com a produtora Bia Paes Leme, Eu mudei parece samba formatado com a nobreza e a poesia dos bambas da Velha Guarda. A mesma nobreza corre nos compassos e versos de Por água abaixo, inédito samba feito para Zélia por Pretinho da Serrinha, Leandro Fab e Fred Camacho, mas que bem poderia ser de Candeia (1935 – 1978) ou de Cartola (1908 – 1980). Os versos sobre amor desfeito apontam no fim o caminho da esperança. "Tristeza mudou de endereço aquele dia / Sabia, se  mandou de lá / (Parei de chorar) / Não tem mais lugar / viciei nessa alegria", festeja Zélia na faixa seguinte, Pra quem sabe amar, outro belo samba feito com a parceira Ana Costa, convidada da faixa que prega poesia na caminhada da vida, na cadência bonita do samba ("O samba inventou nossas asas"). E por falar em poesia, a regravação de Em cada canto, uma esperança (1978) reitera a sintonia perfeita entre a melodia de Ivone Lara com os versos melancólicos, mas geralmente esperançosos, do principal parceiro da compositora, Délcio Carvalho (1939 – 2013). Revivido com precisão por Beth Carvalho no álbum Nosso samba tá na rua (Andança / EMI Music, 2011), essa ode ao samba como alento para tempos difíceis é das composições mais inspiradas da dupla e ganha belo registro de Zélia. Na sequência, Um final – parceria inédita de Zélia com Pedro Luís, carioca bamba na composição de vários gêneros musicais – mantém o alto nível do repertório ao lamentar o término de amor encerrado sem desfecho feliz. É o samba mais melancólico do disco, mas, em seguida, Pintou um bode (1989) – inusitada incursão pelo repertório de Paulinho da Viola – restaura o clima positivo no qual se ambienta o samba de Zélia, soprando descontração. Por fim, a recriação delicada de Vida da minha vida (Moacyr Luz e Sereno) – feita no tom de seresta íntima – renova o samba que batizou disco lançado há cinco anos por Zeca Pagodinho. Encerrado na edição digital com regravação de Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973), samba ora propagado diariamente em escala nacional na voz de Alcione na abertura da novela A regra do jogo (TV Globo, 2015), Antes do mundo acabar dá bela contribuição à discografia nacional. É álbum primoroso no qual Zélia Duncan corre e vence riscos ao se transformar – mais uma vez – em outra cantora. No caso, uma cantora sambista que se prova do ramo ao pisar no terreirão brasileiro com firmeza, poesia e (insuspeita) propriedade.

21 comentários:

  1. ♪ Antes mesmo do violão do arranjador Marco Pereira, o batuque que evoca os terreiros negros é o primeiro som ouvido no primoroso disco em que Zélia Duncan canta somente sambas, Antes do mundo acabar. Eco de tempos ancestrais, esse batuque introduz Destino tem razão, uma das três parcerias inéditas da cantora e compositora fluminense com o carioca Xande de Pilares registradas no álbum produzido por Bia Paes Leme. Destino tem razão abre um disco positivista que exalta o amor a dois e a felicidade, seja no clima pagodeiro da parceira inédita de Zélia com o bamba Arlindo Cruz - Dormiu, mas acordou (dos versos "Nosso amor foi sonhar no outro mundo, mas achou o caminho de volta"), samba típico dos nobres quintais cariocas - seja nos tom menores do poético samba Alameda de sonho, uma das duas composições assinadas por Zélia com Ana Costa, parceira de outros Carnavais. Álbum que remete ao antológico Eu me transformo em outras (Duncan Discos, 2004), disco decisivo para pôr no nome de Zélia Duncan na linha de frente da música brasileira, Antes do mundo acabar escapa da armadilha de ser mero remake deste CD de 2004 que acaba de ser relançado pela mesma gravadora Biscoito Fino que põe Antes do mundo acabar no mercado fonográfico neste mês de outubro de 2015. Até porque o repertório é essencialmente inédito e autoral, ainda que contenha quatro pérolas pescadas no baú do samba. Com sua voz grave, maturada, Zélia pisa firme no terreirão do samba cultivado nos quintais dos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Sim, ainda que Por que você não me convida agora? (Riachão, 2013) ponha o pé na roça com a manemolência baiana que caracteriza a obra do resistente soteropolitano Riachão, Antes do mundo acabar é disco pautado pelo samba carioca. Até quando discorre sobre o Brasil. Com esperança que reitera o tom positivo do disco, Zélia prega em No meu país a resolução de um Brasil ainda indeciso entre permanecer no passado e caminhar - enfim - para um futuro de "igualdade para sonhar". Parceiro de Zélia no tema, Xande de Pilares divide com a cantora a interpretação da faixa. Contudo, se o apocalipse social e afetivo for inevitável, Antes do mundo acabar - o samba-título assinado por Zélia com Zeca Baleiro, com quem firmou parceria a partir de show feito en dupla pelo Brasil - pede com ternura uma última chance para "os sonhos impressos nos travesseiros". "Quero ser a última pele que você tocou / O amor bomba-relógio que você não desarmou", suplica a sambista no tom suave que pauta o samba-título. Terceira boa colaboração de Xande de Pilares para o repertório do disco, Olha, o dia vem aí aumenta o tom para exigir mais consideração do ser amado. Calcados em elegante interação do violão com a percussão, os arranjos de Marco Pereira agregam valor a um repertório de criação já em si bastante inspirada.

