domingo, 20 de dezembro de 2015

Volume I do livro 'Quem inventou o Brasil?' prova como a música foi política

Resenha de livro
Título: Quem foi que inventou o Brasil? A música popular conta a história da República 
           Volume I - de 1902 a 1964
Autor: Franklin Martins
Editora: Nova Fronteira
Cotação: * * * *

Desde que o samba é samba, e mesmo antes dele, a miscigenada música popular do Brasil tem sido historicamente usada como arma política. Arma muitas vezes disparada contra o governo do Brasil, mas em outras vezes acionada por esse mesmo governo para propagar ideologias nem sempre favoráveis aos interesses da população do país de um futuro que nunca chega para todos os cidadãos brasileiros. Projeto de caráter enciclopédico dividido em três volumes vendidos de forma avulsa pela Editora Nova Fronteira, o livro Quem foi que inventou o Brasil? A música popular conta a história da República inventaria as relações de poder erguidas entre música e política - em bom português, entre compositores e políticos - ao longo de um século, abrangendo nos três volumes período que vai de 1902 a 2002. Fruto de exaustiva pesquisa do jornalista Franklin Martins, o livro poderia ter resultado em tratado de leitura pesada. Contudo, da forma em que é apresentado no livro, em estrutura similar a de um almanaque, com reproduções de fotos e das letras das músicas, o material rende leitura fácil e até saborosa para quem se interessa pelas correlações entre música e política. O primeiro volume, por exemplo, está dividido em seis capítulos, antecedidos por texto introdutório. Neste volume inicial, o autor alinha 473 músicas, todas contextualizadas na cena política nacional. O marco zero é 1902 porque é neste ano que foram lançadas as primeiras gravações fonográficas do Brasil. De 1902 a 1964 (ano do golpe militar que amordaçou progressivamente o Brasil até a abertura de 1979 que culminou com a restauração da democracia em 1985), a música também foi a trilha sonora da política do Brasil, sendo posta contra ou a favor dos interesses populares, como mostra Franklin Martins. O formato do livro permite que, se quiser, o leitor fuja da disposição cronológica das músicas e leia isoladamente o tópico referente a cada uma das 473 gravações. Entre as músicas, há sucessos e há composições que tinham caído no esquecimento, como a moda de viola A revolta de 9 de julho (1932). De autoria desconhecida, mas gravada pela dupla sertaneja Raul Torres & Florêncio, a moda descreveu episódios da revolução de 1932, tomando partido de São Paulo e se referindo à população negra que se engajou na luta como "negrada", em indício do preconceito racial que vigorava, às vezes de forma explícita, na escala social da época. Já a marcha Calma no Brasil (Antonio Nássara e Frazão, 1940) celebrou - na voz da cantora paulistana Dircinha Batista (1922 - 1999) - a paz que reinava no Brasil enquanto a Europa já vivia os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Naquele ano de 1940, os autores não imaginavam que o Brasil iria se envolver no conflito dois anos depois, declarando guerra à Itália e à Alemanha. Decorridos mais dois anos, em 1944, as tropas brasileiras já partiam para lutar no front do lado dos Aliados. O que justificou a composição e a gravação de samba hoje esquecido, Liberdade (Manoel Vieira e Pereira Matos, 1944), registrado em disco pela cantora carioca Marília Batista (1918 - 1990). A propósito, a exposição no livro de músicas já obscuras prova que a pesquisa de Franklin Martins foi extensa, pairando acima da superfície de outros trabalhos no gênero. Afinal, quem hoje se lembra da adesista Marcha da Petrobrás (1958), composta (com J. Augusto e Nelson Barbalho) e gravada pelo cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga (1912 - 1989)  para exaltar operações da atualmente controversa, mas na época recém-criada, Petrobrás?  O autor de Quem foi que inventou o Brasil? lembra dela neste primeiro volume, talvez o mais interessante dos três - para pesquisadores da área musical - por retratar período já longínquo, cuja trilha sonora foi se afinando ao passar pelo (implacável) filtro do tempo.

