♪ Cauby Peixoto (Niterói - RJ, 10 de fevereiro de 1931 / São Paulo - SP, 15 de maio de 2016) já teria o nome inscrito na história da música brasileira somente pela personalíssima voz de barítono, de intensidade amplificada por intencionais excessos nas abordagens de músicas nem sempre à altura do magistral registro vocal do artista. Contudo, Cauby Peixoto - em foto de Marco Aurélio Olímpio - foi mais do que uma voz. Ao sair de cena às 23h50m de ontem, 15 de maio de 2016, aos 85 bravos anos, o cantor fluminense entra na galeria dos imortais da música do Brasil pelo conjunto da obra. E, por conjunto da obra, entenda-se a já mitológica persona artística que identificou Cauby no mercado comum da música e da vida humana. Cauby Peixoto poderia ter sido tão somente um dos maiores cantores da música brasileira de todos os tempos, mas ele foi mais do que isso. Cauby foi um astro. E, como um astro, viveu de acordo com os códigos de uma estrela da canção popular. Driblou questões sobre a homossexualidade nunca assumida, usou perucas, vestiu figurinos exóticos e adotou no palco e na vida pública uma fala empostada, em sintonia com a era dos cantores de dó-de-peito do qual Cauby foi até ontem o único sobrevivente. Cauby Peixoto foi uma estrela. Pôs em prática a partir dos anos 1950, década em que começou a carreira profissional, as lições musicais aprendidas em casa com o irmão pianista, Moacyr Peixoto (1920 - 2003). Aprendeu as lições mercadológicas com Edson Collaço Veras (1914 - 2005), o empresário conhecido como Di Veras que criou estratégias de marketing e factoides para fazer a estrela de Cauby brilhar logo na década de 1950, anos dourados da era do rádio brasileiro. Essa estrela teve o brilho (quase) apagado algumas vezes ao sabor dos modismos da música e da mídia. Mas Cauby renasceu tal qual fênix mais de uma vez, revigorando a persona artística que lhe já tornara transcendental antes da definitiva saída de cena. Sim, sempre amado pelo público, Cauby Peixoto transcendeu os caprichos e humores dos críticos e dos executivos de gravadoras, sobrevivendo ao rótulo de ultrapassado imposto instantaneamente aos cantores da era do rádio após a revolução estética da Bossa Nova, em 1958. Mesmo assim, amargou períodos de popularidade mais baixa, de quase ostracismo. Tanto que o bolero Ninguém é de ninguém (Umberto Silva, Toso Gomes e Luiz Mergulhão, 1960) - propagado na voz grave do cantor em gravação de disco 78 rotações por minuto lançado em setembro de 1960 - foi o último grande sucesso da primeira década da discografia do artista. Fase que vai ser lembrada sobretudo pela emblemática gravação do samba-canção Conceição (Jair Amorim e Valdemar de Abreu, o Dunga, 1956), lançado há 60 anos e, desde então, música obrigatória em todos os shows do cantor. Com maior ou menor popularidade, Cauby permaneceu em cena. Nos últimos anos, a voz já evidenciava a perda da potência e do volume de outrora, mas mantinha raro brilho outonal que permitiu ao cantor gravar em 2015 um belo disco com o cancioneiro da Bossa Nova. A bossa de Cauby Peixoto (Biscoito Fino, 2015) foi o último título de discografia iniciada em fevereiro de 1951 no formato então único dos discos de 78 rotações por minuto. O repertório alternou joias e bijuterias. As joias evidenciaram o alto quilate da voz e da capacidade de interpretação do cantor. Uma das mais valiosas foi Bastidores (Chico Buarque, 1980), música feita para Cristina Buarque que Cauby tomou para ele ao gravá-la em 1980 para álbum que marcou um dos renascimentos artísticos do cantor, Cauby! Cauby! (Som Livre, 1980). Renascimento iniciado, a rigor, um ano antes, quando ninguém menos do que Elis Regina (1945 - 1982) convidou Cauby a verter com ela as lágrimas, o sangue e o veneno do Bolero de Satã (Guinga e Paulo César Pinheiro, 1976) em dueto gravado para o LP Essa mulher (WEA, 1979). Sim, Cauby Peixoto transcendeu épocas e convenções. Por anos, fez do pequeno palco do Bar Brahma - situado em mítica esquina de São Paulo (SP), a cidade onde Cauby saiu ontem de cena vítima de pneumonia - uma espécie de auditório da Rádio Nacional, emissora em que o cantor viveu dias de glória e apogeu. Os tempos e os ídolos já eram outros. Contudo, no imaginário da estrela, haveria sempre um público sedento por pedaços da roupa extravagante que usava. Um público disposto a gritar o que o Brasil hoje grita, chorando de saudade, pela saída de cena do ídolo: "Cauby! Cauby!".