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  2. Parceria de Zélia com a produtora Bia Paes Leme, Eu mudei parece um samba formatado com a nobreza e a poesia dos bambas da Velha Guarda do samba. A mesma nobreza corre nos compassos e versos de Por água abaixo, inédito samba feito para Zélia por Pretinho da Serrinha, Leandro Fab e Fred Camacho, mas que bem poderia ser de Candeia (1935 - 1978) ou de Cartola (1908 - 1980). Os versos sobre um amor desfeito apontam no fim o caminho da esperança. "Tristeza mudou de endereço aquele dia / Sabia, se mandou de lá / (Parei de chorar) / Não tem mais lugar / viciei nessa alegria", festeja Zélia na faixa seguinte, Pra quem sabe amar, outro belo samba feito com a parceira Ana Costa, convidada da faixa que prega poesia na caminhada da vida, na cadência bonita do samba ("O samba inventou nossas asas"). E por falar em poesia, a regravação de Em cada canto, uma esperança (1978) reitera a sintonia perfeita entre a melodia de Ivone Lara com os versos melancólicos, mas geralmente esperançosos, de seu principal parceiro, Délcio Carvalho (1939 - 2013). Revivido com precisão por Beth Carvalho no álbum Nosso samba tá na rua (Andança / EMI Music, 2011), essa ode ao samba como alento para tempos difíceis é das composições mais inspiradas da dupla e ganha um belo registro de Zélia. Na sequência, Um final - parceria inédita de Zélia com Pedro Luís, carioca bamba na composição de vários gêneros musicais - mantém o alto nível do repertório ao lamentar o término de amor encerrado sem desfecho feliz. É o samba mais melancólico do disco, mas, em seguida, Pintou um bode (1989) - inusitada regravação do repertório nobre de Paulinho da Viola - restaura o clima positivo no qual se ambienta o samba de Zélia, soprando descontração. Por fim, a recriação delicada de Vida da minha vida (Moacyr Luz e Sereno) - feita no tom de uma seresta íntima - renova o samba que batizou disco lançado há cinco anos por Zeca Pagodinho. Encerrado na edição digital com regravação de Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973), samba ora propagado diariamente em escala nacional na voz de Alcione na abertura da novela A regra do jogo (TV Globo, 2015), Antes do mundo acabar é um clássico instantâneo da discografia nacional. Um álbum no qual Zélia corre e vence riscos ao se transformar - mais uma vez - em outra cantora. No caso, uma cantora sambista que se prova do ramo ao pisar no terreirão brasileiro com firmeza, nobreza, poesia e (uma insuspeita) propriedade.

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  3. Doido para ouvir... Zélia não erra nunca, esse disco deve estar fenomenal!!!

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  4. Parabéns a Zélia por tão bela capa, e tão sublime repertório!!! Contando os segundos para ouvir esta maravilha... :-)

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  5. Fazia tempos que eu não via 5 estrelas!! Mas acredito que o CD da Zélia Duncan mereça mesmo as 5 estrelas!!!

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  6. Ultra mega hiper ansioso para ouvir este disco.
    Nos ultimos anos Zélia esta se superando

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  8. Italo, o que você comentou é a pura verdade. Mas deletei seu comentário porque não quero que um bate-boca desgastante (conhecemos a figura, né?) ofusque o assunto do post: o disco de Zélia.

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  9. Essa menina é perfeita mesmo. Já quero!

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  10. Quero muito também. Acho Zélia no samba, simplesmente sensacional!!! Sempre delicioso ouvir o cd da Jovelina ou o Casa de Samba 4 com a Maior!

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  11. Fiquei curioso com o comentário deletado,e só.

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  12. bem que poderia ser "antes de o mundo acabar"

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  13. Ademar como Mauro disse é melhor deixar pra lá rs.
    Aah uma musica que cairia bem nesse disco pelo nome do proprio seria a musica "e o mundo nao se acabou" derrepente poderia acrescentar no roteiro do show, gosto bastante dessa musica

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  14. Querendo muito ouvir esse disco logo. Zélia mais uma vez, parece que entrega ouro.

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  15. Zélia - Antes do mundo acabar
    Elza - A mulher do fim do mundo
    Alaíde - Uma voz para a eternidade

    Mauro, por favor, quando poderemos adquirir o trabalho da senhora Alaíde Costa com o Toninho??
    Não vejo a hora.. nem tenho mais unhas... a espera é difícil....
    Fico imaginando estes dois gênios da MPB juntos... Definitivo...

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  16. Amo Zélia, mas confesso que esse disco não bateu. Por gostar tanto dela, ouvi 3 vezes esse trabalho, mas a cada audição gostava menos.

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  17. Um bom disco de samba. Acredito que desde do "Coração a Batucar" da MR, não se lançava um sucessor de inéditas tão bom no terreirão do samba!

    Palmas pra ZD, sempre se transformando em outras!

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