Título: Voz & piano
Artista: Maria Rita (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 4 de abril de 2016
Cotação: * * * *
♪ O show Voz & piano, de Maria Rita, cresceu em todos os sentidos. Se o roteiro original do recital apresentado pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 8 de março de 2013 totalizava somente 13 músicas, o da versão revista e ampliada do show reúne 18 músicas que sintetizam os 11 anos de carreira da cantora paulistana. Em sintonia cúmplice com Tiago Costa, pianista que a acompanha desde os primórdios da trajetória de Rita como cantora profissional, a artista cai no samba que pautou dois álbuns de estúdio, dá voz a músicas do repertório da mãe - a soberana Elis Regina Carvalho Costa (1945 - 1982) - e revive músicas dos discos iniciais que a conectaram à MPB. Contudo, o show Voz & piano - apresentado pela artista em turnê pelo Brasil desde o início deste ano de 2016 - cresceu também no sentido metafórico ao confirmar a grandeza do canto de Maria Rita. Minimizada por gente preconceituosa a partir do momento em que a cantora dedicou discos ao samba (gênero ainda considerado menor do que a MPB na visão de desprezíveis elites culturais) e também quando decidiu abordar o repertório da mãe imortal, essa grandeza foi exposta para o público que ocupou na noite de ontem, 4 de abril de 2016, todas as 622 poltronas do Theatro Net Rio para assistir ao show que celebrava os quatro anos de vida do teatro inaugurado em abril de 2012. Saudada como "a maior cantora de sua geração" no discurso introdutório de Frederico Reder (sócio-diretor da empresa que arrendou e gerenciou o teatro nestes quatro anos de sucesso), Maria Rita fez jus aos elogios desde que as cortinas se abriram e a cantora apareceu já sentada em cadeira alocada ao lado do piano de Tiago Costa. Já no início, quando abriu a voz para cantar Mucuripe (Raimundo Fagner e Belchior, 1972) com dose exata de melancolia, Maria Rita mostrou quem é. Na sequência do roteiro, a cantora seguiu o caminho das águas nordestinas e deu voz à única música, O ciúme (Caetano Veloso, 1987), que ainda pode ser considerada (certa) novidade no repertório da artista, embora já tivesse sido cantada por Rita em 2006 em programa de emissora carioca de rádio. A densidade do canto e os vocais arrepiantes ao fim de O ciúme ratificaram a grandeza da intérprete. Em cena, Rita classificou o show como "de absoluto desafio". Parece frase feita, e talvez seja mesmo, mas o fato é que não é qualquer cantora que expôs os dramas afetivos de lírico bolero cubano como Dos gardenias (Isolina Carrillo, 1947) e, em seguida, emenda três músicas de outra Rita, a Lee. Rita, a Maria alguém, se delicia com as espetadas femininas de Pagu (Rita Lee e Zélia Duncan, 2000), põe Só de você (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1982) em clima de cheek to cheek e tira Agora só falta você (Rita Lee e Luiz Carlini, 1975) do universo roqueiro original, adequando o pop rock da Ovelha Negra ao econômico formato voz & piano do show. Mais para frente, Todo Carnaval tem seu fim (Marcelo Camelo, 2001) abre bloco de sambas que abarca Cara valente (Marcelo Camelo, 2003) - enfrentado por Rita com os habituais comics e cacos histriônicos - e músicas dos dois álbuns de samba da artista, Samba meu (Warner Music, 2007) e Coração a batucar (Universal Music, 2014), caso de Num corpo só (Arlindo Cruz e Picolé, 2007). Motivo de discurso incisivo sobre a relação com o repertório de Elis ("Eu falo à beça", reconheceu Maria Rita ao fim da longa fala anterior do show), o samba Mainha me ensinou (Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini, 2014) gerou canto embargado pelo choro e foi também a brecha para que Rita voltasse ao repertório da mãe dali em diante. Romaria (Renato Teixeira, 1977) ainda pode ter o fervor acentuado por Rita em apresentações futuras do show Voz & piano. Já Águas de março (Antonio Carlos Jobim, 1972) - número em que o toque límpido do piano de Tiago Costa evoca o arranjo da gravação feita por Elis com Tom Jobim (1927 - 1994) - desabou com toda a beleza soberana do samba, provando que Maria Rita é bem filha de quem é. Foi a música em que o público fez coro espontâneo com a cantora desde o primeiro verso. Na sequência, Tiago Costa emulou o toque percussivo do piano de Ivan Lins para criar a base para Rita cair no samba Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970). Nos bis, Rita voltou a cair no suingue de dois sambas associados a Elis, Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá) (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1970) e Amor até o fim (Gilberto Gil, 1966). Do início até o fim de belo show, ideal para o atual cenário de crise econômica, Maria Rita se confirmou grande. Como a soberana mãe, ela também é Maria alguém.
