Resenha de livro
Título: Angela Maria A eterna cantora do Brasil
Autor: Rodrigo Fauor
Editora: Record
Cotação: * * *
♪ Na 216ª das 840 páginas da caudalosa biografia de Angela Maria escrita por Rodrigo Faour, o autor - jornalista e pesquisador musical carioca em atividade profissional desde os anos 1990 - conta que a cantora fluminense certa vez foi chamada pelo então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) à uma hora da madrugada somente para cantar Orgulho (Nelson Wederkind e Waldir Rocha, 1953) - o samba-canção que a artista lançara em 1953 em disco de 78 rotações por minuto editado pela gravadora Copacabana - numa festa frequentada por JK. "O motorista veio me pegar no hotel em que eu estava só que para eu cantasse Orgulho para ele numa festa em que ele estava. Mas não foi de graça, não. Ele me pagou", ressalta Angela, em depoimento para Faour. Acontecido na segunda metade da década de 1950, o caso contado em Angela Maria A eterna cantora do Brasil - livro que a Editora Record põe no mercado neste mês de outubro de 2015 - exemplifica o poder dos agudos da voz de mezzo-soprano da Sapoti - assim apelidada por outro presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882 - 1954) - ao longo dos anos 1950. Quatorze anos após contar a saga de Cauby Peixoto (cantor fluminense contemporâneo de Angela, com quem teve cruzado seu caminho profissional há várias décadas) na biografia Cauby Peixoto - 50 anos da voz e do mito, livro editado pela mesma Record em 2001, Faour narra a vida e obra de Angela Maria em narrativa de fôlego, escrita em texto de tom por vezes tão kitsch quanto parte do repertório da cantora. Ao longo de uma introdução (a rigor, dispensável na função de enfatizar a importância de Angela) e de 23 capítulos que totalizam 770 páginas (as 70 restantes são ocupadas por discografia, filmografia, bibliografia, agradecimentos, índice onomástico e lista de sucessos da cantora), Faour mostra como Abelim Maria da Cunha - décima filha de um casal pobre residente no município fluminense de Conceição de Macabu - se transformou em Angela Maria e como a estrela Angela Maria, atualmente com 86 anos, atravessou períodos de altos e baixos ao longo de quase 70 anos de carreira iniciada nos dancings da cidade do Rio de Janeiro após seguir a via-crúcis dos programas de calouros. Faour repisa os passos mais importantes da vida de Angela em ordem cronológica, mesclando depoimentos colhidos em entrevistas - a de Angela conduz obviamente a narrativa, mas há falas de nomes como Milton Nascimento - com reproduções de reportagens e críticas de jornais e revistas publicadas a partir da década de 1950 (reproduzido em excesso, aliás, o material jornalístico parece ter guiado mais o pesquisador do que as entrevistas que fez). Revelação do rádio em 1952, a cantora atingiu seu pico de popularidade nos dourados anos 1950 e, já naquela época, teve seu repertório questionado por formadores de opinião, como Faour prova através de reproduções de críticas da época. Mesmo sendo uma das cantoras mais populares daquela década, em reinado dividido com colegas como Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e Emilinha Borba (1923 - 2005), Angela ficou literalmente paralisada ao ficar frente a frente com Carmen Miranda (1909 - 1955) por iniciativa da Pequena Notável, como conta Faour - referendado por depoimento de Angela - em outro fato curioso relatado no livro. E por falar em Carmen, o show dividido pela Sapoti com o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008), na boate Casablanca, também é assunto do livro. Assim como o sucesso avassalador de Escuta, música de Ivon Curi (1928 - 1995) lançada por Angela em disco de 1955. Faour também narra os casamentos cinematográficos da vida real da estrela, que, além de cantar, também atuava em filmes. A propósito, as curiosidades em torno da vida da artista tornam o livro mais saboroso, sem tom de diário oficial. Na página 302, por exemplo, Djavan relata para Faour que o fato de Angela ter lábios grossos atenuava o próprio incômodo do cantor e compositor alagoano com seus lábios igualmente espessos. "Um dia, recebi a notícia de que a Angela ia operar os lábios para diminuí-los. Fiquei em pânico", relembra Djavan, entre risos, no livro. Ao contrário do que tinha sido noticiado pelas colunas de fofoca da época, Angela não operou os lábios, mas, na época, foi parar no hospital por conta de apendicite e aproveitou para extirpar as amídalas que já lhe causam problemas. Quando a narrativa avança para os anos 1960, Faour enfatiza a queda de prestígio da cantora entre os críticos por conta da perda substancial de qualidade do repertório da Sapoti na década em que a Bossa