Mauro Ferreira no G1

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domingo, 22 de maio de 2016

Pipa a voar no tempo, MPB4 gira renovado na roda viva em disco de inéditas

Resenha de álbum
Título: MPB4 50 anos - O sonho, a vida, a roda viva!
Artista: MPB4
Gravadora: Selo Sesc
Cotação: * * * *

 Em mais de um sentido, o álbum MPB4 50 anos - O sonho, a vida, a roda viva! representa uma retomada para o quarteto de origem fluminense que se profissionalizou em 1965, embora já militasse no Centro Popular de Cultural (CPC) de Niterói (RJ), inicialmente como trio, desde 1962. Além de ser o primeiro disco do grupo após a saída de cena de Antônio José Waghabi Filho (14 de novembro de 1943 - 8 de agosto de 2012), o Magro, criador da identidade vocal do MPB4, O sonho, a vida, a roda viva! renova e expande o repertório do quarteto com 13 músicas inéditas de compositores identificados com os ritmos do Brasil. Desde o álbum 4 coringas (Barclay, 1984), lançado há longos 32 anos, o MPB4 não apresentava um disco com repertório inteiramente inédito. Idealmente, O sonho, a vida, a roda viva! deve ser ouvido sem comparações com os discos do período 1966-1984, fase áurea do MPB4, para que possa ser avaliado no atual contexto do quarteto. "Pra que pensar no que ficou pra trás? / Ver a vida no retrovisor? / ... / Sai da frente que agora é que a fila vai andar / O que é passado, meu bem / Valeu pra comprovar / Jornal de ontem, nem pensar", pondera o grupo em versos do sincopado samba Jornal de ontem (Sérgio Santos e Joyce Moreno), cujo arranjo vocal (de Miltinho) remete na introdução à pioneira modernidade vocal do grupo Os Cariocas. "Eu sou pipa ao vento a voar / Vivo esse momento / Enquanto o tempo me levar", reitera o MPB4 no lirismo dos versos de A pipa e o tempo (Dalmo Medeiros e Cacau Castro). Sim, os tempos são outros. O próprio grupo já é outro, sendo atualmente formado por Aquiles Reis, Dalmo Medeiros (convidado em 2004 a ocupar o lugar do dissidente Ruy Faria), Miltinho e Paulo Malaguti Pauleira (substituto de Magro). E, por fim, a música brasileira já é outra. A produção da MPB nas décadas de 1960 e 1970 paira acima dos tempos e modismos como uma das mais vigorosas da história da música brasileira. O repertório recolhido pelo MPB4 resulta sem força no confronto com a produção daqueles anos áureos. O que não significa que não haja várias preciosidades entre as 13 músicas do disco. Compositor lançado pelo MPB4 no álbum Palhaços e reis (Philips, 1974), Guinga contribui com Brasileia, baião surreal feito em parceria com o talentoso Thiago Amud. Com a mesma espirituosidade e ainda na seara nordestina, o baião Ateu é tu (Rafael Altério e Celso Viáfora) profana a hierarquia das instituições religiosas. Já o samba Desossado - parceria de João Bosco com Francisco Bosco - sobe o morro com as pernas tortas do Brasil retratado na letra com alta dose de crítica social. Já a Valsa do baque virado (Mario Adnet e João Cavalcanti) adentra os salões europeus do Brasil colonial com evocações da pernambucana nação do maracatu. Outra reminiscência de tempos imemoriais, Maxixe (Fred Martins e Alexandre Lemos) evoca a cadência manemolente do ritmo que batiza o tema. Contudo, o MPB4 canta e vive o Brasil de hoje, ainda que, ao término do disco, faça o inventário da jornada cinquentenária em A voz na distância (Paulo Malaguti Pauleira). Mas o Brasil do MPB4 extrapola as fronteiras do centros urbanos. Tanto que Milagres (Breno Ruiz e Paulo César Pinheiro) poderia ser a trilha de uma folia de reis de um interior que insiste em ser (também) folclórico. Bem produzido por Miltinho e Paulo Malaguti Pauleira, que se revezaram na criação dos arranjos vocais (elaborados com requinte que preserva a identidade vocal do MPB4, aludindo por vezes às vozes de Magro), O sonho, a vida, a roda viva! ostenta arranjos do pianista Gilson Peranzzetta. Na parte dos arranjos vocais, vale mencionar a embaraçada teia de voz que valoriza a metalinguística Trança de cipó (Renato Rocha). Ainda dentro do universo metalinguístico, Harmonia (Miltinho, Sirlan e Paulo César Pinheiro) dá o recado humanista com outro belo arranjo vocal (de Miltinho): "Rancor, perdão / São acordes de opção / Amar é harmonizar / O coração". No mesmo tom afetivo, o gaúcho Vitor Ramil cai no samba Filigrana e reitera em verso que "O amor é filigrana fácil de perder". Mesmo com melodia de menor estatura dentre a safra de 13 músicas inéditas do álbum, A ilha (Kleiton Ramil e Kledir Ramil) - canção orquestrada com as cordas do Quarteto Radamés Gnattali -  ajuda o MPB4 a olhar em frente neste renovador álbum em que, descartando o jornal de ontem, o quarteto se nega a reportar velhas novidades musicais, soando com pipa ao vento a voar no tempo presente.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Em mais de um sentido, o álbum 50 anos MPB4 - O sonho, a vida, a roda viva! representa uma retomada para o quarteto de origem fluminense que se profissionalizou em 1965, embora já militasse no Centro Popular de Cultural (CPC) de Niterói (RJ), inicialmente como trio, desde 1962. Além de ser o primeiro disco do grupo após a saída de cena de Antônio José Waghabi Filho (14 de novembro de 1943 - 8 de agosto de 2012), o Magro, criador da identidade vocal do MPB4, O sonho, a vida, a roda viva! renova e expande o repertório do quarteto com 13 músicas inéditas de compositores identificados com os ritmos do Brasil. Desde o álbum 4 coringas (Barclay, 1984), lançado há longos 32 anos, o MPB4 não apresentava um disco com repertório inteiramente inédito. Idealmente, O sonho, a vida, a roda viva! deve ser ouvido sem comparações com os discos do período 1966-1984, fase áurea do MPB4, para que possa ser avaliado no atual contexto do quarteto. "Pra que pensar no que ficou pra trás? / Ver a vida no retrovisor? / ... / Sai da frente que agora é que a fila vai andar / O que é passado, meu bem / Valeu pra comprovar / Jornal de ontem, nem pensar", pondera o grupo em versos do sincopado samba Jornal de ontem (Sérgio Santos e Joyce Moreno), cujo arranjo vocal (de Miltinho) remete na introdução à pioneira modernidade vocal do grupo Os Cariocas. "Eu sou pipa ao vento a voar / Vivo esse momento / Enquanto o tempo me levar", reitera o MPB4 no lirismo dos versos de A pipa e o tempo (Dalmo Medeiros e Cacau Castro). Sim, os tempos são outros. O próprio grupo já é outro, sendo atualmente formado por Aquiles Reis, Dalmo Medeiros (convidado em 2004 a ocupar o lugar do dissidente Ruy Faria), Miltinho e Paulo Malaguti Pauleira (substituto de Magro). E, por fim, a música brasileira já é outra. A produção da MPB nas décadas de 1960 e 1970 paira acima dos tempos e modismos como uma das mais vigorosas da história da música brasileira. O repertório recolhido pelo MPB4 resulta sem força no confronto com a produção daqueles anos áureos. O que não significa que não haja várias preciosidades entre as 13 músicas do disco. Compositor lançado pelo MPB4 no álbum Palhaços e reis (Philips, 1974), Guinga contribui com Brasileia, baião surreal feito em parceria com o talentoso Thiago Amud. Com a mesma espirituosidade e ainda na seara nordestina, Ateu é tu (Rafael Altério e Celso Viáfora) profana a hierarquia das instituições religiosas. Já o samba Desossado - parceria de João Bosco com Francisco Bosco - sobe o morro com as pernas tortas do Brasil retratado na letra com alta dose de crítica social. Já a Valsa do baque virado (Mario Adnet e João Cavalcanti) adentra os salões europeus do Brasil colonial com evocações da pernambucana nação do maracatu. Outra reminiscência de tempos imemoriais, Maxixe (Fred Martins e Alexandre Lemos) evoca a cadência manemolente do ritmo que batiza o tema. Contudo, o MPB4 canta e vive o Brasil de hoje, ainda que, ao término do disco, faça o inventário da jornada cinquentenária em A voz na distância (Paulo Malaguti Pauleira). Mas o Brasil do MPB4 extrapola as fronteiras do centros urbanos. Tanto que Milagres (Breno Ruiz e Paulo César Pinheiro) poderia ser a trilha de uma folia de reis de um interior que insiste em ser (também) folclórico.

