domingo, 22 de novembro de 2015

Roberta Sá ajusta temperatura de 'Delírio' com o calor do palco (e do público)

Resenha de show
Título: Delírio
Artista: Roberta Sá (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 21 de novembro de 2015
Cotação: * * * *

Com a inteligência que pautou a maioria das escolhas de discografia que completou uma década neste ano de 2015, Roberta Sá conseguiu que um disco meramente bom, Delírio (MP,B Discos / Som Livre, 2015), desse origem a um ótimo show. Sexto álbum de discografia iniciada oficialmente há dez anos com a edição de Braseiro (MP,B Discos / Universal Music, 2005), Delírio priorizou a precisão técnica do canto em detrimento de uma graciosidade que fez com que Roberta caísse quase instantaneamente - com trocadilho - nas graças do público, sobretudo o carioca. Sem o frescor que dava o tom das gravações iniciais da cantora, o disco Delírio soou morno em alguns momentos. Contudo, no show que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 21 de novembro de 2015, após estrear em Juiz de Fora (MG) em 5 de novembro, a cantora ajustou a temperatura do repertório de Delírio com a chama do palco, com a quentura do público - sintomaticamente mais caloroso quando a cantora reviveu músicas de álbuns anteriores, mas receptivo às composições do novo disco - e com roteiro coeso que aproveita nove das 11 músicas do álbum, omitindo sagazmente Última forma (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1972) e Feito Carnaval (Rodrigo Maranhão, 2015), duas músicas que contribuíram decisivamente para o tom plácido do disco (a primeira por ter sido registrada com interpretação acanhada que jamais dá o recado do samba). Com o toque magistral da banda capitaneada pelo diretor musical Rodrigo Campello (violão de sete cordas) e formada por feras como Alberto Continentino (baixo), Luis Barcelos (bandolim e cavaquinho), Marcos Suzano (percussão) e Paulino Dias (percussão), Roberta Sá teve a sabedoria de apresentar logo no bloco inicial do show os três bonitos sambas lentos do compositor baiano Cezar Mendes - Não posso esconder o que o amor me faz (Cezar Mendes e José Carlos Capinam, 2015), o buarquiano Se for pra mentir (Cezar Mendes e Arnaldo Antunes, 2011) e Um só lugar (Cezar Mendes e Tom Veloso, 2015), este cantado por Roberta sentada, num canto do palco - que também colaboraram para que o disco soasse demasiadamente sereno e que, no show, poderiam amenizar o clima da apresentação se fossem dispersados ao longo do roteiro. E o fato é que o show Delírio foi ganhando pique, calor e graciosidade a partir do quinto número, Samba de um minuto (A novidade) (Rodrigo Maranhão, 2003), cantado pelo público carioca com tanta vontade que, em determinado momento do número, Roberta deixou que a voz do povo ecoasse sozinha na casa Vivo Rio. Samba fornecido por Adriana Calcanhotto para o repertório do disco Delírio, Me erra (2015) se tornou um dos acertos do show. Simples e espirituoso como todo samba da gaúcha Calcanhotto, Me erra se mostrou especialmente engenhoso em cena quando o verso "Estou subindo o morro de Mangueira" se afinou com a melodia em escala ascendente. Já a marcha pop que batiza disco e show, Delírio (Rafael Rocha, 2015), reiterou a afinidade do canto leve de Roberta Sá com a produção autoral de compositores da cena contemporânea carioca. Música do álbum anterior da artista, Segunda pele (MP,B Discos / Universal Music, 2012), Bem a sós (Rubinho Jacobina, 2012) manteve o show em alta, a propósito. Com sonoridade moderna e por vezes seresteira, como se a banda encarnasse no século XXI um dos regionais que deram o tom da música brasileira antes do advento da Bossa Nova, o show alcançou pico de intensidade quando Roberta interpretou - em clima de fado e com xale preto (adereço-clichê usado pelas cantoras em suas incursões pelo gênero lusitano) - o antigo samba Covardia (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1938). Mesmo sem vocação para o canto mais dramático, Roberta ofereceu interpretação convincente para o samba tornado fado - o que somente evidencia seu crescimento como cantora. O dengo sensual feito por Martinho da Vila em Amanhã é sábado - samba inédito que fez para Roberta e que canta com ela no disco Delírio - também cresceu em cena, sinalizando que as intervenções de Martinho no álbum são dispensáveis. Já Água doce (Roque Ferreira, 2015) fez a cantora seguir a correnteza do manemolente samba baiano do compositor Roque Ferreira, a cujo repertório Roberta dedicou inteiramente o irretocável álbum Quando o canto é reza - Canções de Roque Ferreira (MP,B Discos / Universal Music, 2010). Desta obra-prima da discografia da artista, o show Delírio rebobina também Menino e Festejo, músicas alocadas no bis iniciado com Mais alguém (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2010), sucesso do álbum que consolidou a carreira fonográfica de Roberta, Que belo estranho dia pra se ter alegria (MP,B Discos / Universal Music, 2007). Mais alguém é da lavra dos mesmos compositores de Meu novo Ilê, única música do CD Delírio que soa mais sedutora no disco do que no show. Em cena, o arranjo - que evoca ritmos como a morna de Cabo Verde e o samba-reggae da Bahia - soou sem (toda) a clareza da gravação de estúdio. Em contrapartida, Ah, se eu vou (Lula Queiroga, 2001) trouxe de volta para a cena toda a graciosidade que pautava o canto de Roberta Sá em seus discos iniciais. É o número em que a cantora rodopia pelo palco do Vivo Rio, cheia de vida e cheia de graça. Boa surpresa do roteiro, o samba Gostoso veneno (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1979) ainda pode ser sorvido no show com mais sensualidade. Basta Roberta beber da fonte de Alcione, cantora que lançou o samba há 36 anos, em 1979. Já apontando o fim do show, na qual a cantora mostrou maior desenvoltura cênica ao se movimentar por todos os cantos do palco ao longo da apresentação, os sambas O nego e eu (João Cavalcanti, 2012) e Boca em boca - a primeira parceria de Roberta, compositora bissexta, com Xande de Pilares, fecho do disco Delírio - encerraram com animação um show no qual a cantora reverteu - positivamente - a expectativa do público de assistir a um espetáculo de tons plácidos como o disco.