Guia jornalístico do mercado fonográfico brasileiro com resenhas de discos, críticas de shows e notícias diárias sobre futuros lançamentos de CDs e DVDs. Do pop à MPB. Do rock ao funk. Do axé ao jazz. Passando por samba, choro, sertanejo, soul, rap, blues, baião, música eletrônica e música erudita. Atualizado diariamente. É proibida a reprodução de qualquer texto ou foto deste site em veículo impresso ou digital - inclusive em redes sociais - sem a prévia autorização do editor Mauro Ferreira.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
19 comentários:
♪ Cauby Peixoto (Niterói - RJ, 10 de fevereiro de 1931 / São Paulo - SP, 15 de maio de 2016) já teria o nome inscrito na história da música brasileira somente pela personalíssima voz de barítono, de intensidade amplificada por intencionais excessos nas abordagens de músicas nem sempre à altura do magistral registro vocal do artista. Contudo, Cauby Peixoto - em foto de Marco Aurélio Olímpio - foi mais do que uma voz. Ao sair de cena às 23h50m de ontem, 15 de maio de 2016, aos 85 bravos anos, o cantor fluminense entra na galeria dos imortais da música do Brasil pelo conjunto da obra. E, por conjunto da obra, entenda-se a já mitológica persona artística que identificou Cauby no mercado comum da música e da vida humana. Cauby Peixoto poderia ter sido tão somente um dos maiores cantores da música brasileira de todos os tempos, mas ele foi mais do que isso. Cauby foi um astro. E, como um astro, viveu de acordo com os códigos de uma estrela da canção popular. Driblou questões sobre a homossexualidade nunca assumida, vestiu figurinos exóticos e adotou no palco e na vida pública uma fala empostada, em sintonia com a era dos cantores de dó-de-peito do qual Cauby foi até ontem o único sobrevivente. Cauby Peixoto foi uma estrela. Pôs em prática a partir dos anos 1950, década em que começou a carreira profissional, as lições musicais aprendidas em casa com o irmão pianista, Moacyr Peixoto (1920 - 2003). Aprendeu as lições mercadológicas com Edson Collaço Veras (1914 - 2005), o empresário conhecido como Di Veras que criou estratégias de marketing e factoides para fazer a estrela de Cauby brilhar logo na década de 1950, anos dourados da era do rádio brasileiro. Essa estrela teve o brilho (quase) apagado algumas vezes ao sabor dos modismos da música e da mídia. Mas Cauby renasceu tal qual fênix mais de uma vez, revigorando a persona artística que lhe já tornara transcendental antes da definitiva saída de cena. Sim, amado pelo público, Cauby Peixoto transcendeu os caprichos e humores dos críticos e dos executivos de gravadoras, sobrevivendo ao rótulo de ultrapassado imposto instantaneamente aos cantores da era do rádio após a revolução estética da Bossa Nova, em 1958. Mesmo assim, amargou períodos de popularidade mais baixa, de quase ostracismo. Tanto que o bolero Ninguém é de ninguém (Umberto Silva, Toso Gomes e Luiz Mergulhão, 1960) - propagado na voz grave do cantor em gravação de disco 78 rotações por minuto lançado em setembro de 1960 - foi o último grande sucesso da primeira década da discografia do artista. Fase que vai ser lembrada sobretudo pela emblemática gravação do samba-canção Conceição (Jair Amorim e Valdemar de Abreu, o Dunga, 1956), lançado há 60 anos e, desde então, música obrigatória em todos os shows do cantor.
Com maior ou menor popularidade, Cauby permaneceu em cena. Nos últimos anos, a voz já evidenciava a perda da potência e do volume de outrora, mas mantinha raro brilho outonal que permitiu ao cantor gravar em 2015 um belo disco com o cancioneiro da Bossa Nova. A bossa de Cauby Peixoto (Biscoito Fino, 2015) foi o último título de discografia iniciada em fevereiro de 1951 no formato então único dos discos de 78 rotações por minuto. O repertório alternou joias e bijuterias. As joias evidenciaram o alto quilate da voz e da capacidade de interpretação do cantor. Uma das mais valiosas foi Bastidores (Chico Buarque, 1980), música feita para Cristina Buarque que Cauby tomou para ele ao gravá-la em 1980 para álbum que marcou um dos renascimentos artísticos do cantor, Cauby! Cauby! (Som Livre, 1980). Renascimento iniciado, a rigor, um ano antes, quando ninguém menos do que Elis Regina (1945 - 1982) convidou Cauby a verter com ela as lágrimas, o sangue e o veneno do Bolero de Satã (Guinga e Aldir Blanc, 1976) em dueto gravado para o álbum Essa mulher (WEA, 1979). Sim, Cauby Peixoto transcendeu épocas e convenções. Por muitos anos, fez do pequeno palco do Bar Brahma - situado em mítica esquina de São Paulo (SP), a cidade onde Cauby saiu ontem de cena vítima de pneumonia - uma espécie de auditório da Rádio Nacional, emissora em que o cantor viveu dias de glória e apogeu. Os tempos e os ídolos já eram outros. Contudo, no imaginário da estrela, haveria sempre um público sedento por pedaços da roupa extravagante que usava. Um público disposto a gritar o que o Brasil hoje grita, chorando de saudade, pela saída de cena do ídolo: "Cauby! Cauby!".
