Resenha de CD
Título: Vidas pra contar
Artista: Djavan
Gravadora: Luanda Records / Sony Music
Cotação: * * * 1/2
♪ Em 1998, Djavan se jogou na pista e acenou para o universo pop ao lançar um de seus álbuns mais joviais, Bicho solto - O XIII (Sony Music), álbum repleto de grooves funkeados que renovou o público do artista no rastro do sucesso da música Eu te devoro (Djavan, 1998), cuja letra citava até o ator norte-americano Leonardo Di Caprio, então no auge da popularidade, arrastado pelas águas do filme Titanic (Estados Unidos, 1997). Dezessete anos e dez álbuns depois, o genial cantor e compositor alagoano flerta novamente com o universo pop na batida funkeada de Só pra ser o sol, segunda das 12 músicas de seu 23º álbum para o mercado brasileiro, Vidas pra contar. Mas o universo pop é outro e Djavan também já é outro - ainda que musicalmente continue o mesmo compositor refinado, de assinatura pessoal e intransferível. Música de luminoso romantismo, Só pra ser o sol dificilmente vai devorar as paradas como a composição de 1998. E o mesmo vale para o álbum. Com repertório inteiramente autoral, composto solitariamente por Djavan, Vidas pra contar é disco que se situa no mesmo patamar de seu antecessor Rua dos amores (Luanda Records / Universal Music, 2012). Trata-se de álbum extremamente sofisticado - produzido e arranjado por Djavan com banda afinada com o som do artista, formada por Carlos Bala (bateria), Jessé Sadoc (sopros), João Castilho (violão e guitarra), Marcelo Mariano (baixo), Marcelo Martins (sopros) e Paulo Calasans (piano e teclados) - e de linguagem musical adulta. A caminho dos 67 anos, a serem completados em 27 de janeiro de 2016, Djavan apresenta mais um disco que vai contentar tão somente os que entendem as esquinas por que passa uma música erguida com original arquitetura harmônica e feita numa cadência própria que não encontra antecedentes na MPB. Obra que completa 40 anos de exposição neste ano de 2015 - tomando-se como marco zero a defesa do samba Fato consumado (Djavan, 1975) em festival promovido pela TV Globo em 1975 - já dando alguns inevitáveis sinais de repetição, mas sem perder seu refinamento. Vidas pra contar reitera as virtudes do compositor. Pode decepcionar quem confrontar o samba sincopado Ânsia de viver com antigas criações do artista no gênero. Mas pode também arrebatar quem ouvir a valsa O tal do amor e a bela balada Encontrar-te, cujo canto, melodia e arranjo de arquitetura clássica têm temperatura amena que contrasta com o tom inflamado de versos que falam de um desejo à flor da pele. De ritmo indefinível, a sinuosa Aridez também capta um homem sedento de amor, para o qual a mulher desejada é "água da fonte". Eleita equivocadamente o primeiro single do álbum, Não é um bolero não é mesmo um bolero típico do ponto de vista musical, mas dialoga com o gênero nos versos. Canção de amor que recusa os clichês do gênero, Primazia tende a passar despercebida diante de composições mais sedutoras como Vida nordestina, xote em que o artista alagoano exalta a abundante fé e alegria que inundam as almas do povo de região castigada pela escassez de água. Região que absorveu a influência do som ibérico que pautou Djavan na criação e na gravação da sofisticada música-título Vidas pra contar. Já a arquitetura engenhosa de Se não vira jazz mostra como Djavan absorveu a tal influência do jazz, motor também de Enguiçado, faixa de suingue vintage. Enfim, Djavan habita um rico universo musical, vislumbrado intuitivamente por sua mãe, protagonista da biográfica Dona do horizonte, música que cita em seus versos os nomes de ícones da música brasileira na década de 1950, como Angela Maria, Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e o seminal Luiz Gonzaga (1912 - 1989), rei musical da nação nordestina. Artistas que, em maior ou menor grau, inspiraram Djavan na criação de obra monumental que, 40 anos após ser apresentada ao Brasil em escala nacional, continua seduzindo quem percebe que os cantos e contos do artista habitam e formam mundo à parte em que os acenos para o universo pop, embora bem-vindos, são mero detalhe porque o artista já se impôs como dono de seu próprio horizonte musical.
