Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Livro 'Disposições amoráveis' expõe grandes pensamentos afetuosos de Gil

Resenha de livro
Título: Disposições amoráveis
Artista: Gilberto Gil e Ana de Oliveira
Editora: Iyá Omin
Cotação: * * * *

Gilberto Gil é um pensador. As ideias expostas por Gil de forma sucinta nas letras das músicas mais filosóficas e mais politizadas da monumental obra do músico compositor sempre deixaram entrever pensamentos interessantes sobre questões sociais, científicas, afetivas e transcendentais. Pensamento que costuma se expandir - livre, solto e com a leveza aparente do artista baiano - nas entrevistas e depoimentos dados por Gil. Piada recorrente nos bastidores jornalísticos diz que, ao ser perguntado sobre as horas, Gil inicia dissertação sobre o tempo. Só que Gil sempre fala sério, evidenciando conhecimento e aguçada percepção de mundo que transcendem a área musical, ramo da principal atuação profissional do pensador. O que justifica a edição de um livro filosófico como Disposições amoráveis, idealizado por Ana de Oliveira para a editora Yiá Omin. No livro, Ana dá voz ao pensador tropicalista através de respostas dadas por Gil a perguntas feitas por time ilustre de 14 inquisidores recrutados entre a política (Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Marina Silva, entre eles), a cultura (Gal Costa, Jorge Mautner e Nelson Motta), o movimento contra o racismo (Preto Zezé, um dos mais atuantes ativistas brasileiros da causa negra) e a religião (o ex-sacerdote Leonardo Boff), entre outras áreas. Dividido em seis capítulos que podem ser lidos fora da ordem disposta no livro, o livro expõe pensamentos afetuosos e lúcidos de Gil sobre cidadania, espiritualidade, sustentabilidade e Tropicália, entre outros temas afins. A partir das perguntas enviadas previamente pelos entrevistadores, Ana de Oliveira media o debate de ideias, com breves intervenções que jamais tiram o foco do pensamento de Gil. No capítulo Pensar um tempo circular, de tom memorialista tendo a música com fio condutor das reminiscências da vida e obra, Gil admite a Gal que tem dificuldade para compor músicas sob encomenda para cantores porque, para tal, precisaria ter uma leitura precisa dos sentimentos e da alma do intérprete que vai dar à canção. E brinca, dizendo que a pessoa que mais conhece é ele mesmo. De toda forma, o capítulo sobre música é o mais superficial do livro, talvez pelo alto grau de afeto e conhecimento mútuo que pauta as relações de Gil com Gal e Jorge Mautner, dois dos três entrevistadores do tópico. Gil se expõe de forma (bem) mais surpreendente, inclusive sobre música, diante dos questionamentos da crítica literária Flora Süssekind, uma das inquisidoras do capítulo Tropicalismos & tropicalidades. É quando Gil reflete sobre a Bossa Nova ("Um movimento com muita novidade, mas ainda tributário de um mundo debussyano") e sobre a (in)capacidade técnica da geração tropicalista da segunda metade da década de 1960 para criar música que dialogasse de igual para igual com a Bossa Nova ("Fizemos uso de pequenos fragmentos que estavam sob nosso domínio"). Gil dá sempre a impressão de saber o que diz. E, por aparentar saber o que diz, Disposições amoráveis é livro que contribui para abrir a cabeça do leitor no que diz respeito a questões políticas, sociais e musicais. As reflexões de Gil sobre as conquistas libertárias da Tropicália ainda soam relevantes mesmo que o tema e o movimento já tenham sido exaustivamente discutidos e rediscutidos por outros pensadores e pelos dois artífices mais populares do movimento, Gil e o amigo de fé Caetano Veloso (ausência sentida no time de entrevistadores). Contudo, as reflexões sobre política, cidadania e racismo também ajudam a pensar o próprio artista, um ser político, e reiteram a coerência do posicionamento humanista de Gil na vida e na música. "Às vezes, o artista é político", sentencia Gil ao responder pergunta de Ana de Oliveira no capítulo O que permanece é a impermanência, no qual entram em pauta questões relativas à ciência e à espiritualidade. Sim, quem fala em Disposições amoráveis é um artista politizado, político (inclusive no tom diplomático com que discorre sobre obras e feitos alheios), que faz música. E talvez por isso a música pareça estar tão entranhada na mente de Gilberto Gil quanto os pensamentos amoráveis dispostos no livro.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Gilberto Gil é um pensador. As ideias expostas por Gil de forma sucinta nas letras das músicas mais filosóficas ou politizadas da monumental obra do compositor sempre deixaram entrever pensamentos interessantes sobre questões sociais, científicas e transcendentais. Pensamento que costuma se expandir - livre, solto e com a leveza aparente do artista baiano - nas entrevistas e depoimentos dados por Gil. Piada recorrente nos bastidores jornalísticos diz que, ao ser perguntado sobre as horas, Gil inicia dissertação sobre o tempo. Só que Gil sempre fala sério, evidenciando conhecimento e aguçada percepção de mundo que transcendem a área musical, ramo da principal atuação profissional do pensador. O que justifica a edição de um livro como Disposições amoráveis, idealizado por Ana de Oliveira para a editora Yiá Omin. No livro, Ana dá voz ao pensador tropicalista através de respostas dadas por Gil a perguntas feitas por time ilustre de 14 inquisidores recrutados entre a política (Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Marina Silva, entre eles), a cultura (Gal Costa, Jorge Mautner e Nelson Motta), o movimento contra o racismo (Preto Zezé, um dos mais atuantes ativistas brasileiros da causa negra) e a religião (o ex-sacerdote Leonardo Boff), entre outras áreas. Dividido em seis capítulos que podem ser lidos fora da ordem disposta no livro, o livro expõe pensamentos afetuosos e lúcidos de Gil sobre cidadania, espiritualidade, sustentabilidade e Tropicália, entre outros temas afins. A partir das perguntas enviadas previamente pelos entrevistadores, Ana de Oliveira media o debate de ideias, com breves intervenções que jamais tiram o foco do pensamento de Gil. No capítulo Pensar um tempo circular, de tom memorialista tendo a música com fio condutor das reminiscências da vida e obra, Gil admite a Gal que tem dificuldade para compor músicas sob encomenda para cantores porque, para tal, precisaria ter uma leitura precisa dos sentimentos e da alma do intérprete que vai dar à canção. E brinca, dizendo que a pessoa que mais conhece é ele mesmo.