5 comentários:

  1. ♪ Com a inteligência que pautou a maioria das escolhas de discografia que completou uma década neste ano de 2015, Roberta Sá conseguiu que um disco meramente bom, Delírio (MP,B Discos / Som Livre, 2015), desse origem a um ótimo show. Sexto álbum de discografia iniciada oficialmente há dez anos com a edição de Braseiro (MP,B Discos / Universal Music, 2005), Delírio priorizou a precisão técnica do canto em detrimento de uma graciosidade que fez com que Roberta caísse quase instantaneamente - com trocadilho - nas graças do público, sobretudo o carioca. Sem o frescor que dava o tom das gravações iniciais da cantora, o disco Delírio soou morno em alguns momentos. Contudo, no show que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 21 de novembro de 2015, após estrear em Juiz de Fora (MG) em 5 de novembro, a cantora ajustou a temperatura do repertório de Delírio com a chama do palco, com a quentura do público - sintomaticamente mais caloroso quando a cantora reviveu músicas de álbuns anteriores, mas receptivo às composições do novo disco - e com roteiro sagaz que aproveita somente nove das 11 músicas do CD, omitindo Última forma (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1972) e Feito Carnaval (Rodrigo Maranhão, 2015), duas músicas que contribuíram decisivamente para o tom plácido do disco (a primeira por ter sido registrada com interpretação acanhada que jamais dá o recado do samba). Com o toque magistral da banda capitaneada pelo diretor musical Rodrigo Campello (violão de sete cordas) e formada por feras como Alberto Continentino (baixo), Luis Barcelos (bandolim e cavaquinho), Marcos Suzano (percussão) e Paulino Dias (percussão), Roberta Sá teve a sabedoria de apresentar logo no bloco inicial do show os três bonitos sambas lentos do compositor baiano Cezar Mendes - Não posso esconder o que o amor me faz (Cezar Mendes e José Carlos Capinam, 2015), o buarquiano Se for pra mentir (Cezar Mendes e Arnaldo Antunes, 2011) e Um só lugar (Cezar Mendes e Tom Veloso, 2015), este cantado por Roberta sentada, num canto do palco - que também colaboraram para que o disco soasse demasiadamente sereno e que, no show, poderiam amenizar o clima da apresentação se fossem dispersados ao longo do roteiro. E o fato é que o show Delírio foi ganhando pique, calor e graciosidade a partir do quinto número, Samba de um minuto (A novidade) (Rodrigo Maranhão, 2003), cantado pelo público carioca com tanta vontade que, em determinado momento do número, Roberta deixou que a voz do povo ecoasse sozinha na casa Vivo Rio. Samba fornecido por Adriana Calcanhotto para o repertório do disco Delírio, Me erra (2015) se tornou um dos acertos do show. Simples e espirituoso como todo samba da gaúcha Calcanhotto, Me erra se mostrou especialmente engenhoso em cena quando o verso "Estou subindo o morro de Mangueira" se afinou com a melodia em escala ascendente. Já a marcha pop que batiza disco e show, Delírio (Rafael Rocha, 2015), reiterou a afinidade do canto leve de Roberta Sá com a produção autoral de compositores da cena contemporânea carioca. Música do álbum anterior da artista, Segunda pele (MP,B Discos / Universal Music, 2012), Bem a sós (Rubinho Jacobina, 2012) manteve o show em alta, a propósito. Com sonoridade moderna e por vezes seresteira, como se a banda encarnasse no século XXI um dos regionais que deram o tom da música brasileira antes do advento da Bossa Nova, o show alcançou pico de intensidade quando Roberta interpretou - em clima de fado e com xale preto (adereço-clichê usado pelas cantoras em suas incursões pelo gênero lusitano) - o antigo samba Covardia (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1938). Mesmo sem vocação para o canto mais dramático, Roberta ofereceu interpretação convincente para o samba tornado fado - o que somente evidencia seu crescimento como cantora.

