Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ian Ramil se eleva ao captar aflições e ruídos urbanos em 'Derivacivilização'

Resenha de CD
Título: Derivacivilização
Artista: Ian Ramil
Gravadora: Escápula Records
Cotação: * * * * 1/2

"Eu compro um tênis novo e morre alguém / Corro, paro, olho, choro, grito, eu ando a cada dia mais vulgar e aflito / O mundo é um skinhead e eu sou um gay", detona Ian Ramil em versos explosivos de Coquetel molotov (Ian Ramil), primeira das dez músicas do segundo álbum do cantor, compositor e músico gaúcho Ian Ramil, Derivacivilização, lançado neste mês de outubro de 2015. Ruídos industriais pontuam música que fala a língua do indie rock, dando pista certeira do tom experimental adotado por Ramil em disco que representa avanço em relação ao antecessor Ian (Escápula Records, 2014). No seu álbum de estreia, Ramil já honrou o sobrenome ilustre - ele é filho de Vitor Ramil e sobrinho de Kledir Ramil e Kleiton Ramil - ao mostrar forte personalidade musical. Mas em Derivacivilização o artista encontra sua turma e afia sua linguagem, encontrando o tom apropriado para obra ora calcada no indie rock, embora até haja uma canção mais calma e de formato mais tradicional, Devagarinho (Ian Ramil), no repertório inteiramente inédito e autoral do álbum produzido por Ian com o baixista Guilherme Ceron. Mas Devagarinho representa no disco a tentativa vã de fuga da veloz vida urbana que engana e que inspira o discurso aguçado do artista. "As coisas não ditas apodrecem em nós", vomita Ramil na tensa música-título Derivacivilização (Ian Ramil), faixa que esconde a voz potente do cantor Filipe Catto, conterrâneo de Ramil e convidado quase imperceptível da gravação. Ramil apresenta um disco nervoso que capta as aflições e os ruídos urbanos do mundo contemporâneo - e que diz coisas até desagradáveis. "A história muito se escreve / No calor dos tumultos", sentencia em Salvo conduto (Ian Ramil e Poty Burch), destaque de um álbum que evoca as experimentações do grupo inglês Radiohead. Derivacivilização é disco ruidoso, raivoso, de digestão difícil pelo conteúdo corrosivo. "O amor corrói", aliás, é o verso inicial de Corpo vazio (Ian Ramil), tema conduzido pela batida seca e pesada da bateria de Martin Estevez. Com letra baseada em texto de artigo da Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988, Artigo 5º (Leo Aprato e Ian Ramil) destina ironias com a voz da convidada Gutcha Ramil entre ruídos, dissonâncias, tempos subvertidos e jogos de palavras ("que dá nada" vira "que danada"). Música gravada com a voz de Alexandre Kumpinski, cantor do grupo gaúcho Apanhador Só, A voz da indústria (Ian Ramil e Daniel Má) se joga na pista com suingue tropical sem suavizar o discurso. "A massa aperta o play", alerta Ramil, desafinando o coro dos contentes. Mesmo quando se reaproxima da canção de formato mais usual, como em Quiproquó (Ian Ramil), o artista mantém Derivacivilização em temperatura alta, já distante da estética do frio que pauta o som de seu pai, Vitor Ramil, e que ecoou em seu álbum inicial Ian. Derivacivilização se embrenha na selva das cidades, com seus sons cotidianos, distorcidos e nervosos - todos devidamente inseridos na (des)contrução de Rita-Cassete (A re par ti ção) (Ian Ramil e Guilherme Ceron), faixa formatada basicamente com ruídos e dissonâncias. No fim, Não vou ser chão pros teus pés (Ian Ramil) reforça o clima inquieto e tenso do CD, reiterando a altitude alcançada por Ian Ramil nesse álbum que eleva seu nome na contemporânea cena musical do Brasil.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Eu compro um tênis novo e morre alguém / Corro, paro, olho, choro, grito, eu ando a cada dia mais vulgar e aflito / O mundo é um skinhead e eu sou um gay", detona Ian Ramil em versos explosivos de Coquetel molotov (Ian Ramil), primeira das dez músicas do segundo álbum do cantor, compositor e músico gaúcho Ian Ramil, Derivacivilização, lançado neste mês de outubro de 2015. Ruídos industriais pontuam música que fala a língua do indie rock, dando pista certeira do tom experimental adotado por Ramil em disco que representa avanço em relação ao antecessor Ian (Escápula Records, 2014). No seu álbum de estreia, Ramil já honrou o sobrenome ilustre - ele é filho de Vitor Ramil e sobrinho de Kledir Ramil e Kleiton Ramil - ao mostrar forte personalidade musical. Mas em Derivacivilização o artista encontra sua turma e afia sua linguagem, encontrando o tom apropriado para obra ora calcada no indie rock, embora até haja uma canção mais calma e de formato mais tradicional, Devagarinho (Ian Ramil), no repertório inteiramente inédito e autoral do álbum produzido por Ian com o baixista Guilherme Ceron. Mas Devagarinho representa no disco a tentativa vã de fuga da veloz vida urbana que engana e que inspira o discurso aguçado do artista. "As coisas não ditas apodrecem em nós", vomita Ramil na tensa música-título Derivacivilização (Ian Ramil), faixa que esconde a voz potente do cantor Filipe Catto, conterrâneo de Ramil e convidado quase imperceptível da gravação. Ramil apresenta um disco nervoso que capta as aflições e os ruídos urbanos do mundo contemporâneo - e que diz coisas até desagradáveis. "A história muito se escreve / No calor dos tumultos", sentencia em Salvo conduto (Ian Ramil e Poty Burch), destaque de um álbum que evoca as experimentações do grupo inglês Radiohead. Derivacivilização é disco ruidoso, raivoso, de digestão difícil pelo conteúdo corrosivo. "O amor corrói", aliás, é o verso inicial de Corpo vazio (Ian Ramil), tema conduzido pela batida seca e pesada da bateria de Martin Estevez. Com letra baseada em texto de artigo da Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988, Artigo 5º (Leo Aprato e Ian Ramil) destina ironias com a voz da convidada Gutcha Ramil entre ruídos, dissonâncias, tempos subvertidos e jogos de palavras ("que dá nada" vira "que danada"). Música gravada com a voz de Alexandre Kumpinski, cantor do grupo gaúcho Apanhador Só, A voz da indústria (Ian Ramil e Daniel Má) se joga na pista com suingue tropical sem suavizar o discurso. "A massa aperta o play", alerta Ramil, desafinando o coro dos contentes. Mesmo quando se reaproxima da canção de formato mais usual, como em Quiproquó (Ian Ramil), o artista mantém Derivacivilização em temperatura alta, já distante da estética do frio que pauta o som de seu pai, Vitor Ramil, e que ecoou em seu álbum inicial Ian. Derivacivilização se embrenha na selva das cidades, com seus sons cotidianos, distorcidos e nervosos - todos devidamente inseridos na (des)contrução de Rita-Cassete (A re par ti ção) (Ian Ramil e Guilherme Ceron), faixa formatada basicamente com ruídos e dissonâncias. No fim, Não vou ser chão pros teus pés (Ian Ramil) reforça o clima inquieto e tenso do CD, reiterando a altitude alcançada por Ian Ramil nesse álbum que eleva seu nome na contemporânea cena musical do Brasil.