Mauro Ferreira no G1

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sábado, 9 de abril de 2016

Djavan eletriza no show 'Vidas pra contar' sem virar a página do livro musical

Resenha de show
Título: Vidas pra contar
Artista: Djavan (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 8 de abril de 2016
Cotação: * * * * 1/2

Aos 67 anos, Djavan insistiu na juventude ao pisar no palco da casa Vivo Rio para mostrar ao público carioca o show Vidas pra contar, cuja turnê está na estrada desde fevereiro deste ano de 2016, em rota nacional iniciada por Juiz de Fora (MG). O livro-cenário posicionado ao centro do palco permaneceu a maior parte do tempo aberto na mesma página, na qual se via escritos versos de canções de amor da lavra do artista alagoano. Aos 41 anos de carreira como compositor, iniciada com a defesa do samba Fato consumado (Djavan, 1975) no festival Abertura (TV Globo, 1975), Djavan tampouco costuma virar a página do livro musical. Mote do show, o álbum Vidas pra contar (Sony Music, 2015) reafirmou a sofisticação do estilo do compositor em safra de 12 músicas autorais. Sete delas estão no show, entremeadas com cinco composições do álbum Coisa de acender (Sony Music, 1992) e com sucessos como o mencionado samba Fato consumado, alocado no roteiro inteiramente autoral ao lado de outro samba antológico, Flor de lis (Djavan, 1976), que fez a obra do compositor desabrochar definitivamente há 40 anos. O tempo passou e, no entanto, o cancioneiro de Djavan nunca envelheceu. A vibrante atmosfera jovial da estreia carioca do show Vidas pra contar corroborou a modernidade atemporal dessa obra. A própria escalação da banda virtuosa do show - formada por Carlos Bala (bateria), Jessé Sadoc (flugelhorn e trompete), João Castilho (guitarra e violão), Marcelo Mariano (baixo), Marcelo Martins (sax) e Paulo Calasans (teclados e piano) - ratificou a segurança de um compositor que permanece dono da própria assinatura, pessoal e intransferível. E o fato é que Vidas pra contar se revelou já no primeiro número - Se não vira jazz (Djavan, 2015), tema do álbum atual que caiu no suingue dos sopros de Jessé Sadoc e Marcelo Martins - um dos shows mais enérgicos e eletrizantes da trajetória de Djavan nos palcos do Brasil. Música do álbum Lilás (CBS, 1984), Miragem (Djavan, 1984) manteve na sequência o alto astral que pautou a apresentação. A vivacidade e o frescor com que o cantor irmanou músicas novas e antigas como Eu te devoro (Djavan, 1998) - geralmente de pé no palco, dançando ao som do suingue singular da própria obra - valorizou a apresentação. Tocando guitarra em boa parte dos números, Djavan fez - a rigor - o que já está habituado a fazer em cena ao desfiar o rosário de pérolas de roteiro que celebra o amor. Lançou mão de baladas sedutoras como Outono (Djavan, 1992), cantou temas de batida funkeada como Boa noite (Djavan, 1992) e Só pra ser o sol (Djavan, 2015) - única música de apelo mais pop do álbum Vidas pra contar - e reavivou músicas menos batidas da obra autoral como Me leve (Djavan, 1987), número de menor vibração. Ou seja, nada de novo a rigor. Contudo, paradoxalmente, tudo soou como se novo fosse, realçando a cada um dos 24 números a genialidade de compositor que abriu escaninho na MPB dos anos 1970. Não por acaso, espectador gritou "Tu é foda!" ao fim da balada Alívio (Djavan e Arthur Maia, 1992), uma das cinco músicas do álbum Coisa de acender que ajudaram a iluminar show cintilante no todo. Imerso na harmoniosa musicalidade dos arranjos, Djavan brilhou também como cantor, cruzando Linha do Equador (Djavan e Caetano Veloso, 1992) com scats feitos em fina sintonia com o sopro do flugelhorn de Jessé Sadoc e arriscando falsete que reproduziu o toque de uma guitarra em Vidas pra contar (Djavan, 2015). A voz do artista, a propósito, continua reluzindo que nem riqueza, a julgar pela interpretação da pungente balada Pétala (Djavan, 1982). Ao seguir a sublime melodia de A rota do indivíduo (Djavan e Orlando Morais, 1991), o cantor provocou arrepios em plateia que também saboreou Açaí (Djavan, 1981) - nos tons de bloco eletroacústico que evidenciou o toque do violão de João Castilho - e que reouviu Lilás (Djavan, 1984) com o matiz pop original da música. Nem o tropeço no meio da letra de Dona do horizonte (Djavan, 2015) - motivo para a repetição da música em que o artista celebra a mãe com versos escritos de forma direta, sem ser guiado pela musicalidade das palavras (como de hábito) - empanou o brilho da noite. Djavan estava feliz como o público que lotou cada assento da casa Vivo Rio. O menor rigor no canto das últimas músicas do roteiro - apresentadas com o público já aglomerado de pé, na beira do palco, à espera de um aperto de mão e/ou aceno do artista - tornou o show musicalmente menos sedutor, mas, em contrapartida, elevou ainda mais o astral que permaneceu alto ao longo da estreia carioca de Vidas pra contar. E o entusiasmo do público ao ouvir classuda balada que já nasceu com cara de standard como Encontrar-te (Djavan, 2015) e inventivo xote de contornos nada banais como Vida nordestina (Djavan, 2015) fez com que o show Vidas pra contar cumprisse a intenção de ser celebração do amor. O amor a dois, o amor pela vida que se conta a cada página virada e o amor por um artista que permaneceu íntegro e coerente ao seguir caminho único, dono do próprio horizonte, fiel a si mesmo, a ponto de quase nunca virar a página do livro musical que escreve há 40 anos e - ainda assim - continuar sendo compositor relevante e moderno.