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  2. O dengo sensual feito por Martinho da Vila em Amanhã é sábado - samba inédito que fez para Roberta e que canta com ela no disco Delírio - também cresceu em cena, sinalizando que as intervenções de Martinho no álbum são dispensáveis. Já Água doce (Roque Ferreira, 2015) fez a cantora seguir a correnteza do manemolente samba baiano do compositor Roque Ferreira, a cujo repertório Roberta dedicou inteiramente o irretocável álbum Quando o canto é reza - Canções de Roque Ferreira (MP,B Discos / Universal Music, 2010). Desta obra-prima da discografia da artista, o show Delírio rebobina também Menino e Festejo, músicas alocadas no bis iniciado com Mais alguém (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2010), sucesso do álbum que consolidou a carreira fonográfica de Roberta, Que belo estranho dia pra se ter alegria (MP,B Discos / Universal Music, 2007). Mais alguém é da lavra dos mesmos compositores de Meu novo Ilê, única música do CD Delírio que soa mais sedutora no disco do que no show. Em cena, o arranjo - que evoca ritmos como a morna de Cabo Verde e o samba-reggae da Bahia - soou sem (toda) a clareza da gravação de estúdio. Em contrapartida, Ah, se eu vou (Lula Queiroga, 2001) trouxe de volta para a cena toda a graciosidade que pautava o canto de Roberta Sá em seus discos iniciais. É o número em que a cantora rodopia pelo palco do Vivo Rio, cheia de vida e cheia de graça. Boa surpresa do roteiro, o samba Gostoso veneno (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1979) ainda pode ser sorvido no show com mais sensualidade. Basta Roberta beber da fonte de Alcione, cantora que lançou o samba há 36 anos, no fim da década de 1970. Já apontando o fim da apresentação, os sambas O nego e eu (João Cavalcanti, 2012) e Boca em boca - a primeira parceria de Roberta, compositora bissexta, com Xande de Pilares, fecho do disco Delírio - encerraram com animação um show no qual a cantora reverteu - positivamente - a expectativa do público de assistir a um espetáculo de tons plácidos como o disco.

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  3. Não compreendi até agora a sua crítica sobre o cd, Mauro. Estou adorando o Delírio! E que música deliciosa é Boca em boca!!
    Dá-lhe, Roberta! Obrigado por ter voltado a produzir um belo disco, pois o anterior (Segunda Pele), aquele sim era chatíssimo!!

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  4. O mais engraçado é ele afirmar "com roteiro sagaz que aproveita somente nove das 11 músicas do CD". Como assim somente 9 de 11? O cd tá praticamente todo lá no show. Não vi recentemente nenhum show em que a cantora aproveitou tanto o repertório do último cd como nesse caso, nem Bethânia com seus quintais, nem mesmo Gal com seu estratosférica. O show é o Delírio inteiro, vivo e tão lindo quanto o cd. Tudo isso só comprova que a crítica ao cd feita por aqui foi injusta.

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  5. Vitor, você tem razão. Havia uma incoerência no uso de 'somente'. Abs, MauroF

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