Mauro Ferreira disse...

De toda forma, o capítulo sobre música é o mais superficial do livro, talvez pelo alto grau de afeto e conhecimento mútuo que pauta as relações de Gil com Gal e Jorge Mautner, dois dos três entrevistadores do tópico. Gil se expõe de forma mais surpreendente, inclusive sobre música, diante dos questionamentos da crítica literária Flora Süssekind, uma das inquisidoras do capítulo Tropicalismos & tropicalidades. É quando Gil reflete sobre a Bossa Nova ("Um movimento com muita novidade, mas ainda tributário de um mundo debussyano") e sobre a (in)capacidade técnica da geração tropicalista da segunda metade da década de 1960 para criar música que dialogasse de igual para igual com a Bossa Nova ("Fizemos uso de pequenos fragmentos que estavam sob nosso domínio"). Gil dá sempre a impressão de saber o que diz. E, por aparentar saber o que diz, Disposições amoráveis é livro que contribui para abrir a cabeça do leitor no que diz respeito a questões políticas, sociais e musicais. As reflexões de Gil sobre as conquistas libertárias da Tropicália ainda soam relevantes mesmo que o tema e o movimento já tenham sido exaustivamente discutidos e rediscutidos por outros pensadores e pelos dois artífices mais populares do movimento, Gil e o amigo de fé Caetano Veloso (ausência sentida no time de entrevistadores). Contudo, as reflexões sobre política, cidadania e racismo também ajudam a pensar o próprio artista, um ser político, e reiteram a coerência do posicionamento humanista de Gil na vida e na música. "Às vezes, o artista é político", sentencia Gil ao responder pergunta de Ana de Oliveira no capítulo O que permanece é a impermanência, no qual entram em pauta questões relativas à ciência e à espiritualidade. Sim, quem fala em Disposições amoráveis é um artista politizado, político (inclusive no tom diplomático com que discorre sobre obras e feitos alheios), que faz música. E talvez por isso a música pareça estar tão entranhada na mente de Gilberto Gil quanto os pensamentos amoráveis dispostos no livro.

Rafael disse...

Bela capa para um livro... Será que o mesmo é bom???

Breno Alves disse...

Não vejo pensamento "amorável" em ser a favor da censura de biografias não-autorizadas... Gosto do Gil, acho-o um gigante da MPB, mas, depois do vexame do Procure Saber, tenho buscado muito mais ouvir suas músicas a receber seus ensinamentos (assim como boa parte dos medalhões ali residentes). É como cantou Cazuza: "Suas ideias não correspondem aos fatos...".