Resenha de álbum
Título: De volta ao começo
Artista: João Fênix
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *
♪ A feminina voz do cantor pernambucano João Fênix renasce no quinto álbum do artista, De volta ao começo, lançado pela gravadora Biscoito Fino no mês de abril de 2016, com capa diferente da inicialmente idealizada pelo artista após a conclusão da gravação do disco, no primeiro semestre de 2015. "É mais fácil mimeografar o passado / Que imprimir o futuro", admite Fênix em versos de Minha casa (2000), canção da safra de líricas do compositor maranhense Zeca Baleiro que abre o álbum produzido por Jaime Alem com JR Tostoi. Fênix tentou imprimir o futuro ao buscar afirmação como compositor no irregular autoral A foto onde eu quero estar (Sala de Som Records, 2011). Em De volta ao começo, o cantor faz a voz de contratenor renascer como fênix em álbum de intérprete que oscila entre impressões do passado e do presente. A própria reunião de dois produtores de universos musicais distintos - Jaime Alem, identificado com as nobres tradições da MPB e do violão, e JR Tostoi, cujo toque noise da guitarra sintoniza o presente da música pop brasileira - colabora para que o disco transcorra harmonioso entre o passado e o presente sem que um se sobreponha ao outro. Não raro, passado e presente até se dão as mãos. Parafraseando verso da música-título De volta ao começo (Gonzaguinha, 1980), Fênix entra de novo na roda para cantar antigas cantigas. Mas já aí, na canção do compositor carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945 - 1991), a guitarra cortante de Tostoi rasga a incisão memorialista, embaralhando passado e presente. Como um menino com o brilho do sol, Fênix atiça reminiscências da vivência nordestina ao voltar a falar a lúdica e tropicalista Língua do P criada por Gilberto Gil em 1970, ao mergulhar contemporâneo no Riacho do navio (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1955) e ao rearrumar com a rabeca de Nicolas Krassik a Arrumação feita por Elomar em 1979. Contudo, o título revelador De volta ao começo pode simbolizar tão somente o retorno do cantor de voz feminina às origens de intérprete, projetado no palco há 20 anos pela marcante atuação na montagem original do musical carioca Quatro carreirinhas (1996). Um intérprete polivalente capaz de armar uma seresta ao som de Último desejo (Noel Rosa, 1937) e de pisar no terreirão ancestral do samba para saudar Yaô (Pixinguinha e Gastão Vianna, 1938), revolvendo toda uma raiz negra evocada também no coro masculino que abrilhanta Minha festa (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, 1973) no fecho deste disco que adensa o inventário emocional ao reviver as dores e os dons uterinos de Motriz (Caetano Veloso, 1983) e de A feminina voz do cantor (Milton Nascimento e Fernando Brant, 2002). E é tragando a dor amarga de um Brasil ainda sem futuro que Fênix imprime o presente na faixa mais impactante do álbum, Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), desafiando tanta mentira e tanta força bruta ao inserir fala politizada do deputado federal Jean Willys ("Eu sou homossexual assumido, sim!") no meio dos toques dos violões incisivos. No fim da gravação amarga, o coro dos estudantes da Escola Estadual Antônio Viana de Souza, de São Paulo (SP), clama pela hora em que o país vai devolver ao povo brasileiro o dom de ser feliz. Atordoado entre o passado construído na memória e o presente surreal, João Fênix permanece atento e forte.
