Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

'Tarde' cai muito bem no clima outonal do canto mítico de Milton Nascimento

Resenha de show
Título: Tarde
Artista: Milton Nascimento (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Bradesco (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 4 de fevereiro de 2016
Cotação: * * * 1/2

Milton Nascimento já é uma entidade da MPB. Aos 73 anos, o cantor, compositor e músico carioca - de alma musical mineira - já perdeu parte da força física e da potência da voz divina. Contudo, Milton acende a aura já mítica erguida em torno da figura do artista sempre que entra em cena - como na noite de ontem, 4 de fevereiro de 2016, quando pisou no palco do Teatro Bradesco do Rio de Janeiro (RJ) para mostrar, enfim, ao público carioca o show que teve que cancelar em dezembro de 2015 por problemas de saúde. Em turnê pelo Brasil desde janeiro de 2015, mês em que estreou na cidade de São Paulo (SP), Tarde é show eletroacústico calcado em quarteto de cordas. Algumas dessas cordas são do violão tocado por Milton em cena em músicas de empatia imediata com o público, caso de Nos bailes da vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981). As outras cordas são as do trio formado pelos irmãos violonistas Beto Lopes e Wilson Lopes com Alexandre Ito (no toque do contrabaixo acústico). Influenciados pelo toque de mestre dos sócios do Clube da Esquina (o movimento pop que pôs as Geraes no mapa-múndi da música ao longo da década de 1970), os irmãos armam bela cama harmônica para que Milton deite e role no revival de músicas que fazem parte da história do cantor e da música do Brasil. Milton - que é Minas Gerais, como reforça em um dos versos de Para Lennon & McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, 1970), não por acaso a música que fecha o roteiro de Tarde, antes do bis, em arranjo calcado na repetição mântrica do verso "Não sabem do lixo ocidental" - está em casa, está em família musical, em afinidade e fina sintonia com o trio. Aberto com a música que dá nome ao show, Tarde (Milton Nascimento e Márcio Borges, 1969), o roteiro alinha sucessos cantaroláveis pelo público de meia-idade, entre eventuais surpresas como Idolatrada (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1975). Na estreia carioca de Tarde, a voz do cantor estava em bom estado e, ocasionalmente, ofereceu lampejos do brilho singular dos tempos áureos, como em certa passagem de Clube da Esquina nº 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges, 1972). Aí, nesses breves momentos, o canto de Milton arrepia - como se a grande voz ainda fosse sinal de Deus na presença de mero mortais, como logo notou a antenada Elis Regina (1945 - 1982), cantora que lançou o cantor e compositor em 1966 ao gravar a Canção do sal (Milton Nascimento, 1966) retrabalhada por Milton em Tarde com grande arranjo. Os vocais dos irmãos violonistas contribuem para a harmonia do show. Eles, os vocais, são notáveis em músicas como Sueño con serpientes (1975), canção do compositor cubano Silvio Rodríguez que Milton apresenta em Tarde após recitar pensamento politizado do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1898 - 1956) - "Hay hombres que luchan un día y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores. Hay quienes luchan muchos años, y son muy buenos. Pero hay los que luchan toda la vida: esos son los imprescindibles" - tal como fez a cantora argentina Mercedes Sosa (1935 - 2009) na gravação de Sueño con serpientes feita para álbum de Milton, Sentinela (Ariola, 1980). Quando Milton reaviva uma música que pede mais volume e potência vocal, caso em especial de Caçador de mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980), Tarde explicita o clima outonal que tempera shows e discos do cantor. E, sim, Tarde cai muito bem neste clima outonal, pela trama bem urdida das cordas do trio, pela força do cancioneiro do compositor - como resistir a pungência política da canção ruralista O cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1977)? - e pela própria presença da entidade Milton em cena. É fato que Milton já cantou músicas como Encontros e despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981) - desde 2003 mais associada à cantora Maria Rita do que ao próprio compositor ou à intérprete original da canção, Simone - com mais ardor, de forma mais arrebatadora. Ainda assim, a força já mítica do artista prevalece e valoriza o show no cômputo geral. Nada será como antes. Mas Milton está em cena. O coro popular de Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967) - incentivado com as mãos pelo próprio cantor - refaz o casamento entre canção e momento. Apoiado na força já irracional de Milton Nascimento, o show Tarde amarra todos na plateia em um único sentimento de adoração a esse cantor-entidade - gênio que já paira acima do bem e do mal.