9 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Aos 67 anos, Djavan insistiu na juventude ao pisar no palco da casa Vivo Rio para mostrar ao público carioca o show Vidas pra contar, cuja turnê está na estrada desde fevereiro deste ano de 2016, em rota nacional iniciada por Juiz de Fora (MG). O livro-cenário posicionado ao centro do palco permaneceu a maior parte do tempo aberto na mesma página, na qual se via escritos versos de canções de amor da lavra do artista alagoano. Aos 41 anos de carreira como compositor, iniciada com a defesa do samba Fato consumado (Djavan, 1975) no festival Abertura (TV Globo, 1975), Djavan tampouco costuma virar a página do livro musical. Mote do show, o álbum Vidas pra contar (Sony Music, 2015) reafirmou a sofisticação do estilo do compositor em safra de 12 músicas autorais. Sete delas estão no show, entremeadas com cinco composições do álbum Coisa de acender (Sony Music, 1992) e com sucessos como o mencionado samba Fato consumado, alocado no roteiro inteiramente autoral ao lado de outro samba antológico, Flor de lis (Djavan, 1976), que fez a obra do compositor desabrochar definitivamente há 40 anos. O tempo passou e, no entanto, o cancioneiro de Djavan nunca envelheceu. A vibrante atmosfera jovial da estreia carioca do show Vidas pra contar corroborou a modernidade atemporal dessa obra. A própria escalação da banda virtuosa do show - formada por Carlos Bala (bateria), Jessé Sadoc (flugelhorn e trompete), João Castilho (guitarra e violão), Marcelo Mariano (baixo), Marcelo Martins (sax) e Paulo Calasans (teclados e piano) - ratificou a segurança de um compositor que permanece dono da própria assinatura, pessoal e intransferível. E o fato é que Vidas pra contar se revelou já no primeiro número - Se não vira jazz (Djavan, 2015), tema do álbum atual que caiu no suingue dos sopros de Jessé Sadoc e Marcelo Martins - um dos shows mais enérgicos e eletrizantes da trajetória de Djavan nos palcos do Brasil. Música do álbum Lilás (CBS, 1984), Miragem (Djavan, 1984) manteve na sequência o alto astral que pautou a apresentação. A vivacidade e o frescor com que o cantor irmanou músicas novas e antigas como Eu te devoro (Djavan, 1998) - geralmente de pé no palco, dançando ao som do suingue singular da própria obra - valorizou a apresentação. Tocando guitarra em boa parte dos números, Djavan fez - a rigor - o que já está habituado a fazer em cena ao desfiar o rosário de pérolas de roteiro que celebra o amor. Lançou mão de baladas sedutoras como Outono (Djavan, 1992), cantou temas de batida funkeada como Boa noite (Djavan, 1992) e Só pra ser o sol (Djavan, 2015) - única música de apelo mais pop do álbum Vidas pra contar - e reavivou músicas menos batidas da obra autoral como Me leve (Djavan, 1987), número de menor vibração. Ou seja, nada de novo. Contudo, paradoxalmente, tudo soou como se novo fosse, realçando a cada um dos 24 números a genialidade de um compositor que abriu escaninho na MPB da década de 1970. Não por acaso, um espectador gritou "Tu é foda!" ao fim da balada Alívio (Djavan, 1992), uma das cinco músicas do álbum Coisa de acender que ajudaram a iluminar show cintilante no todo. Imerso na harmoniosa musicalidade dos arranjos, Djavan brilhou também como cantor, cruzando Linha do Equador (Djavan e Caetano Veloso, 1992) com scats feitos em fina sintonia com o sopro do flugelhorn de Jessé Sadoc e arriscando falsete que reproduziu o toque de uma guitarra em Vidas pra contar (Djavan, 2015).