2 comentários:

  1. ♪ Desde que o samba é samba, e mesmo antes dele, a miscigenada música popular do Brasil tem sido historicamente usada como arma política. Arma muitas vezes disparada contra o governo do Brasil, mas em outras vezes acionada por esse mesmo governo para propagar ideologias nem sempre favoráveis aos interesses da população do país de um futuro que nunca chega para todos os cidadãos brasileiros. Projeto de caráter enciclopédico dividido em três volumes vendidos de forma avulsa pela Editora Nova Fronteira, o livro Quem foi que inventou o Brasil? A música popular conta a história da República inventaria as relações de poder erguidas entre música e política - em bom português, entre compositores e políticos - ao longo de um século, abrangendo nos três volumes período que vai de 1902 a 2002. Fruto de exaustiva pesquisa do jornalista Franklin Martins, o livro poderia ter resultado em tratado de leitura pesada. Contudo, da forma em que é apresentado no livro, em estrutura similar a de um almanaque, com reproduções de fotos e das letras das músicas, o material rende leitura fácil e até saborosa para quem se interessa pelas correlações entre música e política. O primeiro volume, por exemplo, está dividido em seis capítulos, antecedidos por texto introdutório. Neste volume inicial, o autor alinha 473 músicas, todas contextualizadas na cena política nacional. O marco zero é 1902 porque é neste ano que foram lançadas as primeiras gravações fonográficas do Brasil. De 1902 a 1964 (ano do golpe militar que amordaçou progressivamente o Brasil até a abertura de 1979 que culminou com a restauração da democracia em 1985), a música também foi a trilha sonora da política do Brasil, sendo posta contra ou a favor dos interesses populares, como mostra Franklin Martins. O formato do livro permite que, se quiser, o leitor fuja da disposição cronológica das músicas e leia isoladamente o tópico referente a cada uma das 473 gravações. Entre as músicas, há sucessos e há composições que tinham caído no esquecimento, como a moda de viola A revolta de 9 de julho (1932). De autoria desconhecida, mas gravada pela dupla sertaneja Raul Torres & Florêncio, a moda descreveu episódios da revolução de 1932, tomando partido de São Paulo e se referindo à população negra que se engajou na luta como "negrada", em indício do preconceito racial que vigorava, às vezes de forma explícita, na escala social da época. Já a marcha Calma no Brasil (Antonio Nássara e Frazão, 1940) celebrou - na voz da cantora paulistana Dircinha Batista (1922 - 1999) - a paz que reinava no Brasil enquanto a Europa já vivia os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Naquele ano de 1940, os autores não imaginavam que o Brasil iria se envolver no conflito dois anos depois, declarando guerra à Itália e à Alemanha. Decorridos mais dois anos, em 1944, as tropas brasileiras já partiam para lutar no front do lado dos Aliados. O que justificou a composição e a gravação de samba hoje esquecido, Liberdade (Manoel Vieira e Pereira Matos, 1944), registrado em disco pela cantora carioca Marília Batista (1918 - 1990). A propósito, a exposição no livro de músicas já obscuras prova que a pesquisa de Franklin Martins foi extensa, pairando acima da superfície de outros trabalhos no gênero. Afinal, quem hoje se lembra da adesista Marcha da Petrobrás (1958), composta (com J. Augusto e Nelson Barbalho) e gravada pelo cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga (1912 - 1989) para exaltar operações da atualmente controversa, mas na época recém-criada, Petrobrás? O autor de Quem foi que inventou o Brasil? lembra dela neste primeiro volume, talvez o mais interessante dos três - para pesquisadores da área musical - por retratar período já longínquo, cuja trilha sonora foi se afinando ao passar pelo (implacável) filtro do tempo.

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  2. Dos obrigatórios, né... Vou colocar um post-it de urgente.

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