sábado, 5 de março de 2016

Bela caixa com registros inéditos dos anos 1970 flagra Ivan Lins abrindo alas

Resenha de caixa de CDs
Título: Ivan Lins anos 70
Artista: Ivan Lins
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * * *

O cancioneiro de Ivan Lins atingiu ponto de maturação em 1977 com a edição do álbum Somos todos iguais nesta noite (EMI-Odeon) e a consequente consolidação da parceria do cantor, compositor e pianista carioca com o letrista paulista Vitor Martins, iniciada três anos antes com a música Abre alas (Ivan Lins e Vitor Martins, 1974). Apresentada ao Brasil em 1970, ano em que Elis Regina (1945 - 1982) gravou o samba Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) e em que o próprio Ivan defendeu a ufanista O amor é o meu país (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) em festival da canção, a obra autoral de Ivan começou a  maturar a partir do encontro com Vitor. Foi quando essa obra se livrou do injusto rótulo de adesista (ao Brasil dos anos de chumbo) e se tornou combativa, denunciando por meio de metáforas inteligentes a truculência do regime militar instaurado no Brasil em 1964. De alto valor documental, as gravações inéditas reproduzidas nos três CDs da caixa Ivan Lins anos 70 - posta nas lojas neste mês de março de 2016 pelo selo Discobertas - flagram Ivan em processo de transição. Os dois primeiros discos perpetuam números de dois shows feitos por Ivan em 1975 - ambos com o toque virtuoso do Modo Livre, grupo formado por Gilson Peranzzetta (teclados), Ricardo Pontes (flauta e sax), João Cortez (bateria) e Fred Barboza (baixo) - em Curitiba (PR) e em São José do Rio Preto (SP). O terceiro disco reúne gravações de estúdio, feitas em 1978, mas não aproveitadas. Por terem sido feitos no mesmo ano, com a mesma banda, os dois shows têm clima similar e trazem músicas eventualmente recorrentes como o samba Quero de volta o meu pandeiro (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1973), última música gravada por Ivan em sua primeira passagem pela gravadora Philips, como o artista conta em fala do show reproduzida no CD Ivan Lins anos 70 vol. 2. Como a gravação do CD Ivan Lins anos 70 vol. 1 enfatiza mais, o pandeiro é a metáfora usada por Ronaldo Monteiro de Souza para clamar pela volta da liberdade e da alegria perdidas com a repressão política do governo brasileiro da época. Nos shows, Ivan dava sutilmente o recado, surtindo efeito a repetição da palavra "desilusão" ao fim da abordagem do samba Acender as velas (Zé Kétti, 1964), outra música recorrente no roteiro dos dois shows. O repertório condensa músicas dos álbuns Modo livre (RCA-Victor, 1974) e Chama acesa (RCA-Victor, 1975), gravado e lançado por Ivan no fim daquele ano de 1975 (o disco chegaria às lojas em dezembro de 1975, após os shows). Na época com 30 anos, Ivan Lins estava no auge da força vocal, embora faça surpreendente confissão da sensação de inabilidade para o canto ("Eu não gosto de cantar. Os caras me empurraram para dentro do estúdio", conta em fala do primeiro CD da caixa). O fato é que Ivan canta a própria obra com grande propriedade. E por ser compositor de harmonias elaboradas e pianista de mão cheia, Ivan soa à vontade no clima jazzy criado pelo Modo Livre ao fim do samba Me deixa em paz (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1971) - destaque do roteiro reproduzido no segundo disco  - e em Chega (Ivan Lins, 1974). Sem retoques, as gravações dos shows reproduzem falas espontâneas - como a do músico que lembra Ivan de apresentar o técnico do som no show de São José do Rio Preto (SP) - e mostram que a parceria inicial do compositor com Ronaldo Monteiro de Souza (diluída com a entrada retumbante de Vitor Martins na obra de Ivan a partir de 1974) merece reavaliação, pois inclui títulos importantes deste cancioneiro dos mais ricos e nobres da MPB que floresceu na década de 1970. Com gravações demos registradas em estúdio três anos após a realização dos shows de 1975, o CD Ivan Lins anos 70 vol. 3 valoriza a edição da caixa - produzida pelo pesquisador carioca Marcelo Fróes com aval e livre acesso ao acervo pessoal do artista - pelo valor documental ainda mais alto. Afinal, estão neste CD uma composição inédita de Ivan Lins com Ronaldo Monteiro de Souza - Por cima dos ossos, cantada por Ivan com os vocais de Lucinha Lins - e músicas autorais que nunca ganharam registros oficiais na discografia do artista. São os casos de As minhas leis (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1974) - música lançada pelo cantor paulista Jair Rodrigues(1939 - 2014) no álbum Abra um sorriso novamente (Philips, 1974) - e de Esse pássaro chamado tempo (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1974), ouvida no disco na voz da cantora e atriz Lucinha Lins, intérprete original da composição em já raríssimo compacto lançado em 1974 pela RCA-Victor. Lucinha também canta no CD Ivan Lins anos 70 vol. 3 outras duas músicas obscuras do cancioneiro de Ivan com Ronaldo Monteiro de Souza, Eu preciso de silêncio - lançada pela cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) em raro compacto de 1971 - e Desalento, gravada originalmente pela cantora carioca Claudette Soares no LP Corpo e alma (Odeon, 1975). Enfim, a caixa Ivan Lins anos 70 embala gravações que farão a festa dos colecionadores de discos, sobretudo de admiradores deste compositor que se agigantou após esses anos de abertura de alas.