♪ Em 1998, Djavan se jogou na pista e acenou para o universo pop ao lançar um de seus álbuns mais joviais, Bicho solto - O XIII (Sony Music), álbum repleto de grooves funkeados que renovou o público do artista no rastro do sucesso da música Eu te devoro (Djavan, 1998), cuja letra citava até o ator norte-americano Leonardo Di Caprio, então no auge da popularidade, arrastado pelas águas do filme Titanic (Estados Unidos, 1997). Dezessete anos e dez álbuns depois, o genial cantor e compositor alagoano flerta novamente com o universo pop na batida funkeada de Só pra ser o sol, segunda das 12 músicas de seu 23º álbum para o mercado brasileiro, Vidas pra contar. Mas o universo pop é outro e Djavan também já é outro - ainda que musicalmente continue o mesmo compositor refinado, de assinatura pessoal e intransferível. Música de luminoso romantismo, Só pra ser o sol dificilmente vai devorar as paradas como a composição de 1998. E o mesmo vale para o álbum. Com repertório inteiramente autoral, composto solitariamente por Djavan, Vidas pra contar é disco que se situa no mesmo patamar de seu antecessor Rua dos amores (Luanda Records / Universal Music, 2012). Trata-se de álbum extremamente sofisticado - produzido e arranjado por Djavan com banda afinada com o som do artista, formada por Carlos Bala (bateria), Jessé Sadoc (sopros), João Castilho (violão e guitarra), Marcelo Mariano (baixo), Marcelo Martins (sopros) e Paulo Calasans (piano e teclados) - e de linguagem musical adulta. A caminho dos 67 anos, a serem completados em 27 de janeiro de 2016, Djavan apresenta mais um disco que vai contentar tão somente os que entendem as esquinas por que passa uma música erguida com original arquitetura harmônica e feita numa cadência própria que não encontra antecedentes na MPB. Obra que completa 40 anos de exposição neste ano de 2015 - tomando-se como marco zero a defesa do samba Fato consumado (Djavan, 1975) em festival promovido pela TV Globo em 1975 - já dando alguns inevitáveis sinais de repetição, mas sem perder seu refinamento. Vidas pra contar reitera as virtudes do compositor. Pode decepcionar quem confrontar o samba sincopado Ânsia de viver com antigas criações do artista no gênero. Mas pode também arrebatar quem ouvir a valsa O tal do amor e a bela balada Encontrar-te, cujo canto, melodia e arranjo de arquitetura clássica têm temperatura amena que contrasta com o tom inflamado de versos que falam de um desejo à flor da pele. De ritmo indefinível, a sinuosa Aridez também capta um homem sedento de amor, para o qual a mulher desejada é "água da fonte". Eleita equivocadamente o primeiro single do álbum, Não é um bolero não é mesmo um bolero típico do ponto de vista musical, mas dialoga com o gênero nos versos. Canção de amor que recusa os clichês do gênero, Primazia tende a passar despercebida diante de composições mais sedutoras como Vida nordestina, xote em que o artista alagoano exalta a abundante fé e alegria que inundam as almas do povo de região castigada pela escassez de água. Região que absorveu a influência do som ibérico que pautou Djavan na criação e na formatação da música-título Vidas pra contar. Já a arquitetura engenhosa de Se não vira jazz mostra como Djavan absorveu a tal influência do jazz, motor também de Enguiçado, faixa de suingue vintage. Enfim, Djavan habita um rico universo musical, vislumbrado intuitivamente por sua mãe, protagonista da biográfica Dona do horizonte, música que cita em seus versos os nomes de ícones da música brasileira na década de 1950, como Angela Maria, Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e o seminal Luiz Gonzaga (1912 - 1989), rei musical da nação nordestina. Artistas que, em maior ou menor grau, inspiraram Djavan na criação de obra monumental que, 40 depois de ser apresentada ao Brasil em escala nacional, continua seduzindo quem percebe que os cantos e contos do artista habitam e formam mundo à parte em que os acenos para o universo pop, embora bem-vindos, são mero detalhe porque o artista já se impôs como dono de seu próprio horizonte musical.
ResponderExcluirEste álbum de Djavan é um oásis na aridez dos tempos atuais.
ResponderExcluirBelo texto para um belo trabalho musical.
Enquanto grandes artistas passam décadas sem lançar nada relevante, apenas repaginando o próprio repertório em regravações que só diluem os trabalhos originais, Djavan nos brinda com músicas inéditas que estão no patamar de qualidade do que ele já fez de melhor.
Acho que os grandes da MPB deveriam além de seus trabalhos solos, se arriscarem em ousar mais, com Cds em parceria ...quem não adoraria um Cd de Djavan e Gal Costa juntos ? Djavan e Bethânia ? Djavan e Simone ....
ResponderExcluirExcelente texto. Contudo, me deu a impressão de que a cotação seria maior (quatro estrelas ou mais). Djavan é realmente um craque. Legal é que ele está sempre lançando álbuns com músicas inéditas. Não fica nessa de discos ao vivo ou regravações.