Não há o que comentar, Mauro. Falou tudo.
Felipe dos Santos Souza
Obrigado Cauby! Por sua linda voz e impecável interpretação nas canções.
Sua obra me fez muito feliz! Muita Luz e Paz!
Agradeço também aos queridos Rodrigo Faour e Marcelo Fróes, que trabalharam em projetos de remasterização e reedições em CD, de vários trabalhos deste grande artista.
Salve Cauby :)
Estou tão triste hoje com essa perda irreparável do meio musical. Cauby é um mito. Cantor de voz e personalidade únicas. Que descanse em paz, eterno guerreiro.
Descanse em paz! Triste perda para o mundo da MPB. Meus sentimentos aos familiares e fãs deste grande cantor.
Acordei em choque hoje com essa noticia. Mais um gigante da nossa música se foi. Vá em paz Cauby!
O Agnaldo Rayol e o Agnaldo Thimóteo tem o mesmo estilo operístico do bel canto italiano do... Cauby!.Tá certo que nenhum representa a velha guarda e a era do rádio como o... Cauby! Outro detalhe,nenhum dos dois tem a classe e a "aura mítica" do... Cauby!
Estranhamente,no quesito sexualidade,os dois artistas mantém a mesma ambiguidade de... Cauby!
Cauby Peixoto teve sua obra e sua história - respeitadas e compreendidas por um Brasil - que, não fosse por esforço afetivo e profissional (afeto é inteiriço esforço, como disse a poeta e. Bishop) de seu biógrafo Rodrigo Faour, certamente passassem em branco, sem escritura que documentasse o fato real de um artista que imprimiu uma estética ímpar e conceitual em nossa cultura brasileira "quando música popular". E a biografia certamente vai ser reeditada por necessidade de ampliação da história artística de Cauby que, por mãos operárias de também esforçoso afeto e retidão profissional do produtor artístico Thiago Marques Luiz, teve seu lugar de justeza exata em continuidade de produção, para as escutas das novas gerações, em trabalhos que espelharam as modernidades de todos os Caubys que ele, Thiago-poeta, enxergou e enxergará para o sempre, porque isso é dote e dádiva de poucos. "Cauby cantando Baden - de produção que desconheço, por exemplo - se perde na desordem de um "mercado" que, na maioria das vezes, desestabiliza a "obra" em seu conceito estético e histórico de um artista, mas que por ofício de Thiago em sua entrada organizacional na discografia de Cauby, se estrutura formalmente no seguimento criativo de um Cauby que ele mostra vivo, inteiro, eternizado em Sinatras, Kings Coles, Porters e Gershwin e Pauls e Lennons - os quais Cauby, sob batuta poética de Marques Luiz, mostra serem apenas e tudo "bossa nova" e que "isso é muito natural". E que é a própria vida, por vezes em bastidores a alimentarem curiosidades inúteis, que se ressignifica por meio da arte maior (a que fica), e sobre os tablados - que é onde as luzes de Marques Luiz e Faour desenharam o verdadeiro Cauby para o Brasil.
Heron Coelho
Mauro, parabéns pelo belo texto.
Cauby merece todas as homenagens!
O cancioneiro de letras femininas de Chico Buarque se ajustaria bem a voz de Cauby. Que pena, seria um bálsamo, Cauby canta Chico Buarque. E viva Cauby!
Cauby era gigante! Merece ser celebrado!
Com muitos brilhos, Cauby se vestiu - e agora sua voz está na Eternidade.
Salve Cauby Peixoto!!
Bolero de Sata é composicao de Guinga e Paulo Cesar Pinheiro, nao de Aldir Blanc.
Bolero de Sata é composicao de Guinga e Paulo Cesar Pinheiro, enaode Aldir Blanc.
Claro, Helion. Lapso meu. Grato pelo toque. Abs, MauroF
Cauby jamais será esquecido
Obrigada Nancy Lara por ter cuidado com muito carinho do nosso Cauby Peixoto.
Você foi o anjo da vida dele.
Descanse em paz eterno Cauby Peixoto.
Postar um comentário