Título: Tomada
Artista: Filipe Catto (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 9 de dezembro de 2015
Cotação: * * * 1/2
♪ O fato de Filipe Catto ter ocultado gravação de Paloma negra (Tomáz Méndez Sosa, 1955) como faixa escondida do CD Tomada (Agência de Música / Radar Records, 2015) diz muito sobre a posição adotada pelo artista gaúcho no segundo álbum de estúdio, produzido por Alexandre Kassin e lançado em setembro. Famosa música mexicana que alçou alto voo em vozes de intérpretes como Chavela Vargas (1919 - 2012) e Lola Beltrán (1932 - 2006) a partir da década de 1950, Paloma negra é tema vocacionado para vozes que expõem melodramas no teatro das canções. Vozes como a de Filipe Catto, potente cantor que lançou o primeiro disco em 2009 (o EP independente Saga), despontou em 2011 com o álbum Fôlego (Universal Music), ganhou público em 2012, ficou no olho do furacão mercadológico em 2013 com DVD em que roçou o brega, abordou o repertório de Cássia Eller (1962 - 2001) em show de 2014 e lançou em 2015 um álbum menos inflamado, em que baixou a voltagem do canto habitualmente eletrizante ao dar voz a um repertório de empatia nem sempre compatível com o tamanho e a natureza dessa voz de contratenor que alterna timbres masculinos e femininos com naturalidade. Ocultada no CD, Paloma negra é exposta no show com todo o melodrama da canção, mas em refinado arranjo minimalista, pontuado pelo toque da guitarra de Fabá Gimenez. Um dos pontos mais altos da estreia carioca do show Tomada, Paloma negra manteve acesas as atenções do público que encheu o Theatro Net Rio na noite de ontem, 9 de novembro de 2015. No show, Catto poda (alguns) excessos - diluindo a aura kitsch que envolve o canto do artista - e (re)toma fôlego. Nem sempre vai ao fundo do que pode, como afirma em Mergulho (Alzira Espíndola e Alice Ruiz, 2008), porque o repertório do álbum Tomada nem sempre está em sintonia com a alma do intérprete e por vezes baixa a voltagem do show, mas apresenta um espetáculo superior ao disco que gerou a cena orquestrada sob a direção de Ricky Scaff. Após a abertura instrumental da banda, Partiu (2013) - rock lançado por Marina Lima em shows feitos há dois anos - põe Catto em cena com a sensação incômoda de ser música fora do espírito do intérprete. Em contrapartida, Depois de amanhã (2015) - a inspirada parceria de Moska com Catto - se confirma escolha acertada de segundo single do álbum, sobretudo quando reaparece no fim do bis, aquecida pelo coro e palmas da plateia em ritual meio gospel-soul que faz artista e público comungarem na mesma frequência de almas. Tal sintonia parece ter inexistido em cena ao longo da interpretação de Do fundo do coração (Taciana Barros e Júlio Barroso, 1985), balada da banda Gang 90 que parece fazer mais sentido no disco, povoado por canções sobre o universo noturno de sexo e amores fugazes. O roteiro do show reproduz as 12 músicas do álbum, mas expande o universo temático com músicas de discos anteriores de Catto e composições inéditas na voz do cantor. De todo modo, o fato é que o repertório do disco por vezes soa menos sedutor. Nem o suingue afro-latino de Auriflama (Thalma de Freitas e José Eduardo Agualusa, 2015) faz o público se ligar em Tomada ao longo do número. Sintomaticamente, os primeiros aplausos realmente entusiasmados da estreia carioca do show vieram após o samba Roupa do corpo (Filipe Catto, 2009), número em que Catto veste a pele do intérprete mais despudorado, de veia teatral. Catto é o melhor cantor de geração com mais atitude do que voz. Quando escolhe repertório à altura da voz, como Autonomia (Cartola, 1977), geralmente acerta porque vai nas notas e no âmago da canção. Quando canta à beira do abismo, expondo a face popular, como em Adorador, a inspirada parceria que fez com o carioca Pedro Luís e que fecha a edição digital do álbum Tomada, Catto cresce e parece retomar o fôlego mostrado na sedutora versão original do melhor show solo da carreira (clique aqui para reler a resenha da estreia carioca do show Fôlego). Tema envolvido em ambiência roqueira no disco, Um milhão de novas palavras (César Lacerda e Fernando Temporão, 2015) ressurge mais teatral e impactante, soltando o grito parado no ar pesado da política do Brasil neste ano de 2015. O rock dita o tom de Adoração (Filipe Catto, 2015), número feito após o tempo de delicadeza pedido pela canção gay Amor mais que discreto (Caetano Veloso, 2007), sagazmente precedida no show por citação instrumental da libertária Paula e Bebeto (Caetano Veloso e Milton Nascimento, 1975). Qualquer maneira de amor vale amar. Mas nem toda maneira ou canção vale o canto intenso de Catto. Balada do compositor pernambucano Zé Manoel, Canção e silêncio (2015) vale mais no show do que no disco, que por vezes não valorizou devidamente a voz de Catto na tentativa vã de torná-lo menos popular e menos teatral. Só que Catto tem a alma de um cantor popular - e ela transparece inteira no belo registro abolerado de Surrender (Doc Pomus e Mort Shuman, 1961), a livre adaptação em inglês da canção napolitana Torna a surriento (Ernesto de Curtis e Giambattista de Curtis, 1902). Outro ponto alto do show, Surrender ficou famosa na voz do cantor norte-americano Elvis Presley (1935 - 1977) em abordagem menos chique do que a feita por Catto com a banda formada por Ana Karina (baixo e vocais), Lucas Vargas (teclados), Michelle Abu (bateria) e o já mencionado Fabá Gimenez, guitarrista remanescente do show da turnê do álbum Fôlego. Catto é cantor o suficiente para voltar para o bis cantando (bem) a capella Bom conselho (1972), música de Chico Buarque, compositor cujo cancioneiro da década de 1970 é talhado para vozes teatrais. Como o próprio Catto diz nos versos de Pra você me ouvir (2015), uma das inéditas autorais do álbum Tomada, ele canta para ser reconhecido, para ser visto. O contexto da letra - direcionada a um caso de amor - é outro. Contudo, em tese, Catto poda excessos vocais e cênicos (embora excessos não sejam necessariamente pecados, no caso dele), (re)toma fôlego e canta no show Tomada para ser reconhecido como o grande cantor que é e sempre foi. O grande cantor que, no CD Tomada, às vezes fica quase tão escondido quanto o registro de Paloma negra.
11 comentários:
♪ O fato de Filipe Catto ter ocultado gravação de Paloma negra (Tomáz Méndez Sosa, 1955) como faixa escondida do CD Tomada (Agência de Música / Radar Records, 2015) diz muito sobre a posição adotada pelo artista gaúcho no segundo álbum de estúdio, produzido por Alexandre Kassin e lançado em setembro. Famosa música mexicana que alçou voo em vozes de intérpretes como Chavela Vargas (1919 - 2012) e Lola Beltrán (1932 - 2006) a partir da década de 1950, Paloma negra é tema vocacionado para vozes que expõem melodramas no teatro das canções. Vozes como a de Filipe Catto, cantor que lançou o primeiro disco em 2009 (o EP independente Saga), despontou em 2011 com o álbum Fôlego (Universal Music), ganhou público em 2012, ficou no olho do furacão mercadológico em 2013 com DVD em que roçou o brega, abordou o repertório de Cássia Eller (1962 - 2001) em show de 2014 e lançou em 2015 um álbum menos inflamado, em que baixou a voltagem do canto habitualmente eletrizante ao dar voz a um repertório de empatia nem sempre compatível com o tamanho e a natureza dessa voz de contratenor que alterna timbres masculinos e femininos com naturalidade. Ocultada no CD, Paloma negra é exposta no show com todo o melodrama da canção, mas em refinado arranjo minimalista, pontuado pelo toque da guitarra de Fabá Gimenez. Um dos pontos mais altos da estreia carioca do show Tomada, Paloma negra manteve acesas as atenções do público que encheu o Theatro Net Rio na noite de ontem, 9 de novembro de 2015. No show, Catto poda (alguns) excessos - diluindo a aura kitsch que envolve o canto do artista - e (re)toma fôlego. Nem sempre vai ao fundo do que pode, como afirma em Mergulho (Alzira Espíndola e Alice Ruiz, 2008), porque o repertório do álbum Tomada nem sempre está em sintonia com a alma do intérprete e por vezes baixa a voltagem do show, mas apresenta um espetáculo superior ao disco que gerou a cena orquestrada sob a direção de Ricky Scaff. Após a abertura instrumental