15 comentários:
♪ O show Voz & piano, de Maria Rita, cresceu em todos os sentidos. Se o roteiro original do recital apresentado pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 8 de março de 2013 totalizava somente 13 músicas, o da versão revista e ampliada do show reúne 18 músicas que sintetizam os 11 anos de carreira da cantora paulistana. Em sintonia cúmplice com Tiago Costa, pianista que a acompanha desde os primórdios da trajetória de Rita como cantora profissional, a artista cai no samba que pautou dois álbuns de estúdio, dá voz a músicas do repertório da mãe - a soberana Elis Regina Carvalho Costa (1945 - 1982) - e revive músicas dos discos iniciais que a conectaram à MPB. Contudo, o show Voz & piano - apresentado pela artista em turnê pelo Brasil desde o início deste ano de 2016 - cresceu também no sentido metafórico ao confirmar a grandeza do canto de Maria Rita. Minimizada por gente preconceituosa a partir do momento em que a cantora dedicou discos ao samba (gênero ainda considerado menor do que a MPB na visão de desprezíveis elites culturais) e também quando decidiu abordar o repertório da mãe imortal, essa grandeza foi exposta para o público que ocupou na noite de ontem, 4 de abril de 2016, todas as 622 poltronas do Theatro Net Rio para assistir ao show que celebrava os quatro anos de vida do teatro inaugurado em abril de 2012. Saudada como "a maior cantora de sua geração" no discurso introdutório de Frederico Reder (sócio-diretor da empresa que arrendou e gerenciou o teatro nestes quatro anos de sucesso), Maria Rita fez jus aos elogios desde que as cortinas se abriram e a cantora apareceu já sentada em cadeira alocada ao lado do piano de Tiago Costa. Já no início, quando abriu a voz para cantar Mucuripe (Raimundo Fagner e Belchior, 1972) com dose exata de melancolia, Maria Rita mostrou quem é. Na sequência do roteiro, a cantora seguiu o caminho das águas nordestinas e deu voz à única música, O ciúme (Caetano Veloso, 1987), que ainda pode ser considerada (certa) novidade no repertório da artista, embora já tivesse sido cantada por Rita em 2008 em programa de emissora carioca de rádio. A densidade do canto e os vocais arrepiantes ao fim de O ciúme ratificaram a grandeza da intérprete. Em cena, Rita classificou o show como "de absoluto desafio". Parece frase feita, e talvez seja mesmo, mas o fato é que não é qualquer cantora que expôs os dramas afetivos de lírico bolero cubano como Dos gardenias (Isolina Carrillo, 1947) e, em seguida, emenda três músicas de outra Rita, a Lee. Rita, a Maria alguém, se delicia com as espetadas femininas de Pagu (Rita Lee e Zélia Duncan, 2000), põe Só de você (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1982) em clima de cheek to cheek e tira Agora só falta você (Rita Lee e Luiz Carlini, 1975) do universo roqueiro original, adequando o pop rock da Ovelha Negra ao econômico formato voz & piano do show. Mais para frente, Todo Carnaval tem seu fim (Marcelo Camelo, 2001) abre bloco de sambas que abarca Cara valente (Marcelo Camelo, 2003) - enfrentado por Rita com os habituais comics e cacos histriônicos - e músicas dos álbuns Samba meu (Warner Music, 2007) e Coração a batucar (Universal Music, 2014).
