Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 2 de março de 2016

Juliano é gauche na vida e no som do álbum autoral 'Nas estâncias de Dzyan'

Resenha de álbum
Título: Nas estâncias de Dzyan
Artista: Juliano Gauche
Gravadora: EAEO
Cotação: * * * 1/2

♪ Há um breve instante de otimismo e luminosidade solar no segundo álbum de Juliano Gauche, Nas estâncias de Dzyan. Alegre-se - um das oito músicas assinadas pelo cantor e compositor de origem capixaba dentre as nove do disco - é a luz difusa entranhada por entre as sombras de álbum confessional de clima geralmente depressivo. É a pista falsa de mundo poético pautado pela triste desilusão. "Sim, tudo isso vai se desmanchar assim que um vento mais forte chegar...", sentencia Gauche no verso inicial de Canção do mundo maior, faixa final do disco. O universo em desencanto do artista é por vezes bem traduzido pela sonoridade construída pelos arranjadores Junior Boca e Tatá Aeroplano. Além de cantar (com eficácia) e tocar violão, Gauche produziu Nas estâncias de Dzyan. Mas são os arranjos de Boca e Aeroplano que geralmente valorizam o repertório autoral com inspiração no rock da década de 1970. O toque sombrio da guitarra que abre o disco, na introdução da música-título Nas estâncias de Dzyan, dá a pista certa do tom desse álbum que evoca Renato Russo (1960 - 1996) nas letras confessionais que expõem desconforto existencial. Russo elaborava mais a poética da desilusão, não raro com o uso de metáforas e referências nem sempre claras. Juliano vai mais direto ao ponto que o aflige. Mas o desajuste emocional está lá, desarmonizando o ambiente sonoro. "Eu fico muito esquisito quando abro meu coração", admite Gauche em verso de Muito esquisito. Com o artista de peito aberto, o disco explana desconfortos. Por isso mesmo, Boca e Aeroplano poderiam ter enfatizado ainda  mais as esquisitices do cantautor neste álbum cujo título Nas estâncias de Dzyan é extraído da obra de Helena Blavatsky (1831 - 1891), escritora russa associada à teosofia. Se Um canto que leve seus olhos pro espaço é um pote cheio de mágoas prestes a entornar, 1,99 - única música não composta por Gauche, sendo assinada por João Moraes - transborda sinceridade ao demolir hipocrisias sociais com versos que embutem perguntas ("Quem é que nunca mentiu pra fazer sorrir?") das quais já se sabe as respostas que ninguém ousa dizer. Guardadas as devidas proporções de inspiração e importância, a obra de Gauche descende da linhagem deprê de grupos como o britânico Joy Division.  Em menos de meia hora (o álbum totaliza exatamente 29 minutos e dois segundos), Nas estâncias de Dzyan sinaliza pelas letras que Juliano parece ter seguido a rota sugerida pelo grande poeta do Brasil e foi ser gauche na vida. Mas é ao se sentir deslocado em mundo de aparências que Juliano Gauche começa a encontrar lugar próprio na cena musical contemporânea brasileira com Nas estâncias de Dzyan.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ Há um breve instante de otimismo e luminosidade solar no segundo álbum de Juliano Gauche, Nas estâncias de Dzyan. Alegre-se - um das oito músicas assinadas pelo cantor e compositor de origem capixaba dentre as nove do disco - é a luz difusa entranhada por entre as sombras de álbum confessional de clima geralmente depressivo. É a pista falsa de mundo poético pautado pela triste desilusão. "Sim, tudo isso vai se desmanchar assim que um vento mais forte chegar...", sentencia Gauche no verso inicial de Canção do mundo maior, faixa final do disco. O universo em desencanto do artista é por vezes bem traduzido pela sonoridade construída pelos arranjadores Junior Boca e Tatá Aeroplano. Além de cantar (com eficácia) e tocar violão, Gauche produziu Nas estâncias de Dzyan. Mas são os arranjos de Boca e Aeroplano que geralmente valorizam o repertório autoral com inspiração no rock da década de 1970. O toque sombrio da guitarra que abre o disco, na introdução da música-título Nas estâncias de Dzyan, dá a pista certa do tom desse álbum que evoca Renato Russo (1960 - 1996) nas letras confessionais que expõem desconforto existencial. Russo elaborava mais a poética da desilusão, não raro com o uso de metáforas e referências nem sempre claras. Juliano vai mais direto ao ponto que o aflige. Mas o desajuste emocional está lá, desarmonizando o ambiente sonoro. "Eu fico muito esquisito quando abro meu coração", admite Gauche em verso de Muito esquisito. Com o artista de peito aberto, o disco explana desconfortos. Por isso mesmo, Boca e Aeroplano poderiam ter enfatizado ainda mais as esquisitices do cantautor neste álbum cujo título Nas estâncias de Dzyan é extraído da obra de Helena Blavatsky (1831 - 1891), escritora russa associada à teosofia. Se Um canto que leve seus olhos pro espaço é um pote cheio de mágoas prestes a entornar, 1,99 - única música não composta por Gauche, sendo assinada por João Moraes - transborda sinceridade ao demolir hipocrisias sociais com versos que embutem perguntas ("Quem é que nunca mentiu pra fazer sorrir?") das quais já se sabe as respostas que ninguém ousa dizer. Guardadas as devidas proporções de inspiração e importância, a obra de Gauche descende da linhagem deprê de grupos como o britânico Joy Division. Em menos de meia hora (o álbum totaliza exatamente 29 minutos e dois segundos), Nas estâncias de Dzyan sinaliza pelas letras que Juliano parece ter seguido a rota sugerida pelo grande poeta do Brasil e foi ser gauche na vida. Mas é ao se sentir deslocado em mundo de aparências que Juliano Gauche começa a encontrar lugar próprio na cena musical contemporânea brasileira com Nas estâncias de Dzyan.