6 comentários:

  1. ♪ O cancioneiro de Ivan Lins atingiu ponto de maturação em 1977 com a edição do álbum Somos todos iguais nesta noite (EMI-Odeon) e a consequente consolidação da parceria do cantor, compositor e pianista carioca com o letrista paulista Vitor Martins, iniciada três anos antes com a música Abre alas (Ivan Lins e Vitor Martins, 1974). Apresentada ao Brasil em 1970, ano em que Elis Regina (1945 - 1982) gravou o samba Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) e em que o próprio Ivan defendeu a ufanista O amor é o meu país (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) em festival da canção, a obra autoral de Ivan começou a maturar a partir do encontro com Vitor. Foi quando essa obra se livrou do injusto rótulo de adesista (ao Brasil dos anos de chumbo) e se tornou combativa, denunciando por meio de metáforas inteligentes a truculência do regime militar instaurado no Brasil em 1964. De alto valor documental, as gravações inéditas reproduzidas nos três CDs da caixa Ivan Lins anos 70 - posta nas lojas neste mês de março de 2016 pelo selo Discobertas - flagram Ivan em processo de transição. Os dois primeiros discos perpetuam números de dois shows feitos por Ivan em 1975 - ambos com o toque virtuoso do Modo Livre, grupo formado por Gilson Peranzzetta (teclados), Ricardo Pontes (flauta e sax), João Cortez (bateria) e Fred Barboza (baixo) - em Curitiba (PR) e em São José do Rio Preto (SP). O terceiro disco reúne gravações de estúdio, feitas em 1978, mas não aproveitadas. Por terem sido feitos no mesmo ano, com a mesma banda, os dois shows têm clima similar e trazem músicas eventualmente recorrentes como o samba Quero de volta o meu pandeiro (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1973), última música gravada por Ivan em sua primeira passagem pela gravadora Philips, como o artista conta em fala do show reproduzida no CD Ivan Lins anos 70 vol. 2. Como a gravação do CD Ivan Lins anos 70 vol. 1 enfatiza mais, o pandeiro é a metáfora usada por Ronaldo Monteiro de Souza para clamar pela volta da liberdade e da alegria perdidas com a repressão política do governo brasileiro da época. Nos shows, Ivan dava sutilmente o recado, surtindo efeito a repetição da palavra "desilusão" ao fim da abordagem do samba Acender as velas (Zé Kétti, 1964), outra música recorrente no roteiro dos dois shows. O repertório condensa músicas dos álbuns Modo livre (RCA-Victor, 1974) e Chama acesa (RCA-Victor, 1975), gravado e lançado por Ivan no fim daquele ano de 1975 (o disco chegaria às lojas em dezembro de 1975, após os shows). Na época com 30 anos, Ivan Lins estava no auge da força vocal, embora faça surpreendente confissão da sensação de inabilidade para o canto ("Eu não gosto de cantar. Os caras me empurraram para dentro do estúdio", conta em fala do primeiro CD da caixa).