da banda, Partiu (2013) - rock lançado por Marina Lima em shows feitos há dois anos - põe Catto em cena com a sensação incômoda de ser música fora do espírito do intérprete. Em contrapartida, Depois de amanhã (2015) - a inspirada parceria de Moska com Catto - se confirma escolha acertada de segundo single do álbum, sobretudo quando reaparece no fim do bis, aquecida pelo coro e palmas da plateia em ritual meio soul que faz artista e público comungarem na mesma frequência de almas. Tal sintonia parece ter inexistido em cena ao longo da interpretação de Do fundo do coração (Taciana Barros e Júlio Barroso, 1985), balada da banda Gang 90 que parece fazer mais sentido no disco, povoado por canções sobre o universo noturno de sexo e amores fugazes. O roteiro do show reproduz as 12 músicas do álbum, mas expande o universo temático com músicas de discos anteriores de Catto e composições inéditas na voz do cantor. De todo modo, o fato é que o repertório do disco por vezes soa menos sedutor. Nem o suingue afro-latino de Auriflama (Thalma de Freitas e José Eduardo Agualusa, 2015) faz o público se ligar em Tomada ao longo do número. Sintomaticamente, os primeiros aplausos realmente entusiasmados da estreia carioca do show vieram após o samba Roupa do corpo (Filipe Catto, 2009), número em que Catto veste a pele do intérprete mais despudorado, de veia teatral. Catto é o melhor cantor de geração com mais atitude do que voz. Quando escolhe repertório à altura da voz, como Autonomia (Cartola, 1977), geralmente acerta porque vai nas notas e no âmago da canção. Quando canta à beira do abismo, expondo a face popular, como em Adorador, a inspirada parceria que fez com o carioca Pedro Luís e que fecha a edição digital do álbum Tomada, Catto cresce e parece retomar o fôlego mostrado na sedutora versão original do melhor show solo da carreira (clique aqui para reler a resenha da estreia carioca do show Fôlego).
Tema envolvido em ambiência roqueira no disco, Um milhão de novas palavras (César Lacerda e Fernando Temporão, 2015) ressurge mais teatral e impactante, soltando o grito parado no ar pesado da política do Brasil neste ano de 2015. O rock dita o tom de Adoração (Filipe Catto, 2015), número feito após o tempo de delicadeza pedido pela canção gay Amor mais que discreto (Caetano Veloso, 2007), sagazmente precedida no show por citação instrumental de Paula e Bebeto (Caetano Veloso e Milton Nascimento, 1975). Qualquer maneira de amor vale amar. Mas nem toda maneira ou canção vale o canto intenso de Catto. Balada do compositor pernambucano Zé Manoel, Canção e silêncio (2015) vale mais no show do que no disco, que por vezes não valorizou devidamente a voz de Catto na tentativa vã de torná-lo menos popular e menos teatral. Só que Catto tem a alma de um cantor popular - e ela transparece inteira no belo registro abolerado de Surrender (Doc Pomus e Mort Shuman, 1961), a livre adaptação em inglês da canção napolitana Torna a surriento (Ernesto de Curtis e Giambattista de Curtis, 1902). Outro ponto alto do show, Surrender ficou famosa na voz do cantor norte-americano Elvis Presley (1935 - 1977) em abordagem menos chique do que a feita por Catto com a banda formada por Ana Karina (baixo e vocais), Lucas Vargas (teclados), Michelle Abu (bateria) e o já mencionado Fabá Gimenez, guitarrista remanescente do show da turnê do álbum Fôlego. Catto é cantor o suficiente para voltar para o bis cantando (bem) a capella Bom conselho (1972), música de Chico Buarque, compositor cujo cancioneiro da década de 1970 é talhado para vozes teatrais. Como o próprio Catto diz nos versos de Pra você me ouvir (2015), uma das inéditas autorais do álbum Tomada, ele canta para ser reconhecido, para ser visto. O contexto da letra - direcionada a um caso de amor - é outro. Contudo, em tese, Catto poda excessos vocais e cênicos (embora excessos não sejam necessariamente pecados, no caso dele), (re)toma fôlego e canta no show Tomada para ser reconhecido como o grande cantor que é e sempre foi. O grande cantor que, no CD Tomada, às vezes fica quase tão escondido quanto o registro de Paloma negra.