6 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Milton Nascimento já é uma entidade da MPB. Aos 73 anos, o cantor, compositor e músico carioca - de alma musical mineira - já perdeu parte da força física e da potência da voz divina. Contudo, Milton acende a aura já mítica erguida em torno da figura do artista sempre que entra em cena - como na noite de ontem, 4 de fevereiro de 2016, quando pisou no palco do Teatro Bradesco do Rio de Janeiro (RJ) para mostrar, enfim, ao público carioca o show que teve que cancelar em dezembro de 2015 por problemas de saúde. Em turnê pelo Brasil desde janeiro de 2015, mês em que estreou na cidade de São Paulo (SP), Tarde é show eletroacústico calcado em quarteto de cordas. Algumas dessas cordas são do violão tocado por Milton em cena em músicas de empatia imediata com o público, caso de Nos bailes da vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981). As outras cordas são as do trio formado pelos irmãos violonistas Beto Lopes e Wilson Lopes com Alexandre Ito (no toque do contrabaixo acústico). Influenciados pelo toque de mestre dos sócios do Clube da Esquina (o movimento pop que pôs as Geraes no mapa-múndi da música ao longo da década de 1970), os irmãos armam bela cama harmônica para que Milton deite e role no revival de músicas que fazem parte da história do cantor e da música do Brasil. Milton - que é Minas Gerais, como reforça em um dos versos de Para Lennon & McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, 1970), não por acaso a música que fecha o roteiro de Tarde, antes do bis, em arranjo calcado na repetição mântrica do verso "Não sabem do lixo ocidental" - está em casa, está em família musical, em afinidade e fina sintonia com o trio. Aberto com a música que dá nome ao show, Tarde (Milton Nascimento e Márcio Borges, 1969), o roteiro alinha sucessos cantaroláveis pelo público de meia-idade, entre eventuais surpresas como Idolatrada (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1975). Na estreia carioca de Tarde, a voz do cantor estava em bom estado e, ocasionalmente, ofereceu lampejos do brilho singular dos tempos áureos, como em certa passagem de Clube da Esquina nº 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges, 1972). Aí, nesses breves momentos, o canto de Milton arrepia - como se a grande voz ainda fosse sinal de Deus na presença de mero mortais, como logo notou a antenada Elis Regina (1945 - 1982), cantora que lançou o cantor e compositor em 1966 ao gravar a Canção do sal (Milton Nascimento, 1966) retrabalhada por Milton em Tarde com grande arranjo. Os vocais dos irmãos violonistas contribuem para a harmonia do show. Eles, os vocais, são notáveis em músicas como Sueño con serpientes (1975), canção do compositor cubano Silvio Rodríguez que Milton apresenta em Tarde após recitar pensamento politizado do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1898 - 1956) - "Hay hombres que luchan un día y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores. Hay quienes luchan muchos años, y son muy buenos. Pero hay los que luchan toda la vida: esos son los imprescindibles" - tal como fez a cantora argentina Mercedes Sosa (1935 - 2009) na gravação de Sueño con serpientes feita para álbum de Milton, Sentinela (Ariola, 1980).

Mauro Ferreira disse...

Quando Milton reaviva uma música que pede mais volume e potência vocal, caso em especial de Caçador de mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980), Tarde explicita o clima outonal que tempera shows e discos do cantor. E, sim, Tarde cai muito bem neste clima outonal, pela trama bem urdida das cordas do trio, pela força do cancioneiro do compositor - como resistir a pungência política da canção ruralista O cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1977)? - e pela própria presença da entidade Milton em cena. É fato que Milton já cantou músicas como Encontros e despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981) - desde 2003 mais associada à cantora Maria Rita do que ao próprio compositor ou à intérprete original da canção, Simone - com mais ardor, de forma mais arrebatadora. Ainda assim, a força já mítica do artista prevalece e valoriza o show no cômputo geral. Nada será como antes. Mas Milton está em cena. O coro popular de Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967) - incentivado com as mãos pelo próprio cantor - refaz o casamento entre canção e momento. Apoiado na força já irracional de Milton Nascimento, o show Tarde amarra todos na plateia em um único sentimento de adoração a esse cantor-entidade - gênio que já paira acima do bem e do mal.

Luca disse...

Mauro adoça o veneno mas esse texto cruel diz o tempo todo que Milton não é mais o que foi.

Dery Nascimento. disse...

Parabéns Mauro, sua critica nós fez ouvir o som.

Unknown disse...

Mas é óbvio que o Milton já não é o que foi. O tempo, os problemas de saúde cobram seu preço, e abalam a voz desse mito. Mas ainda assim é Milton Nascimento, um ser atemporal e inabalável em sua essência, como bem pontuou o texto.

Zarastro disse...

Mauro, acompanho o blog anonimamente há tempos. Conheci muita coisa legal e diminuí bastante minha conta bancária por sua causa. :) E hoje, ao descobrir que é de Milton Nascimento um dos poucos discos quadrifônicos já lançados no Brasil (Milagre dos Peixes), criei coragem de propor uma ideia maluca: "Milagre dos Peixes - edição definitiva". O comentário cai aqui porque este é o artigo mais recente que você publicou sobre o Bituca.

O comentário não coube inteiro aqui, então postei no sítio JornalGGN, do Luis Nassif: http://jornalggn.com.br/comment/929344#comment-929344.

Se você puder, gostaria que lesse e pensasse a respeito. É uma ideia maluca demais?

Saudações,

Paulo Fessel