Motivo de discurso incisivo sobre a relação com o repertório de Elis ("Eu falo à beça", reconheceu Maria Rita ao fim da longa fala anterior do show), o samba Mainha me ensinou (Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini, 2014) gerou canto embargado pelo choro e foi também a brecha para que Rita voltasse ao repertório da mãe dali em diante. Romaria (Renato Teixeira, 1977) ainda pode ter o fervor acentuado por Rita em apresentações futuras do show Voz & piano. Já Águas de março (Antonio Carlos Jobim, 1972) - número em que o toque límpido do piano de Tiago Costa evoca o arranjo da gravação feita por Elis com Tom Jobim (1927 - 1994) - desabou com toda a beleza soberana do samba, provando que Maria Rita é bem filha de quem é. Foi a música em que o público fez coro espontâneo com a cantora desde o primeiro verso. Na sequência, Tiago Costa emulou o toque percussivo do piano de Ivan Lins para criar a base para Rita cair no samba Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970). Nos bis, Rita voltou a cair no suingue de dois sambas associados a Elis, Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá) (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1970) e Amor até o fim (Gilberto Gil, 1966). Do início até o fim de show ideal para o cenário de crise econômica, Maria Rita se confirmou grande. Ela (também) é Maria alguém.
Maria Rita e Roberta Sá são as maiores cantoras dessa geração. MR sabe tudo e seus dois primeiros cds são excepcionais. Esse Voz e Piano deveria virar um cd ou DVD.
Grande Maria Rita!!! Que show lindo esse!!!
Você mesmo pondera o elitismo da crítica da falta de qualidade dos discos de samba, mas sequer citou nominalmente as músicas de "Samba meu" e "Coração a batucar". Também acha que valem menos?
Thiago, a resenha cita 'Mainha me ensinou', um dos números mais fortes do show pela emoção da cantora. De todo modo, para não deixar dúvidas de que não considero os sambas menores do que as outras músicas do repertório (embora 'Coração a batucar' seja superior a 'Samba meu' na minha avaliação), incluí citação de 'Num corpo só' no texto. Abs, MauroF
Adoro Maria Rita e toda a sua obra mas prefiro os seus álbuns de samba. Como não moro no Brasil não tenho conhecimento desse preconceito em relação à sua adesão ao samba. Ouço sem entusiasmo os seus primeiros álbuns, apesar do ótimo reportório e da grande cantora. Porquê? Acho a realização instrumental bem aquém da vocal. É uma MPB com influência do pop indie que não me entusiasma nada. É uma questão de gosto, claro. Mas a arte de Maria Rita supera tudo.
João Neves...o preconceito que o crítico cita é por conta dele. As pessoas tem o direito de gostar mais de um trabalho do que d eoutro. Virou moda aqui no Brasil de dizer que é "preconceito" qdo não se gosta de um gênero ou um movimento ou um artista.
Maior cantora da geração atual..deve tá de brincadeira..o que é uma vida de artista no "MERCADO comum da vida humana"..Sddd de ELIS..e viva Tulipa Ruiz..
clovisgau@gmail.com
O que falar de Maria Rita???Somente que ela se tornou a maior cantora da nova geração. Tenho muita vontade de assistir a esse show. Com um repertório enxuto desses bem que poderia virar dvd.
Belo texto, mas nem uma linha sobre o pianista.
Victor, há várias linhas sobre o pianista no texto. Acho que você não leu atentamente a resenha. Abs, grato pelo comentário, MauroF
Maria Rita Mariano e a grandeza do seu canto... Só rindo.
Tenho certeza que não considera, mas sentia que faltava o detalhamento das canções do bloco de sambas.
Obrigado pela inclusão!
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