é impressão minha ou o Mauro quer o Catto brega? quaando ele fala no texto em alma de cantor popular só isso me vem à cabeça...
Não vejo diferença entre Catto e o cantor Fênix. Na real, Catto não tem nada de especial. É apenas mais um na cena indie. Podem começar a jogar pedras por causa do meu comentário.
Filipe Catto é o melhor cantor surgido em décadas. Além de ter a voz privilegiada que tem, é um compositor de mão cheia, que passeia por todos os gêneros e estilos com maestria.Uma carreira ainda curta, mas com muita coerência e verdade. Tomada, o cd e show são excelentes.
Perdoa por não concordar com quase nada do seu texto, estive no show Tomada aqui em SP no mês passado e posso afirmar ser um dos melhores shows do Ano, quanto ao CD tenho certeza que é digno de Grammy, CD gostoso, completo e o mais incomum nessa combinação é que o disco ainda consegue ser simples, simplesmente fantástico.
Se reinventar gera alguns caos nas pessoas que esperam que o Artista morra fazendo aquilo que seus ouvidos estão habituados, Ruim seria de Filipe lançasse um Fôlego 2.0, fizesse como muitos artistas, um "mais do mesmo"
Filipe é o melhor cantor da geração !
Aff gente como assim?? Ahahaa... Filipe Catto é maravilhoso cantando absolutamente qualquer coisa pq ele coloca alma quando canta. E eu quase explodi a primeira vez que ouvi Tomada se ele escolheu essas musicas é porque ele as sente na pele e deseja canta-las !!
Catto parece uma Ana Carolina em decadência. Será que alguém entenderá o que quis dizer. Ele não traz novidade, especialmente quando canta Cássia Eller, Lana Del Rey, Adriana Calcanhotto. Assistam aos vídeos no YouTube e vocês verão que não há frescor algum. Surrender ele deve ter "chupado" da Anna Calvi. Talvez a nova geração goste desse cantor da nova geração! PS - não sou tão velho assim e tentei por várias vezes ser arrebatado pelo Catto. Sou mais os originais.
Eu não achava o Catto interessante antes de "Tomada". Nunca me interessaram muito as técnicas e perfeições vocais, de modo que acho que é justamente aí que vários cantores se perdem. Inebriados pela própria voz, caem no lugar comum, com repertório cafona que só atrai esses amantes da mpb tradicional. Nada contra, mas eu fiquei felicíssimo quando o Catto ampliou o leque de opções e se afastou um pouco (infelizmente não de todo) de bobagens como "Garçom" e surgiu com um disco mais pop. Adorei a versão dele para "Partiu" e adorei "Dias e noites" e todas as outras canções que modernizaram sua música e, consequentemente seu canto. O show ainda não veio à Porto Alegre, mas tenho interesse em vê-lo pela primeira vez ao vivo.
Boa noite.
Sim, Mauro Ferreira, você está absolutamente cheio de razão quando diz que excessos não são pecado, no caso de Filipe Catto. Ele tem a voz e a delícia ao rasgar o coração no palco com toda a teatralidade que pouquíssimos intérpretes mostraram ou mostram. Apenas os melhores!
Que saudade da maravilha que tive a oportunidade de ver no Palácio das Artes, em BH, no mês de setembro. Nada de frescor: pulsação forte, coração na garganta e uma vontade gigante de que o show não acabasse.
Gostei muuuito de sua resenha!
Assisti ao show em Curitiba e São Paulo, Filipe me surpreende sempre, com as escolhas da canção e interpretação. O cd Tomada mostra mais uma vez do que o cantor é feito, buscando sempre a união da sua voz com o que se passa em seu coração; muita qualidade e desejo intenso de produzir trabalhos tomados de amor!
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