ResponderExcluirRonaldo, acho que a cotação é coerente com texto que exalta a obra do artista, mas, ao mesmo tempo, deixa claro que há músicas menos sedutoras no disco como 'Primazia' e o samba 'Ânsia de viver'. O próprio título já deixa claro que se trata de um bom álbum. Cáffaro, penso que Djavan poderia se abrir mais para parcerias, como já fez no passado, compondo com Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo. Val, concordo que um disco de músicas inéditas é sempre bem-vindo e que 'Vidas pra contar' paira acima da média. Abs, grato a todos pelos comentários, MauroF
ResponderExcluirTambém estou achando primoroso! O requinte e cuidado nos arranjos, nas melodias e poesia. Djavan sendo Djavan: ímpar, sendo par.
ResponderExcluirDjavan é sempre bem vindo!
ResponderExcluirMauro, seu texto, como sempre, é puro brilhante de alto quilate! Obrigado por exercer tão bem seu trabalho e o compartilhar conosco, que tanto amamos música.
ResponderExcluirDjavan é poeta de mais de sete faces, alagoanas e do mundo. Sua obra transcende barreiras musicais e comerciais, ainda que nem sempre seus álbuns penetrem na neblina coercitiva em que se encontra o mercado de música brasileira.
Diante da impossibilidade de se abandonar à própria sorte toda essa reunião de ilusões sonoras a qual alguns chamam de música feita no Brasil de hoje, resta saber por quanto tempo ainda teremos pérolas do quilate de um músico genial como Djavan e/ou de alguns de seus parceiros de geração.
Seja como for, o luar e a estrela do mar continuarão sendo sinônimos de uma das melhores obras poético-musicais de nosso país.
Vida longa a Djavan!
Djá é inconfundível e concordo com todos que poderia haver mais parcerias e tudo mais ouvi 5 faixas do disco e gostei do que ouvii E o bom mesmo é que ele sempre vem com novos trabalhos sempre com qualidade e talento de sempre
ResponderExcluirAugusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)
ResponderExcluirVida nordestina paga o disco é um xote dos mais bonitos que ouvi ultimamente, dentre outras gostei ex: Encontrar-te, Dona do horizonte e Se não vira jazz. Depois de discos chatos como Rua dos amores e Matizes, ele nos brinda agora com um belo disco.
Mauro parabéns pela resenha. Mero detalhe no texto faltou incluir a palavra anos após 40. Penso que esse álbum Djavan fala de amores felizes diferente de canções como Bangalô ou mesmo os sambas-canção cantados por Ângela Maria por exemplo. Vida longa a Djavan! Leandro Soares
ResponderExcluirNão ouvi ainda esse novo disco mas, se for como "Rua dos Amores", meu Deus! O álbum de 2012 é soporífero.
ResponderExcluirGrato pelo toque, Leandro. Já incluí a palavra 'anos' nos textos. Quanto aos comentários sobre os discos anteriores, 'Matizes' me soou ligeiramente menos inspirado. Já 'Rua dos amores' - para mim - está no mesmo patamar de 'Vidas pra contar'. Mas a viva a diversidade de opiniões! Abs, grato a todos pelos comentários, MauroF
ResponderExcluirBelíssimo disco de Djavan... Não fica nada a dever a seus trabalhos anteriores...
ResponderExcluirMauro, muito bom texto. Está claro o respeito com a obra, afinal, estamos ouvindo um disco de um mestre desta arte, que não precisa mais de provas. A música que ouvimos neste álbum é muito mais competente que a maioria dos outros lançados em 2015, mas o resultado não nos remete a algo novo.
ResponderExcluirSou grande fã de Djavan e seus eternos trabalhos, mas aqui acho que faltou o brilho de sua criatividade. Não sei se suas músicas antigas é que eram geniais demais ou se esse álbum é que beira à mediocridade. Musicalmente reconhecemos o swing do músico, mas nas letras nota-se que elas não coincidem com o ritmo e ficam meio que atrapalhadas e mal jogadas no meio do todo. Dá a impressão de cansaço do autor em tentar procurar palavras que conduzissem a melodia e é como se ele tivesse ligado o piloto automático e tacado um "fo..., vai desse jeito mesmo que não estou com saco pra pensar em coisa melhor." Pena, ouvi o álbum inteiro desejando no início que a música posterior me surpreendesse pois a que eu estava ouvindo não me agradou. No meio pra frente já desejava que aquilo acabasse logo. Acabou, e não foi memorável. Mas é uma opinião particular, de quem cresceu ouvindo Djavan . Talvez as novas gerações encontrem méritos em "Vidas Pra Contar" que eu pessoalmente não encontrei. Mesmo assim seria heresia minha se dissesse que o álbum é ruim. Muito pelo contrário, é apenas abaixo do quilate do artista. E, se não tivesse me saído de graça, com certeza eu não compraria.
ResponderExcluirAdmiro muito o trabalho de Djavan, acho ele mantém sempre uma linha no seu trabalho e com o passar do tempo, as letras e arranjos são cada vez melhores.
ResponderExcluirAri Viana