Mauro Ferreira disse...

A voz do artista, a propósito, continua reluzindo que nem riqueza, a julgar pela interpretação da pungente balada Pétala (Djavan, 1982). Ao seguir a sublime melodia de A rota do indivíduo (Djavan e Orlando Morais, 1991), o cantor provocou arrepios em plateia que também saboreou Açaí (Djavan, 1981) - nos tons de bloco eletroacústico que evidenciou o toque do violão de João Castilho - e que reouviu Lilás (Djavan, 1984) com o matiz pop original da música. Nem o tropeço no meio da letra de Dona do horizonte (Djavan, 2015) - motivo para a repetição da música em que o artista celebra a mãe com versos escritos de forma direta, sem ser guiado pela musicalidade das palavras (como de hábito) - empanou o brilho da noite. Djavan estava feliz como o público que lotou cada assento da casa Vivo Rio. O menor rigor no canto das últimas músicas do roteiro - apresentadas com o público já aglomerado de pé, na beira do palco, à espera de um aperto de mão e/ou aceno do artista - tornou o show musicalmente menos sedutor, mas, em contrapartida, elevou ainda mais o astral que permaneceu alto ao longo da estreia carioca de Vidas pra contar. E o entusiasmo do público ao ouvir classuda balada que já nasceu com cara de standard como Encontrar-te (Djavan, 2015) e inventivo xote de contornos nada banais como Vida nordestina (Djavan, 2015) fez com que o show Vidas pra contar cumprisse a intenção de ser celebração do amor. O amor a dois, o amor pela vida que se conta a cada página virada e o amor por um artista que permaneceu íntegro e coerente ao seguir caminho único, dono do próprio horizonte, fiel a si mesmo, a ponto de quase nunca virar a página do livro musical que escreve há 40 anos e - ainda assim - continuar sendo compositor relevante e moderno.

Unknown disse...

Mauro boa tarde! Que blog fantástico. Conheço sua figura pelos comentários realizados no programa do canal BIS "Por Trás da Canção", suas contribuições são incríveis, hoje tive a felicidade de me deparar com seu Blog, vou acompanhar diariamente. Você tem algum email? Gostaria de te enviar um trabalho. Abraços Adelson

Ronaldo disse...

Mauro, parabéns pela resenha! Texto muito bem escrito. Djavan está realmente em grande fase. Ouso dizer que "Vidas pra Contar" é um de seus melhores álbuns.

Felipe dos Santos disse...

Legal ver que, nesta nova fase, Djavan soube tornar seu trabalho mais vivo no palco sem apelar a "modernices".

E é curioso: mesmo com muitas faixas do "Coisa de acender" no repertório, não estava lá o maior sucesso daquele disco, que caberia facilmente no repertório do show: "Se...".

Ah, sim: impressiona como Djavan também tem sua banda muito bem delineada ao longo desses anos. A exemplo de Chico Buarque, pode nem tocar com os mesmos músicos esse tempo todo. Mas basta um aceno do alagoano, e lá está esse povo: Paulo Calasans, Marcelo Martins, Carlos Bala, João Castilho, Marcelo Mariano... quase a mesma banda do "Ao vivo" de 1999, ápice mercadológico do pai de João, Max e Flávia Virgínia (que também estavam lá).

Se não bastasse serem músicos de calibre dos mais grossos, ainda esbanjam entrosamento com Djavan, pelos mais de 25 anos juntos. Tão representativos na carreira dele pelos palcos quanto a fase com os músicos da Sururu de Capote.

Deve ter sido ótimo show.

Felipe dos Santos Souza

Rafael disse...

"Vidas Pra Contar" é um álbum fantástico! Vale a pena ouvir...

Leandro Soares disse...

Alivio também tem coautoria de Arthur Maia.

Mauro Ferreira disse...

Grato pelo toque, leitor desconhecido. Arthur Maia já estava creditado no post do roteiro, mas, de fato, não tinha sido creditado no texto da resenha. Abs, MauroF

Unknown disse...

Mauro, parabéns pela resenha! Ótimo texto. Gostei muito. Porque foi exatamente o clima que rolou na apresentação ao vivo. Bacana.Continue nos alimentando com seu blog, que sabe o que é musica de qualidade. Abraço.