Mauro Ferreira no G1

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domingo, 14 de fevereiro de 2016

Nu com sua música, Lucas se cobre de emoções reais em 'Silenciosamente'

Resenha de álbum
Título: Silenciosamente
Artista: Lucas Vasconcellos
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * *
Disco disponível para audição no portal SoundCloud

A sós com o violão, Lucas Vasconcellos canta Na rua, na chuva, na fazenda - a bela canção do soulman baiano Hyldon lançada pelo autor em compacto de 1973 - e, de repente, repete várias vezes o verso "Dizem que sou louco". A repetição culmina em citação da Balada do louco (Arnaldo Baptista e Rita Lee, 1972), sucesso do grupo paulistano Os Mutantes cuja letra tem o mesmo verso. A sacação de embutir trecho da Balada do louco na música de Hyldon - na primeira das 11 faixas do terceiro álbum solo de Vasconcellos, Silenciosamente - é indício de que o cantor, compositor e guitarrista fluminense dá sequência à viagem solitária feita no errático segundo álbum solo, Adotar cachorros (Independente, 2015). Contudo, a rota de Silenciosamente é mais pungente por excluir os experimentos do disco anterior que prejudicaram a fruição dos sentimentos das letras sempre consistentes escritas por Vasconcellos. A própria música-título, Silenciosamente, lançada no CD Adotar cachorros, tem os versos postos em primeiro plano neste álbum de tons acústicos, pautado pela crueza e pela angústia. Despido de artifícios, nu com a música e o violão, o eficaz cantautor rebobina músicas do álbum anterior - caso de O amor tem que ser mais do que saber escrever uma carta (Lucas Vasconcellos, 2015) e da composição-título Adotar cachorros (Lucas Vasconcellos, 2015) - e também do primeiro disco solo, Falo de coração (Bolacha Discos, 2013), do qual o artista revive Meu seu (Lucas Vasconcellos e Ronaldo Marinho, 2013), faixa cujo fim abrupto simboliza a liberdade musical que conduz o artista nesta viagem pautada de início pelo toque do violão. Até que o piano entra em cena a partir de Lady grinning soul, balada da lavra do cantor e compositor inglês David Bowie (1947 - 2016), lançada pelo Camaleão no fecho do álbum Aladdin Sane (RCA, 1973). Embebido em emoção real, o registro de Lady grinning soul por Lucas tem alma que capta o desespero da derrocada romântica anunciada pelo tema de Bowie. Tal desesperança reverbera no registro da música seguinte, Você e eu (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1960), também feito ao piano. Alternando a divisão da canção associada à leveza existencial da Bossa Nova, Vasconcellos dá peso e outros sentidos aos versos do poeta da bossa. Em vez da fuga do mundo, para viver o amor a dois, Lucas exprime em Você e eu a opção poir isolamento existencial que denota desilusão com o universo exterior - o que justifica o caco "E quem não está?" posto após o verso "Podem espalhar que estou cansado de viver". Dentro dessa interiorizada viagem existencial, a abordagem de Teatro dos vampiros (Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, 1991) - canção do repertório da banda Legião Urbana - faz todo sentido e corrobora a sensação de que tudo está por um segundo, por um fio. Encerrado por emocional revival de Areia fina (música da lavra solitária do artista lançada em 2012 pelo duo Letuce, formado por Vasconcellos com a cantora e compositora Letícia Novaes), Silenciosamente tem formato desplugado que favorece a exposição das angústias e melancolias de Lucas Vasconcellos. Sem os ruídos eletrônicos que já abafaram os sentimentos do artista em CDs anteriores, Silenciosamente é o álbum com que o artista pode fazer mais barulho. Nu com sua música, Lucas Vasconcellos se cobre de emoções reais em um universo em desencanto.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ A sós com o violão, Lucas Vasconcellos canta Na rua, na chuva, na fazenda - a bela canção do soulman baiano Hyldon lançada pelo autor em compacto de 1973 - e, de repente, repete várias vezes o verso "Dizem que sou louco". A repetição culmina em citação da Balada do louco (Arnaldo Baptista e Rita Lee, 1972), sucesso do grupo paulistano Os Mutantes cuja letra tem o mesmo verso. A sacação de embutir trecho da Balada do louco na música de Hyldon - na primeira das 11 faixas do terceiro álbum solo de Vasconcellos, Silenciosamente - é indício de que o cantor, compositor e guitarrista fluminense dá sequência à viagem solitária feita no segundo álbum solo, Adotar cachorros (Independente, 2015). Contudo, a rota de Silenciosamente é mais pungente por excluir os experimentos do disco anterior que prejudicaram a fruição dos sentimentos das letras consistentes escritas por Vasconcellos. A própria música-título, Silenciosamente, lançada em Adotar cachorros, tem os versos postos em primeiro plano neste álbum de tons acústicos, pautado pela crueza e pela angústia. Despido de artifícios, nu com a música e o violão, o eficaz cantautor rebobina músicas do álbum anterior - caso de O amor tem que ser mais do que saber escrever uma carta (Lucas Vasconcellos, 2015) e da composição-título Adotar cachorros (Lucas Vasconcellos, 2015) - e também do primeiro disco solo, Falo de coração (Bolacha Discos, 2013), do qual o artista revive Meu seu (Lucas Vasconcellos e Ronaldo Marinho, 2013), faixa cujo fim abrupto simboliza a liberdade musical que conduz o artista nesta viagem pautada de início pelo toque do violão. Até que o piano entra em cena a partir de Lady grinning soul, balada da lavra do cantor e compositor inglês David Bowie (1947 - 2016), lançada pelo Camaleão no fecho do álbum Aladdin Sane (RCA, 1973). Embebido em emoção real, o registro de Lady grinning soul por Lucas tem alma que capta o desespero da derrocada romântica anunciada pelo tema de Bowie. Tal desesperança reverbera no registro da música seguinte, Você e eu (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1960), também feito ao piano. Alternando a divisão da canção associada à leveza existencial da Bossa Nova, Vasconcellos dá peso e outros sentidos aos versos do poeta da bossa. Em vez da fuga do mundo, para viver o amor a dois, Lucas exprime em Você e eu a opção poir isolamento existencial que denota desilusão com o universo exterior - o que justifica o caco "E quem não está?" posto após o verso "Podem espalhar que estou cansado de viver". Dentro dessa interiorizada viagem existencial, a abordagem de Teatro dos vampiros (Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, 1991) - canção do repertório da banda Legião Urbana - faz todo sentido e corrobora a sensação de que tudo está por um segundo, por um fio. Encerrado por emocional revival de Areia fina (música da lavra solitária do artista lançada em 2012 pelo duo Letuce, formado por Vasconcellos com a cantora e compositora Letícia Novaes), Silenciosamente tem formato desplugado que favorece a exposição das angústias e melancolias de Lucas Vasconcellos. Sem os ruídos eletrônicos que já abafaram os sentimentos do artista em CDs anteriores, Silenciosamente é o álbum com que o artista pode fazer mais barulho. Nu com sua música, Lucas Vasconcellos se cobre de emoções reais em um universo em desencanto.