Nova (surgida em 1958), a Jovem Guarda e a emergente MPB tornaram ultrapassados os ídolos surgidos na era do rádio. Antes mesmo do advento do pop da jovens tardes de domingo e da era dos festivais, Faour conta o desprezo dos críticos quando Angela voltou à gravadora RCA, em 1962, para gravar repertório melodramático dominado por músicas do compositor Adelino Moreira, caso do chá chá chá Garota solitária, um sucesso popular que somente aumentou o despeito dos críticos daquela época. Entre menções a discos e shows, como os feitos com Cauby Peixoto desde 1982, Faour também relata fatos da vida pessoal de Angela sem jamais deixar a biografia adquirir caráter sensacionalista. Mas tampouco se esquiva de registrar as uniões afetivas da cantora com homens que lhe provocaram aborrecimentos (um deles, José Kleber Lisboa, chegou a ter prisão decretada por estelionato em 24 de abril de 1967, como conta Faour na página 460 do livro) e até uma tentativa de suicídio confirmada por depoimento de Lana Bittencourt, amiga de Angela. Faour lembra também como a imprensa reagiu em tom marrom quando noticiou o envolvimento de Angela como o jovem (então com 18 anos) Daniel D'Angelo, união feliz nascida de um flerte em 1979 que driblou as descrenças das famílias de ambos e que perdura até hoje (além de marido, Daniel se tornou empresário da cantora). No fim do livro, Faour narra a fase outonal da carreira de Angela, pautada a partir dos anos 1990 por discos pontuais. É quando aparece, a partir da página 742, o fã Thiago Marques Luiz, que, embora na época inexperiente como produtor musical, viabilizou a volta da cantora ao mercado fonográfico com a edição, em 2003, de Disco de ouro (Lua Music), álbum equivocado até no título, típico de coletânea. Embora mal recebido pela crítica, o CD - no qual Angela dava voz a músicas de compositores estreantes em sua discografia, como Eduardo Gudin, Luiz Melodia e Lulu Santos - propiciou o encontro de Angela com o produtor que a tem mantido em cena e nos estúdios de gravação, dando continuidade à história longeva, contada com justa reverência por Faour na torrencial biografia Angela Maria A eterna cantora do Brasil.
♪ Na 216ª das 840 páginas da caudalosa biografia de Angela Maria escrita por Rodrigo Faour, o autor - jornalista e pesquisador musical carioca em atividade profissional desde os anos 1990 - conta que a cantora fluminense certa vez foi chamada pelo então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) à uma hora da madrugada somente para cantar Orgulho (Nelson Wederkind e Waldir Rocha, 1953) - o samba-canção que a artista lançara em 1953 em disco de 78 rotações por minuto editado pela gravadora Copacabana - numa festa frequentada por JK. "O motorista veio me pegar no hotel em que eu estava só que para eu cantasse Orgulho para ele numa festa em que ele estava. Mas não foi de graça, não. Ele me pagou", ressalta Angela, em depoimento para Faour. Acontecido na segunda metade da década de 1950, o caso contado em Angela Maria A eterna cantora do Brasil - livro que a Editora Record põe no mercado neste mês de outubro de 2015 - exemplifica o poder dos agudos da voz de mezzo-soprano da Sapoti - assim apelidada por outro presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882 - 1954) - ao longo dos anos 1950. Quatorze anos após contar a saga de Cauby Peixoto (cantor fluminense contemporâneo de Angela, com quem teve cruzado seu caminho profissional há várias décadas) na biografia Cauby Peixoto - 50 anos da voz e do mito, livro editado pela mesma Record em 2001, Faour narra a vida e obra de Angela Maria em narrativa de fôlego, escrita em texto de tom por vezes tão kitsch quanto parte do repertório da cantora. Ao longo de uma introdução (a rigor, dispensável na função de enfatizar a importância de Angela) e de 23 capítulos que totalizam 770 páginas (as 70 restantes são ocupadas por discografia, filmografia, bibliografia, agradecimentos, índice onomástico e lista de sucessos da cantora), Faour mostra como Abelim Maria da Cunha - décima filha de um casal pobre residente no município fluminense de Conceição de Macabu - se transformou em Angela Maria e como a estrela Angela Maria, atualmente com 86 anos, atravessou períodos de altos e baixos ao longo de quase 70 anos de carreira iniciada nos dancings da cidade do Rio de Janeiro após seguir a via-crúcis dos programas de calouros. Faour repisa os passos mais importantes da vida de Angela em ordem cronológica, mesclando depoimentos colhidos em entrevistas - a de Angela conduz obviamente a narrativa, mas há falas de nomes como Milton Nascimento - com reproduções de reportagens e críticas de jornais e revistas publicadas a partir da década de 1950.