Mauro Ferreira disse...

Bem produzido por Miltinho e Paulo Malaguti Pauleira, que se revezaram na criação dos arranjos vocais (elaborados com requinte que preserva a identidade vocal do MPB4, aludindo por vezes às vozes de Magro), O sonho, a vida, a roda viva! ostenta arranjos do pianista Gilson Peranzzetta. Na parte dos arranjos vocais, vale mencionar a embaraçada teia de voz que valoriza a metalinguística Trança de cipó (Renato Rocha). Ainda dentro do universo metalinguístico, Harmonia (Miltinho, Sirlan e Paulo César Pinheiro) dá o recado humanista com outro belo arranjo vocal (de Miltinho): "Rancor, perdão / São acordes de opção / Amar é harmonizar / O coração". No mesmo tom afetivo, o gaúcho Vitor Ramil cai no samba Filigrana e reitera em verso que "O amor é filigrana fácil de perder". Mesmo com melodia de menor estatura dentre a safra de 13 músicas inéditas do álbum, A ilha (Kleiton Ramil e Kledir Ramil) - canção orquestrada com as cordas do Quarteto Radamés Gnattali - ajuda o MPB4 a olhar em frente neste renovador álbum em que, descartando o jornal de ontem, o quarteto se nega a reportar velhas novidades musicais, soando com pipa ao vento a voar no tempo presente.

Bernardo Barroso Neto disse...

Mauro esse cd já está sendo vendido? Vou comprar.

Mauro Ferreira disse...

Bernardo, sim, já está sendo vendido nas unidades do Sesc (cujo selo também tem produtos à venda na rede de livrarias Cultura). Abs, MauroF

Bernardo Barroso Neto disse...

Comprei o cd e realmente está sensacional. Gostei demais das músicas novas e dos arranjos vocais. Vida eterna ao MPB-4!