♪ A feminina voz do cantor pernambucano João Fênix renasce no quinto álbum do artista, De volta ao começo, lançado pela gravadora Biscoito Fino neste mês de abril de 2016 com capa diferente da inicialmente idealizada pelo artista na conclusão da gravação do disco, no primeiro semestre 2015. "É mais fácil mimeografar o passado / Que imprimir o futuro", admite Fênix em versos de Minha casa (2000), canção da safra de líricas do compositor maranhense Zeca Baleiro que abre o álbum produzido por Jaime Alem com JR Tostoi. Fênix tentou imprimir o futuro ao buscar afirmação como compositor no irregular autoral A foto onde eu quero estar (Sala de Som Records, 2011). Em De volta ao começo, o cantor faz a voz de contratenor renascer como fênix em álbum de intérprete que oscila entre impressões do passado e do presente. A própria reunião de dois produtores de universos musicais distintos - Jaime Alem, identificado com as nobres tradições da MPB e do violão, e JR Tostoi, cujo toque noise da guitarra sintoniza o presente da música pop brasileira - colabora para que o disco transcorra harmonioso entre o passado e o presente sem que um se sobreponha ao outro. Não raro, passado e presente até se dão as mãos. Parafraseando verso da música-título De volta ao começo (Gonzaguinha, 1980), Fênix entra de novo na roda para cantar antigas cantigas. Mas já aí, na canção do compositor carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945 - 1981), a guitarra cortante de Tostoi rasga a incisão memorialista, embaralhando passado e presente. Como um menino com o brilho do sol, Fênix atiça reminiscências da vivência nordestina ao voltar a falar a lúdica e tropicalista Língua do P criada por Gilberto Gil em 1970, ao mergulhar contemporâneo no Riacho do navio (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1955) e ao rearrumar com a rabeca de Nicolas Krassik a Arrumação feita por Elomar em 1979. Contudo, o título revelador De volta ao começo pode simbolizar tão somente o retorno do cantor de voz feminina às origens de intérprete, projetado no palco há 20 anos pela marcante atuação na montagem original do musical carioca Quatro carreirinhas (1996). Um intérprete polivalente capaz de armar uma seresta ao som de Último desejo (Noel Rosa, 1937) e de pisar no terreirão ancestral do samba para saudar Yaô (Pixinguinha e Gastão Vianna, 1938), revolvendo toda uma raiz negra evocada também no coro masculino que abrilhanta Minha festa (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, 1973) no fecho deste disco que adensa o inventário emocional ao reviver as dores e os dons uterinos de Motriz (Caetano Veloso, 1983) e de A feminina voz do cantor (Milton Nascimento e Fernando Brant, 2002). E é tragando a dor amarga de um Brasil ainda sem futuro que Fênix imprime o presente na faixa mais impactante do álbum, Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), desafiando tanta mentira e tanta força bruta ao inserir fala politizada do deputado federal Jean Willys ("Eu sou homossexual assumido, sim!") no meio dos toques dos violões incisivos. No fim da gravação amarga, o coro dos estudantes da Escola Estadual Antônio Viana de Souza, de São Paulo (SP), clama pela hora em que o país vai devolver ao povo brasileiro o dom de ser feliz. Atordoado entre o passado construído na memória e o presente surreal, João Fênix permanece atento e forte.
ResponderExcluirNão quero perder por nada esse disco. Excelente repertório!!!
ResponderExcluirMauro Ferreira: quando tento comprar o álbum pela Biscoito Fino, eles só disponibilizam a venda em formato digital. Sabe dizer se o "De volta ao começo" foi lançado em também em formato físico (CD)? Grato!!
ResponderExcluir(obs.: fico feliz em saber que continua dando continuidade a seu Blog... já não conseguia viver sem suas resenhas, e fiquei arrasado quando você comunicou que não haveria mais a sua coluna "O Dia". Mas trabalho como o seu só cresce, e fará sucesso sempre. É o que desejo, é minha torcida, e, mais do que isso, é a tendência - trabalho eficiente e bem feito, com o capricho e dedicação que você imprime ao seu, há de fazer cada vez mais sucesso. Abraço!
Marcos Antônio, o disco do Fênix também sai em formato físico. O CD já deve estar chegando aos (poucos) pontos de venda restantes no Brasil.
ResponderExcluirQuanto ao Notas Musicais, o blog sempre foi veículo independente. Enquanto eu tiver tempo e saúde, o site continuará atualizado diariamente. Abs, grato pelos votos de sucesso, MauroF
Pegando carona no que escreveu o Marcos Antônio, o blog Notas Musicais me foi apresentado por um amigo há alguns anos, e desde de então passou a ser a minha primeira leitura diária. Parabéns mesmo, ao Mauro Ferreira e sucesso sempre. Quanto ao retorno do João Fênix, que beleza, e que repertório. Ah, os discos da Biscoito Fino não são fáceis de conseguir, e nem baratos.
ResponderExcluirAugusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)
ResponderExcluirMauro, a morte de Gonzaguinha foi em abril 1991 e não 1981.
Abs.
Claro, Augusto. Grato pelo toque do erro de digitação. Abs, MauroF
ResponderExcluirJoão Fênix,mais um...
ResponderExcluirVou procurar conhecê-lo.