Resenha de show
Título: Dentro de mim cabe o mundo
Artista: Monique Kessous (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Teatro do Espaço Tom Jobim (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 25 de junho de 2016
Cotação: * * * *
♪ Dentro da obra fonográfica da carioca Monique Kessous parecem caber duas artistas de ambições distintas. Uma é a cantora e compositora hábil na feitura de populares canções de amor que despontou no álbum anterior, Monique Kessous (Sony Music, 2010), enfrentando comparações com Marisa Monte atiçadas por equivocados planejamentos de marketing de gravadora. Outra é a cantora e compositora que se sabe capaz de voos mais altos no universo musical. Lançado em abril deste ano de 2016, em edição independente, o quarto álbum de Kessous, Dentro de mim cabe o mundo, harmoniza essas duas personas artísticas, expandindo o universo musical da parceira de João Cavalcanti em Espiral (2016), música que contém o título do álbum, apresentada no bis do show do lançamento do disco em número em que Kessous se acompanha pilotando um mini-synth. Estreado oficialmente na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 25 de junho de 2016, em apresentação que encheu o teatro do Espaço Tom Jobim, o show Dentro de mim cabe o mundo reitera a expansão do universo musical de Kessous. Dentro do espaço cênico da artista, moldado com elegância pela cenógrafa Jeane Terra, cabem músicas do grupo Karnak, da cantora e compositora paulistana Maysa (1936 - 1977), da cantora e compositora norte-americana Lady Gaga e até da funkeira carioca Valesca Popozuda. O roteiro de Kessous rebobina discurso assertivo, afirmativo das conquistas do mundo feminino. O que tornou natural até discurso lido contra a cultura do estupro, tema ora em inflamado debate nas redes sociais. Kessous toma partido explícito das mulheres ao ler texto escrito por Edu Krieger para o show a pedido da artista. "Todos somos filhos de Deus / Só não falamos as mesmas línguas", proclama a cantora em versos de O mundo (André Abujamra, 1995), o manifesto humanista do grupo Karnak por mais amor e tolerância no planeta terra. O show insere Kessous nesse conflitado mundo contemporâneo. A atualidade do discurso é acentuada pelo toque moderno da banda formada pelos músicos Bicudo (bateria), Denny Kessous (guitarra, teclados e direção musical), João Arruda (guitarra), Junior Moraes (percussão e programações) e Vini Lobo (baixo e synths), aos quais se junta a própria Kessous, que se reveza em cena no toque da guitarra, do violão eletroacústico e do mini-synth. Contudo, a compositora que sabe falar a língua do povo também está em cena, apresentando canções de amor como Eu sem você (Monique Kessous, 2016), capazes de seguir a bem-sucedida sina mercadológica de hits anteriores como Frio (Monique Kessous, 2010), balada, aliás, calorosamente recebida pela plateia majoritariamente formada por fãs e convidados. O show tem nuances e matizes. Um clima passional, de atmosfera brega-chique, se instaura em cena a partir da imperativa Me ama, me adora, bem me quer sim (Monique Kessous e Denny Kessous, 2016), preparando o ambiente para a abordagem tecnobrega de Nu (Zeca Baleiro, 2012) - número turbinado com récita de alguns versos de Bloco do prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo, 1979), música regravada por Kessous no álbum anterior - e para o jogo de sedução armado em Meu papo é reto (Monique Kessous e Chico César, 2016), tema cheio de malícia e erotismo. A expansão do universo musical da artista permite que um samba como Acorde - emulador das nobrezas dos bambas das velhas guardas - seja apresentado (com o luxuoso coro vintage de Ana Claudia Lomelino, Lia Sabugosa e Silvia Machete) sem estranhamento. Acorde soou tão natural como a intervenção de Moska, na voz e no toque da guitarra eletroacústica, na balada Por causa do seu pensamento (Moska, 2016), composta pelo artista sob encomenda para Kessous. Disposta a explorar outros territórios do vasto mundo musical, a cantora rebobina a Resposta (1956) de Maysa com vibe roqueira e um link inteligente com Beijinho no ombro (André Vieira, Leandro Castro e Wallace Viana, 2013), hit popular que tirou a cantora carioca Valesca Popozuda da gaiola em que ficam confinadas as funkeiras desbocadas. Ao dar sequência ao roteiro com um dos temas mais loquazes do cancioneiro de Lady Gaga, Born this way (Lady Gaga e Jeppe Laursen, 2011), Kessous manda papo reto para um mundo ainda machista que, não raro, nega a mulher o prazer e a liberdade sexual. E dá outro recado quando arremata o bis com interpretação firme de Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967), feita na pressão que pulsa em quase todo o show. Sim, o coração pop popular de Monique Kessous quer guardar - e abarcar - o mundo na artista que ora evolui, indo além do universo musical em que se lançou no mercado nos anos 2000.