Título: Era domingo
Artista: Zeca Baleiro
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * 1/2
♪ Aparentemente fora de propósito, a foto tirada e exposta por Zeca Baleiro na capa do disco Era domingo passa a fazer sentido com a audição das 11 músicas autorais do nono álbum solo de inéditas do multimídia artista maranhense. Era domingo desajusta o foco solar normalmente direcionado a este dia da semana ao retratar melancolias cotidianas em flash cinzento da humanidade. Em álbum formatado por 13 produtores, a exemplo do antecessor O disco do ano (Som Livre, 2012), o cantor e compositor dá voz a tristezas e angústias entranhadas no cotidiano da sociedade automatizada. "Eu sou a multidão sem alma / Multiplicando multidões / A dor dos corações sem calma / Velando a morte das paixões", adverte em Homem só (Zeca Baleiro), faixa produzida e arranjada em adequado tom sombrio por Marcelo Lobato (do grupo O Rappa), com vocais sutis de Ellen Oléria. Sombras também encobrem a mente em decomposição da personagem de Desejo de matar (Zeca Baleiro), faixa produzida e arranjada com brilhantismo contemporâneo por Marcos Vaz. Musicalmente, aliás, Era domingo avança em relação a discos anteriores de Baleiro, minimizando a sensação de que o compositor já apresentou safras autorais melodicamente mais sedutoras. A maior força de Era domingo reside no conjunto dos cinzentos sentimentos expostos nas letras. Baleiro canta o refrão da solidão mesmo quando vai à ensolarada praia do reggae, ritmo de O amor é invenção (Zeca Baleiro), faixa produzida por Fernando Nunes. Loosers protagonizam as narrativas geralmente imagéticas das letras. Um deles é o "poeta boêmio na banguela", personagem do ska Ela parou no sinal (Zeca Baleiro) que recusa a cantada da "bela atriz de uma novela" pela baixa autoestima na faixa produzida e orquestrada (com metais vivazes) por Pedro Cunha. Não por acaso, existe no repertório uma canção intitulada Desesperança (Zeca Baleiro e Paulo Monarco) e praticamente recitada (com prosódia distinta do rap), em sintonia com o fato de embutir na letra trecho do poema Desesperança, extraído do livro Harpas selvagens (1857), do escritor e poeta maranhense Sousândrade (1833 - 1902). A produção da faixa foi confiada a Érico Theobaldo. Sim, Era domingo alinha desesperanças nos versos de músicas como a Balada do oitavo andar (Zeca Baleiro). "Tarde fria, noite morta / Não importa aonde vou / Todos os caminhos dão no mesmo", resigna-se o poeta solitário nos versos da balada lírica formatada por Rogério Delayon. A solidão do poeta às vezes contrasta com a beleza natural da paisagem urbana, como no cenário azulado, mas blue de tristeza, desenhado na inspirada música-título Era domingo (Zeca Baleiro). O contraste é acentuado na gravação pelas guitarras e cordas proeminentes orquestradas por Tuco Marcondes, produtor da faixa. Algumas músicas - como De mentira (Zeca Baleiro), tema quase falado produzido por Kuki Stolarski cuja letra cita o metapoema português Autopsicografia (1931), de Fernando Pessoa (1888 - 1935) - já explicitam no título o estado desiludido, quase inerte, do espírito do poeta. "Ultimamente nada, nada me interessa / Nem uma conversa / Eu não sinto pressa, saudade ou paixão / E até que gosto de me sentir desse jeito / Sem frisson no peito / Sem nenhum defeito no coração", argumenta em versos de Ultimamente nada, faixa de clima cigano produzida por Adriano Magoo. Contudo, o poeta - como sabemos - é um fingidor. E, na canção com toque de baião Pequena canção (Zeca Baleiro), formatada por André Bedurê e Rovilson Pascoal, o poeta esboça reações afetivas diante da paixão pela pequena dele. Canção produzida com punch pop por Haroldo Ferretti e Henrique Portugal (baterista e tecladista do Skank, respectivamente), Deserta - parceria de Baleiro com o compositor africano Lokua Kanza - reitera o movimento amoroso. "Pegue minha mão, me leve / Pra onde quiser / Sigo você aonde for / Diga o que quer / Se falta amor aqui / Melhor partir / Aprender a voar no céu / Que nunca tem fim", propõe o poeta, com fio de esperança, na vida que parece estar por um fio na narrativa de Era domingo. Aos 50 anos, completados em 11 de abril deste ano de 2016, Zeca Baleiro se recusa a ficar parado no sinal. E avança com um disco nublado, de grande força poética e conceitual, que realça sombras existenciais escondidas atrás do sol de um (feliz?) dia de domingo.