ResponderExcluirRevelação do rádio em 1952, a cantora atingiu seu pico de popularidade nos dourados anos 1950 e, já naquela época, teve seu repertório questionado por formadores de opinião, como Faour prova através de reproduções de críticas da época. Mesmo sendo uma das cantoras mais populares daquela década, em reinado dividido com colegas como Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e Emilinha Borba (1923 - 2005), Angela ficou literalmente paralisada ao ficar frente a frente com Carmen Miranda (1909 - 1955) por iniciativa da Pequena Notável, como conta Faour - referendado por depoimento de Angela - em outro fato curioso relatado no livro. E por falar em Carmen, o show dividido pela Sapoti com o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008), na boate Casablanca, também é assunto do livro. Assim como o sucesso avassalador de Escuta, música de Ivon Curi (1928 - 1995) lançada por Angela em disco de 1955. Faour também narra os casamentos cinematográficos da vida real da estrela, que, além de cantar, também atuava em filmes. A propósito, as curiosidades em torno da vida da artista tornam o livro mais saboroso, sem tom de diário oficial. Na página 302, por exemplo, Djavan relata para Faour que o fato de Angela ter lábios grossos atenuava o próprio incômodo do cantor e compositor alagoano com seus lábios igualmente espessos. "Um dia, recebi a notícia de que a Angela ia operar os lábios para diminuí-los. Fiquei em pânico", relembra Djavan, entre risos, no livro. Ao contrário do que tinha sido noticiado pelas colunas de fofoca da época, Angela não operou os lábios, mas, na época, foi parar no hospital por conta de apendicite e aproveitou para extirpar as amídalas que já lhe causam problemas. Quando a narrativa avança para os anos 1960, Faour enfatiza a queda de prestígio da cantora entre os críticos por conta da perda substancial de qualidade do repertório da Sapoti na década em que a Jovem Guarda e a então emergente MPB tornaram ultrapassados os ídolos surgidos na era do rádio. Antes mesmo do advento do pop da jovens tardes de domingo e da era dos festivais, Faour conta o desprezo dos críticos quando Angela voltou à gravadora RCA, em 1962, para gravar repertório melodramático dominado por músicas do compositor Adelino Moreira, caso do chá chá chá Garota solitária, um sucesso popular que somente aumentou o despeito dos críticos daquela época. Entre menções a discos e shows, como os feitos com Cauby Peixoto desde 1982, Faour também relata fatos da vida pessoal de Angela sem jamais deixar a biografia adquirir caráter sensacionalista. Mas tampouco se esquiva de registrar as uniões afetivas da cantora com homens que lhe provocaram aborrecimentos (um deles, Kleber, chegou a ter prisão decretada por estelionato em 24 de abril de 1967, como conta Faour na página 460 do livro). Faour lembra também como a imprensa reagiu em tom marrom quando noticiou o envolvimento de Angela como o jovem (então com 18 anos) Daniel D'Angelo, união feliz nascida de um flerte em 1979 que driblou as descrenças das famílias de ambos e que perdura até hoje (além de marido, Daniel se tornou empresário da cantora). No fim do livro, Faour narra a fase outonal da carreira de Angela, pontuada a partir dos anos 1990 por discos pontuais. É quando aparece, a partir da página 742, o fã Thiago Marques Luiz, que, embora na época inexperiente como produtor musical, viabilizou a volta da cantora ao mercado fonográfico com a edição, em 2003, de Disco de ouro (Lua Music), álbum equivocado até no título, típico de coletânea. Embora mal recebido pela crítica, o CD - no qual Angela dava voz a músicas de compositores estreantes em sua discografia, como Eduardo Gudin, Luiz Melodia e Lulu Santos - propiciou o encontro de Angela com o produtor que a tem mantido em cena e nos estúdios de gravação, dando continuidade a uma história longeva, contada com justa reverência por Faour na torrencial biografia Angela Maria A eterna cantora do Brasil.
ResponderExcluirParece que o cantar sussurrado de joão Gilberto e sua bossa é que colocou os cantores de rádio em segundo plano.
ResponderExcluirA bossa nova foi uma música de elite, Ademar, adotada pelos críticos mas não pelo público. A mpb é que fez esse povo do rádio ficar antigo. O Mauro só erra em botar a jovem guarda no meio, ela não teve nada com isso
ResponderExcluirEsse livro parece ser bem interessante, com relatos igualmente interessantes...
ResponderExcluirVou demorar séculos pra ler o livro (por motivo de uma fila enorme na frente), mas é maravilhoso que ele exista. O trabalho do Rodrigo é importantíssimo, bem feito e sempre muito bem vindo. Me dá um alívio imenso ver a história que não vivi documentada.
ResponderExcluirA obra e vida de Angela merece livros,filmes,musicais e afins.Um mito vivo!
ResponderExcluir