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  2. O fato é que Ivan canta a própria obra com grande propriedade. E por ser compositor de harmonias elaboradas e pianista de mão cheia, Ivan soa à vontade no clima jazzy criado pelo Modo Livre ao fim do samba Me deixa em paz (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1971) - destaque do roteiro reproduzido no segundo disco - e em Chega (Ivan Lins, 1974). Sem retoques, as gravações dos shows reproduzem falas espontâneas - como a do músico que lembra Ivan de apresentar o técnico do som no show de São José do Rio Preto (SP) - e mostram que a parceria inicial do compositor com Ronaldo Monteiro de Souza (diluída com a entrada retumbante de Vitor Martins na obra de Ivan a partir de 1974) merece reavaliação, pois inclui títulos importantes deste cancioneiro dos mais ricos e nobres da MPB que floresceu na década de 1970. Com gravações demos registradas em estúdio três anos após a realização dos shows de 1975, o CD Ivan Lins anos 70 vol. 3 valoriza a edição da caixa - produzida pelo pesquisador carioca Marcelo Fróes com aval e livre acesso ao acervo pessoal do artista - pelo valor documental ainda mais alto. Afinal, estão neste CD uma composição inédita de Ivan Lins com Ronaldo Monteiro de Souza - Por cima dos ossos, cantada por Ivan com os vocais de Lucinha Lins - e músicas autorais que nunca ganharam registros oficiais na discografia do artista. São os casos de As minhas leis (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1974) - música lançada pelo cantor paulista Jair Rodrigues(1939 - 2014) no álbum Abra um sorriso novamente (Philips, 1974) - e de Esse pássaro chamado tempo (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1974), ouvida no disco na voz da cantora e atriz Lucinha Lins, intérprete original da composição em já raríssimo compacto lançado em 1974 pela RCA-Victor. Lucinha também canta no CD Ivan Lins anos 70 vol. 3 outras duas músicas obscuras do cancioneiro de Ivan com Ronaldo Monteiro de Souza, Eu preciso de silêncio - lançada pela cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) em raro compacto de 1971 - e Desalento, gravada originalmente pela cantora carioca Claudette Soares no LP Corpo e alma (Odeon, 1975). Enfim, a caixa Ivan Lins anos 70 embala gravações que farão a festa dos colecionadores de discos, sobretudo de admiradores deste compositor que se agigantou após esses anos de abertura de alas.

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  3. Amei Discobertas! Vocês arrasaram :)
    Vou correndo comprar o meu Box, amooo Ivan Lins!

    Que venha mais destas delícias, sempre EM CD!

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  4. Memória Musical Brasileira Pura.
    Há vida inteligente em nosso país.

    Ricardo Sérgio.

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  5. Ivan Lins é um dos poucos músicos Brasileiros que tiveram a chance de construir uma carreira de compositor prestigiado no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. Eu acho injusto que, em quase 46 anos de carreira, ele não tenha espaço maior dentro da cultura musical no nosso País. A sua obra inicial, de 1970 a 1973, foi duramente criticada e desvalorizada por muita pela mídia, sobretudo o jornal "O Pasquim", que o acusou de aliado ao regime militar por causa de sua música "O Amor é o meu País". Eu acho interessante essa primeira fase do Ivan, sendo eu admirador de sua obra nos anos 70 e 80, e algumas coisas após isso. O álbum "Quem Sou Eu?", de 1972, considero uma obra prima. É onde o Ivan passa a por sua raiva pra fora,sua dor, suas emoções, a influência de Tom Jobim no seu DNA musical e começa a falar de temas políticos. Tudo isso retrato do momento difícil em que passava na carreira. Depois, com o álbum 'Modo Livre", ele foi se reiniciando do zero, trabalhando mais o seu lado músico e compositor engajado e foi evoluindo até chegar ao auge de sua credibilidade como músico no álbum 'Somos Todos Iguais nesta Noite", de 1977. Adoro muitas coisas que o Ivan produziu nos anos 80, como o álbum 'Juntos" com grandes nomes da MPB, o disco "Mãos", 'Amar Assim" e outras coisas mais.

    Mauro, não quero fazer propaganda, mas queria indicar a você um grupo que eu criei no Facebook chamado "Ivan Lins, a Fundo...". Caso queira acessar o link do grupo e participar (mesmo só vendo) será um prazer. O link é esse: https://www.facebook.com/groups/192623697788028/

    Umabraço.

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