9 comentários:
♪ Aparentemente fora de propósito, a foto tirada e exposta por Zeca Baleiro na capa do disco Era domingo passa a fazer sentido com a audição das 11 músicas autorais do nono álbum solo de inéditas do multimídia artista maranhense. Era domingo desajusta o foco solar normalmente direcionado a este dia da semana ao retratar melancolias cotidianas em flash cinzento da humanidade. Em álbum formatado por 13 produtores, a exemplo do antecessor O disco do ano (Som Livre, 2012), o cantor e compositor dá voz a tristezas e angústias entranhadas no cotidiano da sociedade automatizada. "Eu sou a multidão sem alma / Multiplicando multidões / A dor dos corações sem calma / Velando a morte das paixões", adverte em Homem só (Zeca Baleiro), faixa produzida e arranjada em adequado tom sombrio por Marcelo Lobato (do grupo O Rappa), com vocais sutis de Ellen Oléria. Sombras também encobrem a mente em decomposição da personagem de Desejo de matar (Zeca Baleiro), faixa produzida e arranjada com brilhantismo contemporâneo por Marcos Vaz. Musicalmente, aliás, Era domingo avança em relação a discos anteriores de Baleiro, minimizando a sensação de que o compositor já apresentou safras autorais melodicamente mais sedutoras. A maior força de Era domingo reside no conjunto dos cinzentos sentimentos expostos nas letras. Baleiro canta o refrão da solidão mesmo quando vai à ensolarada praia do reggae, ritmo de O amor é invenção (Zeca Baleiro), faixa produzida por Fernando Nunes. Loosers protagonizam as narrativas geralmente imagéticas das letras. Um deles é o "poeta boêmio na banguela", personagem do ska Ela parou no sinal (Zeca Baleiro) que recusa a cantada da "bela atriz de uma novela" pela baixa autoestima na faixa produzida e orquestrada (com metais vivazes) por Pedro Cunha. Não por acaso, existe no repertório uma canção intitulada Desesperança (Zeca Baleiro e Paulo Monarco) e praticamente recitada (com prosódia distinta do rap), em sintonia com o fato de embutir na letra trecho do poema Desesperança, extraído do livro Harpas selvagens (1857), do escritor e poeta maranhense Sousândrade (1833 - 1902). A produção da faixa foi confiada a Érico Theobaldo. Sim, Era domingo alinha desesperanças nos versos de músicas como a Balada do oitavo andar (Zeca Baleiro). "Tarde fria, noite morta / Não importa aonde vou / Todos os caminhos dão no mesmo", resigna-se o poeta solitário nos versos da balada lírica formatada por Rogério Delayon. A solidão do poeta às vezes contrasta com a beleza natural da paisagem urbana, como no cenário azulado, mas blue de tristeza, desenhado na inspirada música-título Era domingo (Zeca Baleiro). O contraste é acentuado na gravação pelas guitarras e cordas proeminentes orquestradas por Tuco Marcondes, produtor da faixa. Algumas músicas - como De mentira (Zeca Baleiro), tema quase falado produzido por Kuki Stolarski cuja letra cita o metapoema português Autopsicografia (1931), de Fernando Pessoa (1888 - 1935) - já explicitam no título o estado desiludido, quase inerte, do espírito do poeta. "Ultimamente nada, nada me interessa / Nem uma conversa / Eu não sinto pressa, saudade ou paixão / E até que gosto de me sentir desse jeito / Sem frisson no peito / Sem nenhum defeito no coração", argumenta em versos de Ultimamente nada, faixa de clima cigano produzida por Adriano Magoo.
Contudo, o poeta - como sabemos - é um fingidor. E, na canção com toque de baião Pequena canção (Zeca Baleiro), formatada por André Bedurê e Rovilson Pascoal, o poeta esboça reações afetivas diante da paixão pela pequena dele. Canção produzida com punch pop por Haroldo Ferretti e Henrique Portugal (baterista e tecladista do Skank, respectivamente), Deserta - parceria de Baleiro com o compositor africano Lokua Kanza - reitera o movimento amoroso. "Pegue minha mão, me leve / Pra onde quiser / Sigo você aonde for / Diga o que quer / Se falta amor aqui / Melhor partir / Aprender a voar no céu / Que nunca tem fim", propõe o poeta, com fio de esperança, na vida que parece estar por um fio na narrativa de Era domingo. Aos 50 anos, completados em 11 de abril deste ano de 2016, Zeca Baleiro se recusa a ficar parado no sinal. E avança com um disco nublado, de grande força poética e conceitual, que realça sombras existenciais escondidas atrás do sol de um (feliz?) dia de domingo.
Ainda não ouvi o disco, mas de cara odiei a capa...
O show que estreou em Natal está impecável. Além das músicas do novo trabalho, alguns hits de sua carreira como telegrama e quase nada, mais quatro covers perfeitos: cabelos brancos de Herivelton Martins, Apenas um rapaz latino americano ( Belchior), o chamado (Marina Lima) e uma homenagem ao David Bowie com the man who sold the World. O ponto alto do show foi um forró inédito que levou a platéia ao delírio.
Escutei todo e achei um excelente trabalho mesmo com os velhos trocadilhos que ele sempre usa.
Augusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)
Damião Costa, também gostei do disco.
A-d-o-r-e-i a crítica! Parabéns mesmo. E parabéns pro Zeca Baleiro que conseguiu chegar com categoria ao nono disco de sua respeitável carreira fonográfica. No meio de tantos nomes que surgem e somem no atual cenário da MPB, é uma proeza, sem dúvida.
Coisa linda a voz de Ellen Oléria na faixa um homem só. Essa moça tem voz de veludo.
Que linda a voz de Ellen Oléria na faixa um homem só. Essa moça tem voz de veludo.
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